terça-feira, 24 de julho de 2007

Achados e Perdidos


Ultrapassando o Cabo das Tormentas por volta dos cinqüenta , nos pomos, continuamente a fazer balanço da vida. É que , à frente, se vai estreitando o caminho e começam a faltar, seguidamente, colegas de classe na hora da chamada.As coisas passadas vão pouco a pouco se tornando mais presentes e mais vívidas. Até porque nos vamos dando conta de que a juventude ,com seu séqüito de leveza, de descompromisso, com os frutos da esperança, languidamente, se oferecendo no nosso pomar terá sido a mais dourada fase da nossa existência. Com os anos, nos vamos cobrindo de um sem número de responsabilidades e compromissos . Passamos a carregar um fardo cada vez mais pesado : vivemos apenas nos interlúdios e sorrimos nas entrelinhas. A vida é isto mesmo: um curta-metragem e nem sempre de animação.
Um dia empreenderemos a viagem final para o desconhecido. Os místicos e os espiritualistas esperam na estação, sem muita ansiedade e angústia. Perpassa em todos, no entanto, laivos de um temor instintivo primal e incontrolável: “Ser ou não ser: eis a questão!” Quem sabe, por isto mesmo, viajar seja para todos um deleite. Viajar é uma espécie de morte reversível, a possibilidade de desvendarmos o desconhecido com passagem de volta no bolso. Loucos empreendem viagens psicodélicas( nem sempre com retorno garantido) na tentativa de descerrar a cortina e conhecer o outro lado da névoa. Os mais pragmáticos pegam veículos mais concretos e seguros em busca de outras paragens.
O certo é que, quando arrumamos os teréns e ganhamos o mundo, percorremos sempre duas estradas. Uma mais palpável e visível que se abre à nossa frente e que nos descortina novas paisagens, novas perspectivas e novos costumes. Rapidamente saltamos das nossas vidinhas resumidas , sintéticas e cotidianas para a exuberância do universo com suas portas largas, suas infinitas verdades e suas veredas desconhecidas e incomensuráveis.Nesta nova dimensão, já não cabem nossas pequenezes, nossos juízos pré-formados, nossas certezas aparentemente sólidas e inabaláveis. Parece que ,de dentro do ovo, bicamos a casca e deixássemos entrar a luz que nos ilumina e revela novos ângulos e arestas da nossa existência. Descobrimos que a unicidade reside na diferença e que as nossas certezas são apenas pequenos ladrilhos que necessitam se juntar a uma infinidade de tantos outros para desvendar o quebra-cabeça da verdade.
A outra estrada, por outro lado, se estende para dentro de nós mesmos, já que toda viagem é uma busca , uma procura . É como se tentássemos descobrir, em meio a tantas perplexidades, nossa exata localização no universo.Qual nosso papel no enredo? Que máscaras precisarão ser desfraldadas para que possamos fitar a real compleição da nossa alma? Talvez , por isto mesmo, nos sintamos tão alegres e felizes tanto na ida para o desconhecido quanto na volta, para o aconchego das nossas casas. É que de repente percebemos que a história é mais importante que a geografia e que todas as estradas, por mais esburacadas e tortuosas que sejam, sempre terminam ali, na beirinha do nosso quintal.

J. Flávio


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