segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Zabumbeiros Cariris - Reportagem no DN
Os Zabumbeiros Cariris:
totalmente produzido na região, primeiro disco do grupo registra composições há três anos na estrada
Antes ou depois do show, a terreirada é de lei. Quebrando a distância entre artista e platéia, os músicos caririenses descem do palco e transformam qualquer chão em terreiro. Pife, percussão e muita disposição, em uma homenagem às primeiras bandas cabaçais, que tocavam somente pífaro e zabumba e eram conhecidas, indistintamente, por zabumbeiros cariris.
Batizando o grupo em homenagem a essas bandinhas que tanto os influenciaram, sete músicos, em sua maioria de Juazeiro do Norte, deram à luz o grupo Zabumbeiros Cariris, que, em novembro próximo, festeja cinco anos de atividades e está lançando seu primeiro CD. Reunindo 15 músicas, entre composições de seus integrantes e de outros autores contemporâneos da região, o disco de estréia procura fotografar o som dos Zabumbeiros, tecido entre a tradição dos ritmos populares e a busca de novos elementos e sonoridades.
“O Zabumbeiros vem de uma ONG, de um projeto social no nosso bairro, São José, em Juazeiro, feito com crianças pequenas trabalhando com música. Eu coordenava, junto com Franco Barbosa, o Morada, Movimento Raízes do Cariri. Hoje a ONG acabou, mas o grupo ficou e foi se aperfeiçoando, definindo a proposta de pesquisar os grupos de raiz e conhecendo mais, acrescentando outras sonoridades”, conta Amélia Coelho, cantora e percussionista, acrescentando, sobre a origem da musicalidade inata ao grupo: “Quando começou era pau e corda. Pífanos, um violão e o resto percussão, que era o que todo mundo sabia tocar. Aí a gente foi aprimorando, veio rabeca, cavaquinho, viola, tudo que já tinha na musicalidade daqui, e a gente foi reunindo no trabalho, trazendo forte essa coisa da banda cabaçal, dos reisados, a realidade musical de onde a gente veio. Pra gente era simples fazer isso, porque já tava na gente. A gente vê isso na rua aqui em Juazeiro direto. É quatro romarias por ano e é sagrado a gente estar na rua, tocando no meio do povo, descendo as ruas, fazendo cordão”.
Essa intimidade com a vertente mais tradicional da cultura popular é analisada por Luciano Brayner, violonista, flautista e integrante do grupo há cerca de três anos, como uma característica que não se confunde com repetição ou imitação. “Zabumbeiros é muito chita, muito chão, muito terreiro. A gente é muito influenciado pela tradição, mas tem consciência também de que não é interessante que a gente copie a tradição, até porque ela tá aí, viva, incorporando caminhos, se transformando. A sonoridade que a gente produz já remete a essa tradição, e a gente deixa claro que a gente é inspirado por eles, mas a gente não é tradição mais”, delimita.
De formação acadêmica em música, Luciano ressalta que esse diálogo entre música e tradição sempre aconteceu no Brasil. “Nos últimos 15, 20 anos houve uma mudança, por vários fatores. A tecnologia barateando, a possibilidade de você fazer seu trabalho localmente, como esse disco, que foi todo feito no Cariri. Você não precisa se deslocar do seu quintal pra produzir o seu biscoitinho. Mas o cenário da MPB sempre foi beber na cultura popular, com o coco de roda do Recôncavo Baiano em Caetano e Gil, a congada de Minas em Milton Nascimento, com Edu Lobo, Tom Jobim, Chico Buarque. E antes, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri... Tanto eruditos quanto populares sempre foram beber nesses elementos da cultura popular”, relaciona, comparando: “Nos anos 60 eles faziam essa música com essa influência, e os mestres permaneciam desconhecidos, brincando na periferia. Hoje em dia há valorização desses mestres, uma certa visibilidade pra eles, embora ainda aquém do que se merece”.
Do palco ao disco
Colocando-se como “veteranos“ em um grupo formado ainda por Haarllem Resende (o zabumbeiro propriamente dito), Michel Leocaldino (violão, caixa e pandeiro), Evânio Soares (rabeca, pífano e viola), Flauberto Gomes (pandeiro, caixa e zabumba) e Fabiano Félix (percussão e efeitos), Amélia e Luciano afirmam que foi um desafio transpor para o disco a musicalidade dos Zabumbeiros, que acontece plenamente no palco. “Pra entender a banda realmente, tem que ver o show, que tem uma energia que mexe muito com as pessoas. De repente o cara se sente tocado e começa a girar, a agitar. Esse ritmo forte é muito latente nas pessoas, na gente, principalmente, que vem de uma coisa de muito tempo. Aqui ouviu uma zuadinha, um batuquezinho, a negada já ta se bulindo”, diz Amélia. Luciano concorda: ´Tem gente que fala que gosta mais do show que do disco. Tem a ver, porque a natureza do grupo, o disco não capta totalmente, assim como acontece com outros grupos que fazem essa música popular contemporânea, trabalhando com elementos de raiz. Valorizamos muito a interação nos shows, a relação com o público é fundamental, e talvez possa ser melhor transmitida futuramente nos próximos discos, ou em um DVD”, cogita.
Em compensação, Brayner destaca o aprendizado trazido durante a produção do disco e a possibilidade de incorporação de outros sons nesse trabalho. “Foi uma primeira experiência pra gente, porque o grupo inclusive é muito novo, tem uma meninada... A gente não tinha essa experiência de estúdio ainda. E procuramos utilizar alguns instrumentos que a gente não conta sempre, com convidados”, aponta, sobre o álbum que conta com participações de Genival do Cedro, Ermano Morais, João Neto, Carol Barros, Antônio Queiroz, Geraldo Júnior, Francisco Di Freitas e do ex-integrante Beto Lemos, multiinstrumentista e compositor, hoje no grupo Carroça de Mamulengo. “A gente tentou equilibrar, trazer alguns dados novos, com a presença dos convidados nos dando a chance de fazer algo diferente do que a gente faz no palco. Tivemos também a felicidade de trabalhar em casa, com Ibbertson (Nobre, pianista e arranjador), amigo nosso, vendo a melhor maneira de gravar cada coisa, os desafios da parte técnica”, credita.
Da tradição a novas canções
O repertório do disco, viabilizado com apoio da Universidade Regional do Cariri e da Fundação de Desenvolvimento Tecnológico do Cariri, é formado por canções que o grupo já trabalhava no palco há pelo menos três anos. “A gente abre com uma música inspirada na tradição e fecha realmente com uma música da tradição, com um novo arranjo nosso”, enfatiza Luciano, sobre, respectivamente, “Pecinha pra meu amor”, de Amélia e Beto Lemos, e “Amado Rei”, música tradicional do reisado de congo caririense.
Entre uma e outra, a diversidade dos Zabumbeiros salta aos ouvidos, com o instrumental forte da banda aplicado a criações de novos compositores caririenses. Geraldo Júnior, ex-integrante do grupo Dr. Raiz, assina “Num truvejo de vontade”, “Mistério Vento”, “Jangada aérea” e “Sina de tocador”. De outro jovem compositor, Ermano Morais, o grupo registra “Culé de mexe doce”, declamada pelo poeta, e “Pra agoar meu coração”. Já Luciano Brayner traz “Aurora” e “Casa de Badzé”, enquanto Amélia e Beto Lemos também apresentam “Santa cruz do deserto” e “Louro de foto”, com Beto presente ainda em “A pisada de Ana” e na parceria com Evânio Soares em “São José”.
A base rítmico-percussiva é, sem dúvida, o atrativo do grupo logo de cara, como se pode constatar facilmente pela receptividade do público nas apresentações de seus cocos, baiões, maracatus e músicas que trafegam por esses e outros gêneros. Uma audição mais atenta do disco revela, porém, outros aspectos, como a opção por camas harmônicas em que se sobressai o violão e por vezes a sanfona, o cuidado com os vocais em que se destaca o timbre natural de Amélia, a rabeca e a flauta valorizando as melodias. E, o mais importante, a qualidade da maior parte das canções, capazes de dar identidade ao disco, evitando o cansado “regional pelo regional”. Músicas que, mesmo com o pé fincado no chão de temas tão caros ao Cariri, guardam um lirismo capaz de ser compreendido - e apreciado - por um público maior.
Do Cariri a Fortaleza
Com o disco saindo do forno, o grupo tem planos de viajar para divulgar o novo trabalho, mas aponta dificuldades. “Aqui no Cariri a gente já tocou muito. Queremos muito ir em Fortaleza, mostrar que a gente é um grupo que tá saindo aqui do Cariri e chegando lá, pra gente também poder manter um vínculo. A gente aqui tão aberto, os braços desse tamanho pra receber o povo, mas pra chegar lá é uma dificuldade”, compara Amélia, citando que os próprios integrantes da banda cuidam de todas as tarefas relacionadas à produção.
Por sua vez, Luciano amplifica a questão, apontando a necessidade de uma ponte entre as cenas de Fortaleza e do Cariri, para um reforço da própria identidade da cultura cearense, aqui e fora do Estado. “Pernambuco fez isso de forma mais consistente e, se você observar no Brasil inteiro, cada lugar tem sua cena. O Cariri tá construindo a sua, e acho que o Ceará como um todo também. Mas há uma distância ainda muito grande entre o Cariri e Fortaleza, que não é de quilometragem. Essa distância precisa ser quebrada, pra fazer uma cena mais consistente. Pra isso é preciso apoio da mídia e do poder público. A gente percebe que houve esse apoio onde essa cena existe de modo mais consistente”. Que o som contagiante dos Zabumbeiros possa, então, ajudar nessa empreitada.
Serviço: Zabumbeiros Cariris.
Disco do grupo musical cearense. 15 faixas.
Lançamento independente.
Disponível mediante contato com o grupo, pelo e-mail zabumbeiros@yahoo.com.br ou pelo fone 88-9208-0847.
Além do site oficial da banda, www.zabumbeiroscariris.com.br, é possível ouvir 12 das 15 faixas do disco em www.palcomp3.com.br.
DALWTON MOURA
Repórter
É assim que se faz e se diferencia em arte no mundo atual. O POP como cultura de massa é uma realidade, mas o local em perspectiva universal iguala as pessoas no globo. O caminho da identidade que se opõe no ambiente da pós-modernidade em que tudo que é sólido, como antes, se desmancha no ar. E finalmente a dicotomia Cariri e Litoral Cearense. Além da raiz cultural que liga a região a Pernambuco, especialmente Recife, há uma política de Governo cearense que mais acelerou a dicotomia. Acontece que mesmo com os avanços de comunicações e estradas entre a capital e o Cariri, a rapidez com que a capital evoluiu, muito acima do interior, só ampliou a distância. O que intessa aí não é que houve evolução dos meios, pois de fato aconteceu,o problema é que a rápida evolução, em ritmo distinto, serve para aprofundar ainda mais as diferenças. Junte-se a isso, uma elite litorânea pós-moderna, autocentrada, querendo ganhar rios de dinheiro de qualquer modo, vendendo os terrenos para estrangeiros, apostando até no tráfico de droga e uma decandência geral e relativa da liderança do Cariri e de outras regiões. Por isso há duas semanas um post reclamava que um festival de música em Fortaleza não tinha espaço para o interior. Agora vem a premente necessidade dos valores do Cariri se expressarem e o melhor é que acontecesse naquilo que chamam de cultura Cearense. No estágio dos empresários de artes cearense eu não acredito, apenas com apoio do Estado e aí da Secretaria de Cultura das cidades do interior e a Estadual.
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