sábado, 12 de setembro de 2020

GLORINHA - DR. DEMÓSTENES RIBEIRO (*)

 Glorinha – Dr. Demóstenes Ribeiro (*)

Sim, eu também tive um tempo feliz. Foi quando era menina sapeca na fazenda são Francisco, querida pela madrinha Sinhá e pelo coronel Assis de Almeida, mas o tempo destruiu tudo.

Pouco a pouco Seu Assisinho esquecia do mundo, e a família se mudou para a cidade. Já mocinha, eu fui junto. Estudaria para professora e cuidaria do coronel. Ele, cada vez pior. Vivia nos médicos, muitos remédios, e não tinha melhora. A noite era um inferno: não dormia e ficava cada vez mais agitado.

Havia um sofá ao lado da sua cama e decidiram que eu dormiria lá. Seu Assisinho se acalmava um pouco quando eu fechava a porta, sentava ao seu lado e alisava os seus cabelos brancos. Tempos depois, era a sua mão passando pelo meu rosto, descendo pelos meus seios, e a casa adormecia.

A todos surpreendia essa melhora. Agora, os remédios estavam certos, as noites eram de paz, e o velho cada vez mais assanhado comigo. Abria a minha blusa, soltava o meu sutiã, sugava o meu seio e caia em sono profundo como um neném amamentado. Prá mim pouco importava aquela boca desdentada, se isso era o preço por uma noite de paz.

Mas, num Natal, Josefina, a filha solteirona e histérica, de repente abriu a porta do quarto, acendeu as luzes e nos surpreendeu no ritual. Foi um escândalo: Glorinha, sua vagabunda, puta de idosos, vai ver onde você vai morar!

O jipe parou no cabaré de “Peituda”, eu chorava, eu a minha mala jogadas na calçada. “Peituda” abriu a porta e acostumada com aquela situação, tentava me consolar: “minha filha, vá dormir, não fique assim, “Peludinha” vai lhe trazer um chá...” No dia seguinte, Seu Assisinho morreu – como é triste esse tempo de Natal.

Quando o dia nasceu e lhe contei a minha história, “Peituda” prometeu me ajudar. Logo eu acharia um marido, seria professora e, se ficasse loura, tudo seria mais fácil. Ela oxigenou os meus cabelos e mudou o penteado.

Dias depois, um viúvo veio me conhecer. Um homem gordo e suado, de chinela japonesa e pedalando uma bicicleta apareceu por lá. “Coquinha” era barbeiro, se apaixonou mim e me levou prá sua casa. Ele queria exclusividade, mas pelo meu sonho de professora, não se importava que eu desse aula pra alguns meninos interessados enquanto ele trabalhava.

Pois bem, durante muitos anos, no final da tarde, cinco ou seis mocinhos esperavam pacientemente em frente à casa a aula individual. Ao escurecer, já com a turma debandada, “Coquinha” chegava bem cansado. “Loura” – ele falava – com as suas aulas e a barbearia, qualquer dia a gente tem geladeira e fogão a gás.

De saia justa e batom vermelho, loura e de salto alto, quando eu saía pela cidade os homens enlouqueciam e me comiam com o olhar. Até que um dia, o meu barbeiro não acordou e o mundo acabou prá mim. De novo, estava sozinha, não era mais a “loura do Coquinha”, chorei muito, não tinha amigas e fiquei desesperada. “Peituda” tinha se amigado com um sargento em Pernambuco e “Peludinha”, com um fazendeiro em Goiás.

Aos poucos refiz as forças, dei aula extra e juntei uns trocados. Fiz empréstimo e mudei de cidade. Voltei a ser Glorinha. Hoje sou uma empresária da alegria nessa terra de beatos. Várias meninas moram comigo, elas se dão bem e pela minha boate já passaram todos os figurões da sociedade.

Às vezes, eu fico triste e lembro “Cinzas de Amor”, cantada por “Chico de Zé Namorado”, e ontem Seu Assisinho me apareceu em sonho. O sem-vergonha andava doido por uma mamada.

Mas, hoje é a festa do município e não há lugar para saudade. Vou receber gatinhas de Recife, Salgueiro, Campina Grande e de outras cidades mais. Vai ter “baile de debutantes” e um vereador fará um discurso como no tempo chique do soçaite.

Apostei num futuro de sucesso, sou influente, todos gostam de mim e tenho certeza que quando o “Coquinha” voltar prá me levar, Glorinha ainda vai ser nome de rua nessa cidade.

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(*) Dr. Demóstenes Ribeiro é médico-cardiologista, natural de Missão Velha, residente e atuante profissionalmente em Fortaleza-CE 



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