terça-feira, 25 de setembro de 2007

PÉTALAS DE PLÁSTICO NA ÂNFORA DA VIDA


O que aconteceu a Ifigênia era de alguma maneira previsível. Bonita, charmosa, pôs-se durante toda a juventude a escolher os pretendentes com critérios ultra-rigorosos. Queria-os uma mistura bem dosada de lindo-santo-ricaço-garanhão. Demorou tanto a descobrir que este deus grego não desce do Olimpo para terra que , quando cuidou, já era tarde demais : haviam-lhe murchado as flores sedutoras da juventude.Aí tentou, em vão, simplificar as qualidades esperadas do futuro esposo, mas os homens já fugiam dela como o cão do credo: primeiro porque a beleza antiga já esmaecera, depois todos já tinham por besta, por cu-doce . Chegou, por fim, aquela fase do último tiro da macaca e percebeu que a garrucha, enferrujada , bateria catolé. Seguiu então aquele ritual típico de perua: roupas extravagantes, decotes profundos, maquiagem carregada , adereços douradíssimos.Mal percebia que nada neste mundo mostrava-se capaz de substituir aquele frescor da adolescência, aquela beleza simples e fugaz do desabrochar inefável da rosa primaveril. Murchas as flores naturais, punha-se no jarro da vida aquelas pétalas de plástico: sem cheiro e de brilho fosco e pouco enganador.
Disparado o último cartucho da macaca, fora de algum alvo possível, Ifigênia deu-se conta do seu destino previsível : o caritó , a solidão de titia. Pensou ainda em adotar algum Gianechinni já que como professora não ganhava lá estas coisas, mas tinha, ao menos, recursos certos na conta a cada final de mês. Fez algumas tentativas inglórias de adoção, mas desistiu. A mão de obra pareceu-lhe muito grande : as delícias que por ventura ganhava na cama, não compensavam o trabalho de campear o marido adotivo em festinhas, em farras, em pegas, em outras camas de ficantes.
Mesmo assim , não desistiu. Soube dos milagres de Santo Antonio na arte casamenteira. Há dez anos , botou-se para Barbalha e, sabendo que pouco milagre não resolvia seu problema, usou de tudo. Abraçou-se por mais de meia hora com o santo & profano símbolo fálico. Tirou lascas do pau e, em chegando à casa, por mais de um mês tomou diariamente um chá feito das cascas. Não bastasse isto, ainda fez cataplasmas e banhos de assento com o infusório.Esperou por uns dois meses o milagre matrimonial e exasperou-se, pois nada de importante aconteceu.Por indicações de amigas do mesmo bloco, partiu, por fim, para a simpatia final e definitiva. Tomou uma imagem pequena de Santo Antonio e atou-a com cordões, de cabeça para baixo, no fundo de um copo d´água, às doze horas da noite. Fechou os olhos e disse, solenemente, em voz alta:

“ Amarrei meu Santo Antõin
Com seis cento mil demõin
E se num quiser se afogar
Tu só sai do pelourim
Se arranjar um maridim
Pra Ifigênia se casar ”

Desta vez, mediante seqüestro, Santo Antônio, aparentemente cedeu . Dois meses depois , como por encanto, apareceu um pretendente que preencheu as cláusulas já não tão exigentes de Ifigênia. Fidelis apresentou-se como um rapaz madurão, já aposentado como bancário e, sem mais delongas, levou nossa coroa ao altar. O santo casamenteiro foi liberado da sua tortura e pode respirar aliviado.

Fidelis viveu seis meses com Ifigênia uma lua de mel hollywoodiana. Não se apartavam, viajavam constantemente. Um belo dia, no entanto, o marido saiu para comprar uma carteira de cigarro e nunca mais deu notícia. Ifigênia exasperou-se, procurou por tudo quanto é canto: necrotério, hospital, polícia, TV, Internet. Que marca de cigarro mais difícil de encontrar, meu senhor ! Nunca mais teve notícia de Fidelis.Este ano, ainda desapontada, voltou à festa de Santo Antonio, entrou piedosamente na igreja e , no pé do altar encontrou, um bilhete que parecia até uma resposta do santo milagreiro à sua antiga simpatia:

“Levei o marido de vorta
Sua cara de moura torta
Pois já paguei o resgate
Se tu me prender de novo
Te dou um cabra sem ovo,
Um bêbo , um engraxate.

Um jogador de barai,
Que vive de quebra-gai
Ou um clodovi bem foló
De pircing e de brinquim
Que passa o dia interim
Vendo banda de forró ”


J. Flávio Vieira

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