segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Um Conto a Mil Mãos ( o que se escreveu na semana passada)
Na parede um relógio centenário tictaqueava insistente. Marcava 18 h, em ponto!
Magicamente, Dona Cândida surgiu no corredor , com seus passinhos pequenos, corpo frágil, mas ainda requebrado, destarte os registros do tempo. Cabelo prateado de lua, cheirinho de lavanda ingleza,vestido de fustão estampado, sapatos leves de "moleca".Apertou os olhinhos para olhar os entrantes, e esboçou um sorriso tímido e franco! Estendeu a mão,quando Deusa fez as apresentações,e sugeriu, prosa, em cadeiras na calçada!
Há que se acreditar em mistérios! sabia não? minha mãe dizia: "cândida, há magia em tudo nessa terra". eu acredito nela. ainda ouço ela quando o relógio bate na sala.
sabe o mistério da praça do cristo? é lá que as coisas aconteciam...
Enquanto isso, um cheiro delicioso de café, no ar se espalhava...
- Filoooooóó...café e tapioca, pra todo mundo!
E quem resiste a um cafézinho torrado em casa, e tapiocas com nata? Goma da serra...nova,bem alvinha!
Deusa achou que chegara o momento de explicar pra vó, o intento do rapaz...Na voz mais sedutora, advogou a causa: Vó, Randulfo deseja que a sra. leia a sua sorte´.Já lhe disse que , jôgo de cartas, tem que ser marcado, e tomei a liberdade de agendar...Na próxima lua cheia...ficou combinado! Ele está curioso em conhecer seu velho álbum de fotografias...Nutre a esperança de esclarecer trajetórias de vidas de alguns dos seus antepassados!
Súbito, uma porta range no corredorzinho lateral da casa que dá prum jardim florido. A porta se abre e... surge Brigite, uma gata preta ,de olhos verdíssimos, acompanhada de Ayloã...A visão parecia ter fugido de um conto de fadas... A cigana carregava um ramalhete de rosas, entremeado de "sorriso de Maria e avencas".Tinha o cor-de-rosa da tarde, misturado com o luar de agôsto , já salpicado, nos seus cachos.Fiava um deles, enquanto cantarolava, uma samba canção de Bororó..."Você tem boniteza/ e a natureza foi quem agiu/com esses olhos de índia/ curare no corpo/ que é bem Brasil..."
Foi acordada do seu enlevo, pela voz firme e suave de Mãe Candinha...Ô menina, pra onde você pensa que vai?
- Ôoo Vó... já esqueceu que hoje começa a festa de Nossa Senhora da Penha? Não quero perder a procissão do pau da bandeira...Quero devoção e festa, "Quando setembro vier"...Viver tudo que tenho direito: comer todas as "porcarias" que vendem na praça( filhóes,charuto, paçoca e baião...); me divertir nos brinquedos do parque... ver o mundo, sem entrar no avião!
E a reza, onde fica? Só quer saber de divertimento essa moça, gente! É namoradeira que faz gosto!
Depois do pito na cigana, Dona Cândida se voltou prá Ranulfo e fez uma pergunta que parecia estranha prá todos.
- E Batistina, tá com saúde?
Batis...tina?
meu deus!como é que a porra dessa velha sabe da existência de Batistina?
- Batistina tá bem agora. ela vinha tendo umas tonturas, caiu, quebrou a bacia. mas tá bem, e só perde a lucidez vez por outra. é quando ela diz que a coisa metade cavalo metade homem alado apareçe pra ela. mas com os remédios ela vai ficar boa se deus quiser.
- Batistina não precisa de remédios! e o ser que vai visitá-la é real. morador da pedra encantada da batateira.
Gargalhadas!!! A gente não presta.Sorri da desgraça dos outros.Mas, o que dá pra rir dá pra chorar..já dizia o poeta!
Os loucos riem juntos...Deusa e Ayloã correram pros fundos da casa,soltar o riso, antes que mijassem nas calças. O riso as vezes é frouxo...como o vento,como a boca,como o sentimento, como a água da bica, no quintal!
Ba..tis..tina! Em quais águas,a moça foi batizada?
Dona Cândida ficou atônita com a revelação de Ranulfo. Confundira Ranulfo com um dos bisnetos da sua amiga Batistina que não via fazia muito tempo. Séria, fitou o rapaz com seus olhos miúdos lacrimejantes:
- É, Batistina atrai o sofrimento pra si quando poderia dividir com os outros! Tem gente assim no mundo, sabia rapaz?
Tem gente que não divide a dor, mas divide o pão da alegria.Tem gente que, simplesmente não opera, nas fundamentais expressões do dia a dia...Fica perdida num mundo complexo e imaginário.É um elemento estranho,um ponto solitátio, no conjunto da realidade!Todo mundo vive esta experiência... um dia!
Mas tudo passa.Como passa o dia, a noite, e chega a madrugada...
A rua da "Saudade" adormece...O apito do guarda acorda gatos, que se enfeitiçam, nos telhados...E chega a hora da Aurora...Uma deusa de vestido rosa...
É dia de festa.Novena de Nossa Senhora...A banda toca;uma voz canta...Os sinos dobram...Agora o barulho é de fogos...e de passarinhos...
(para tomar conhecimento de como tudo começou, se faz necessária uma visita ao arquivo das semanas anteriores)
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Salatiel, este teu Luiz Carlos como todos após os idos dos anos 30 do século XX, se deveram ao Prestes. Mas hoje eu queria falar mesmo é do Salatiel. Este nome hebraico, que se pediu a deus, ao deus que num só conto, inscrevesse todo um povo, toda a teia de espaços, cheiros, gostos, gulas, encantos e desencantos. A contagem do tempo até o tempo não mais poder em tanta velhice. É isso aí. O Crato.
ResponderExcluirNoite silenciosa, mas cheia de olhares...Em muitas janelas...muitos olhares! Mas, quem viu duas luas? Pelo menos a mentira foi positiva...O mundo, olhando o céu!
ResponderExcluirDona Cândida deu uma viajada para o Piauí...Com certeza vai trazer de lá ,uma bagagem presumível: meia carga de rapadura, doce de buriti, doce de limão,pêta, e cajuína. E olha que não é pra revenda...Chega, e divide tudo com a vizinhança.Tem uns parentes por lá(a maioria já falecidos).E dessa vez, o motivo foi um babado forte...Que nos conte, por ocasião da sua volta!
Só deu pra Ayloã...Vai estrear, seu destino de cigana.Hoje é lua cheia.Randulfo pode até tardar...Mas vai chegar!
Mesa redonda, coberta com uma toalhinha de renda branca;vela de sétimo dia; incenso de mirra;água da fonte, num copo virgem...Agora é só esperar...Acender a vela, e abrir as cartas!
O sol já estava frio;a tarde, sempre morna;a lua hoje é cheia;o tempo as vezes corre!Os homens perguntam muito pouco...e dizem ainda menos! Nem sempre desejam saber, mas sempre apostam!Sua dor é invisível...a tristeza está nos olhos!
ResponderExcluir-O que deseja esclarecer, meu jovem?
-Prefiro ouvir, o que as cartas teem pra dizer...
Ayloã parece invocar Santa Sarah...Silenciosamente, embaralha as cartas, e pede a Randulfo pra cortá-las...
Tá na cara, o ceticismo de Randulfo...tá na cara porém, a sua curiosidade.
-Você não está querendo conhecer-se.Não está procurando nada.Não existe futuro, não existe ação.Está total em seu não-fazer.Deleita-se com seu próprio ser.Nesse contínuo vaivém, vejo augúrio de momentos favoráveis e desfavoráveis, atrações e repulsões alternando-se ritmicamente.
Sua história de amor acabou, e as possibilidades de reatá-la são mínimas.Parta pra outra, menino!
Socorro, o nome do personagem masculino é RANULFO (ORIGINALMENTE)! Você quer mudar para RANDULFO?
ResponderExcluirUm beijo,
-Ranulfo, o baralho está aberto...Você pode fazer cinco perguntas...
ResponderExcluirDepois de alguns minutos, sai Ranulfo encafifado...
ResponderExcluir-Como posso acreditar, em tantos absurdos?
Então, o filho que Rosinha está esperando é de um pinguço da Ponta da Serra?
Posso ganhar no Cariri da Sorte, na próxima semana?
Terei problemas sérios de saúde, se não parar de fumar?
Um amor do passado vai voltar,depois de dez anos de abandono, e pintado o sete,em Fortaleza?
Vou me tornar uma pessoa extremamente rica, depois dos sessenta anos...Em compensação, terei câncer de próstata, se não fizer prevenção?
Joquinha não vai pagar o que me deve, desde a semana santa;
Não devo viajar de moto, nem de avião...
Oxente, nunca vi tanta besteira junta.O diabo é quem acredita, em tanta premonição!
Deusa , depois de acompanhar Randulfo até a porta, e sem mais prosa, desapareceu, numa nêsga da sala.Foi lá que Ayloã a descobriu, pelos gritinhos...Culpa dos morcegos, que sobrevoavam o espaço.Com a luz,e a presença das mulheres, fugiram, intimidados!
ResponderExcluirO alvo era um velho baú...
Não tinha menos de 200 anos...Devia ter sido do tempo do império.Um dos antepassados de Dona Cândida, certamente, fôra um coronel abastado, dono de engenhos de cana.
ResponderExcluirMisteriosamente, nem foi preciso forçar a fechadura.Embora enferrujada, cedeu ao primeiro tato.Um cheiro esquisito , espalhou-se no ar.Os feixes de alfazema já tinham perdido a validade,e o baú estava completamente lotado de quinquilharias e/ou preciosidades...
Impulsivamente, as meninas mergulharam todas as mãos, pensamentos, olhares, naquele achado, por tantos, cobiçado!Não podiam perder tempo,em explorá-lo.Tinham que aproveitar a ausência da dona da casa...
Os objetos eram todos identificáveis...Um missal de madrepérola, terço de prata, pacote de cartas amarradas com fita de cetim azul, álbum de retratos, caderno de canções, livro de receitas, caixinha de música,um dedal de costureira...um picinez, um relógio de algibeira, um leque, uma caixinha de veludo vermelho( contendo um camafeu, dois brincos descasados... um de rubi, e um de pérola; dois dentinhos de leite, incrustados em figas de ouro;uma travessa de marfim,um crucifixo de prata e uma medalhinha de Nossa Senhora das Graças).Pacote de roupas, embrulhadas em papel de seda( já completamente amareladas). Esse, foi cuidadosamente desenrolado...Continha camisinhas de pagão, uma mantilha de renda, uma combinação de seda, uma grinalda, um vestido de noiva...
ResponderExcluirNo fundo do baú, recortes de jornais, documentos diversos,num envelope sépia.Soltos, outros objetos:um punhal, um realejo...
Parecia a caixa de Pandora, considerando as lagartas,baratas e lagartixas, em saltos olímpicos, abruptamente despertas...
Putz...Nem um mapa de botija? Nem uma latinha de charutos com patacas de ouro? Nem um tostão furado? Nem uma revista "Cruzeiro" pra gente matar a saudade do Amigo
ResponderExcluirda Onça?
Uma revista de ponto de cruz,uns exemplares de "Seleção" e "Cinelândia", romances antigos: A Casa do Rouxinol de M.Delly; O Herdeiro do Castelo, O Prisioneiro de Zenha , a Filha do Diretor do Circo,Os Três Mosqueteiros,Polyana...além de uns discos de cêra...Chico Alves, Gilberto Milfont,Aracy de Almeida, Carlos Galhardo,Mario Reis,Linda Batista,Piaf,Bing Crosby, Earl Grant,Green Miller,Doris Day e Yves Montand...
ResponderExcluirNa hora desse encontro...muito espirro!
De repente , gritos escandalosos e guturais!A velha carabina, na mão de Ayloã, dispara...
ResponderExcluirParecia um capítulo de novela...
ResponderExcluirDeusa,imóvel, caíra ferida e estatalada no chão...
Salatiel,
ResponderExcluirFavor desconsiderar o último comentário...E, em substituição:
Parecia cena de novela.A gente sempre acha irreal, a própria desgraça, principalmente, quando acidental!
Em poucos minutos, o local ficou talhado de gente: gente de casa, da rua( conhecidos e estranhos).E olha que nem acontecera nada de grave...fôra apenas um grande susto!
Filó trouxe alguns copos de água com açúcar...As meninas gaguejavam, em busca de explicações, que não a comprometessem, além do pecado da curiosidade...Os objetos espalhados no chão, começaram a ser recolhidos pela discreta Filó, enquanto as pessoas iam se afastando, e murmurando qualquer coisa...
Ayloã, calada e ainda trêmula, olha de soslaio( não é um meio-olhar...É olhar de gula!)outros objetos, restantes no fundo do baú: uma lata de cashmire bouquet, um frasco de chanel-número 5, agulhas de tricô e crochê, uma sombrinha, um pião, uma caneta Parker, duas alianças,e um diário,acompanhado de uma nota de falescimento:Sauska( 1951 a 2000).
ResponderExcluirDeusa, ainda não refeita do susto, balbucia...Meu Deus do céu!Sauska era a filha mais velha de mãe Candinha!
Entrega o diário pra Ayloã, que o agarra, e corre...
E aí, começa uma longa história!
Anti-penúltimo comentário: Fv corrigir:* ....que não as comprometessem..., ao invés de: que não a comprometessem.
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