terça-feira, 24 de julho de 2007

um bom mano baiano, kariri de coração, disse isso no blog (ducaralho) cozinha do cão.

Cariri
Eu tinha um ar febril naquele dia. Mas nada que tivesse relação com algum tipo de inspiradora necessidade; aquela sacação de última hora, um por do sol do caralho em minha frente e eu perdendo as estribeiras.
Era febre mesmo. Quarenta graus.
Uma porra de um dente que resolveu se deteriorar mais ainda. E me causou uma dor horrenda, um puta abcesso. Há noites não dormia. Minha cara tava gigante; os olhos vermelhos e chumbados.
O consultório ficava num “centro comercial” pequeno, bem ao lado da velha igreja de Juazeiro da Bahia. Uns corredores estreitos estavam tomados de óticas, escritórios de contabilidade, médicos e algumas outras salas com profissionais de procedência pra lá de duvidosa – umas cartomantes e um tarólogo. E a tal dentista, que não estava lá.
Eu tava fodido. Não tinha o que fazer a não ser esperar. Isso significava mais sofrimento. E o incômodo de andar por ali com a cara inchada literalmente.
O que me restava era caminhar. Esperar a tal doutora. Foi então que eu me deparei com uma salinha minúscula. Ela destoava do resto cinzento, abafado, monótono.
Na porta, um pôster do Jim Morrison: os olhos do Xamã talhavam o ambiente carregado de tédio. Numa velha vitrola – daquelas que usavam pilhas – o Raul dava o toque. Dentro, livros. Muitos livros.
Como quem não quer nada, entrei. Ressabiado, duvidoso e desconfiado. Um leve e quase imperceptível cheiro de mofo tomava o lugar; os livros do Bakunin, do Rilke, dos beats, do Suassuna, arrumados em ordem alfabética; as revistas Animal numa cesta, jogadas; exalavam aquele ar característico de sebo.
Numa mesa do centro, o Hélio lia algo. E ele me recepcionou, numa boa.
Foi o começo.
Foi ali que eu vi o que iria dar uma guinada em minha vida – até então, algo morno e ensimesmado; mas já dava seus primeiros toques de ressurgimento. Uma revoada.
Eram os fanzines. Mas especificamente um: Séquiço Sacro era seu nome.
Era uma literatura feita na raça. Antes dessa onda “on line” – que também é do caralho, mas nos facilita a vida e amolece demais as coisas -, o que esses caras faziam era pela mais pura vontade de gritar. Mostrar ao mundo que havia vida furiosa e inteligente além dos formalismos boçais dos circuitos literários e dos sarauzinhos de merda. Eles digitavam os textos em velhas máquinas Olivetti e cortavam seus fragmentos de vida junto com recortes de jornais, quadrinhos, desenhos, ondas.
Eu lembro nitidamente das colagens. Lembro dos poemas do Uberdã, das ondas do Rafael Fel; dos toques curtos e certeiros do Kleber Matos e da incendiária poesia do Lupeu Lacerda.
Dali eu passei a conhecer um lado mais divertido do mundo. Sem eles, acho que seria mais um adorador do Augusto dos Anjos e estaria até hoje caminhando com roupas pretas e com um olharzinho tristonho.
Eu vi as mulheres de bunda grande que o Robert Crumb desenhava; as boas vindas de um texto do Murilo Mendes – pois entre os inéditos, referências a alguns dos primeiros a escancarar as portas da poesia feia com algum culhão. Entendi, de uma vez por todas, que escrever era algo que podia andar lado a lado com a vida.
Minhas velhas crenças foram para puta que pariu; prum ralo qualquer, que não me faz falta.
E eis que eles voltaram num blog pra lá de bacana. Hiperbólico, sempre atolado de coisas que valem a pena sacar. O CaririCult nada mais é que uma versão melhorada; a loucura finalmente “on line”.
Eles podem se dar ao luxo de citar ao Hilda Hilst e falar de cubanas lindas que desfilam em festas nacionais dos charutos Havana. Podem copiar textos sobre literatura, catar fotos em outros lugares, numa pirataria lúdica.
Eles podem até citar o Whitmam, numa boa.
Eu até que poderia fingir que não era comigo. E nada escrever. Mas acho foda ter esses sujeitos que me abriram algumas portas – capitaneados pelo Lupeu, o único do grupo com quem consegui dividir algumas cervejas, cigarros, noites alucinadas e outras ondas nem tão corretas assim – aqui e não deixar claro de onde vieram minhas influências primárias; eles deram o chute na porta.
Depois disso, as cervejas se tornaram mais companheiras, os vinhos Dom Bosco se tornaram algum tipo de abençoada bebida e os livros foram devorados com legítima vontade de mudar o rumo das coisas.
Postado por Gustavo Rios (gustavosilvassa@gmail.com)

2 comentários:

  1. Eis mais um guerreiro da contemporânea Nação Cariri
    Separado que foi pela cissiparidade
    Que gerou muitas tribos por esses vales afora
    Mais um da rapaziada que a arte
    Sempre acaba trazendo para o seu ninho
    Independente do lugar que tenha nascido
    Seja sempre bem-vindo, my brother

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  2. Que texto, Seu lupa!
    Já mandei convite pro teu amigo Auguto para se integrar à nossa revista eletrônica. Outro recado: onde estão as nossas mulheres? Precisamos delas no blog, cara!
    Um grande abraço,

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