Referências existem sobre o helesponto, como ao curso de Odisseu, mas o foco desta epopéia, melhor dizendo, é a pequena cidade brasileira de Crato. Não a portuguesa, a orgulhosa Portugal da União Européia, tão próxima das grandes auto-estradas pelas quais vão às suas praias os BMWs e Mercedes da Alemanha, Bélgica e Holanda. A pequena Crato do drama da periferia da civilização, afinal mestiça, certamente filha da Europa, do Mediterrâneo, mais que do Atlântico e portanto da Grécia.
Os homens, mitos são
Os mortais não são quietos como pedra, pois sonhos lhe invadem.
Mesmo ela, cristalina rigidez, vibra, como o homem, imóvel não é.
Humanos, a sacra narrativa de marcas ultrapassadas, pelos mitos agem;
inundam as margens convencionais, cada pergunta, uma resposta quer;
todo átimo gestual, perdido na profusão de tantos, uma explicação tem.
Se esforço houver, com os deuses e sem eles, com o raciocínio ou a fé;
cada ato um fato, toda face um caráter, ao que todo desejo símbolo é.
Os homens e deuses, mitos são, como em minaretes, evocam almoedem:
o ato de acelerado circular, o carro solar, estiolando o verdor quando vem;
os tempos idos, sem retorno; vida, em raio, matéria permanente da glória é.
Vastas visões do mundo
Como na ágora grega, agora, no centro do Crato, na Siqueira Campos,
entre bancos de marmorito, sob a copa de palmas, teatro da vida em atos,
o milagre do nascimento, resulta do termo grávido, o mito abre-se de fatos.
Drama de atores com visão própria do mundo, abre-se em vida e Tânatos.
Primeiro chega, como mágica, o mundo clássico de Gregos e Troianos;
em resposta, aponta, na cena, os racionais, intérpretes dos mundos amplos;
há uma constelação de deuses, olímpicos, atos caridosos, protetores mantos;
rebatem o hábito da razão, jugo implacável da mecatrônica, sem prantos;
após, entra o capitalista dos interesses móveis, que o arrasta aos trancos;
por último, rock, droga e cartão de crédito, o jovem, aleatório, feito dados.
Explicitam-se os personagens
O drama: corpo contorcido a dores, fio de sangue, prodomos do nascituro,
no cor da praça, uma mulher indigente, ao abandono em trabalho de parto,
mancha rubra infiltra-se no tecido das calças, ao que desnuda o muco farto,
como largas faixas encilhando, dores lombares intensas vêm por seu turno,
do assento escorrega ao rés do chão, com entranhas em ambiente soturno.
Chega-se até ela, um homem de fé, carregando o peso da própria imanência,
no lapso dos afazeres, um homem racional, chega-se sem a transcendência,
especulando, é o hábito, um homem capital, sutil como uma transparência,
elefante na loja de cristais, um jovem, busca algo, mas cai na permanência,
são os personagens da tragédia do circuito humano, marca da indolência.
Para um único fato, fartas interpretações
A alvorada em vida, contempladores, os homens apenas são manicurtos,
emerge aos atores uma roca a tecer destino, grande questão ao seu turno,
a questão é! Não basta a cena! Ao personagem a exegese! Veio do monturo?
Seria a prenhe fidalga? Porque tal abandono? Quem do seu ventre nasce?
Tanta pergunta, como ramos e galhos, nem pingo que na inteligência passe,
alegrai filhos caribocas, netos dos Cariris, ponham as idéias para que asse,
aos deuses vitoriosos e àqueles tombados, no altar, sacrifique-se, eu julgo,
quem importa as versões? Primaveras e verões, como estações ao mundo,
os homens, esferas, não são, globais também, beleza é ser quimbundo,
rejubilai povo da terra, genealogia cruzada de um mor de sangue junto.
Ao que vês, o que afinal farás?
E a questão é: uma mulher em fase de dilatação, ao sol da Praça Central,
em volta, um homem de fé, outro de razão, consultado o feito capital,
logo se aproxima um jovem, buscando entender a cena de certo fatal.
Do século a grande dúvida: seria a inteligência alienígena? Sem resposta.
Algures! Porque afinal? Se ao lado tanta ignorância da inteligência posta,
afinal mova-se ao ritmo do que teus olhos vêm, e nascer é aqui e agora.
Bem ali, sob a sombra das palmas, ao limiar do termo e começo, é natal.
Qual fé a engravidou? Que sêmen ao óvulo nidificou? Quem pagará afinal?
Três homens se nutrem dos próprios hábitos para repetir-se o ciclo de bosta;
vozes fogem ao foco afora, com teorias, na prática, ao mundo dão as costas.
Nem deuses, nem reprodutores, apenas fazer
O homem de fé, do milagre à frente sua, às contrações dos lisos músculos,
da luz iminente, que a mulher expulsa, vê a planície qual manada de búfalos,
ao homem de razão diz: de Deus vontade desdobrando galhos a caulículos;
ao homem, o arbítrio livre, vontades migratórias, febres, acasos e impulsos;
e Deus, magnânimo, aponta a senda dos passos seus à paz do repouso,
se Deus não houvera, a fé alimentar-se-ia apenas do tempo momentoso.
Responde o homem de razão: como qualquer, os maus, felizes também são,
desprezíveis, rivalizam com animais; entre os dois, não há diferenciação.
O homem capital, absorto, esquadrinha a cena, calcula a própria subtração,
O jovem, desejo súbito, como faz no impreciso, de fumaça enche o pulmão.
Cabe a pausa reflexiva, frente ao drama?
E os fatos implacáveis são, o curso do grão, na ampulheta, jamais cessará,
a contratura expulsatória o rumo mantém, ao que os homens também,
permanente no longo significado de suas idéias o homem de fé continuará:
Forma, apenas isso, seria se à massa não aderisse a alma que lhe convém,
ela, o logos entre deus e os homens, hermeneuta, a alma certo traduzirá.
Abre os braços em condescendência humílima, o homem de razão vai além:
entre os homens e os demais animais, mais igualdade entre tais refletirá,
continuidade de ambos, a cura, igual do médico, no veterinário contém,
a obra da vida, que da criação foi, o cotidiano é o ensaio que a modificará;
a criação age no mundo e o mundo na criação, o homem pesa em achém.
Ignora-se tudo, mesmo a brisa
A brisa, largo da praça, sopra a folha de jornal, ao que é aprisionada e lida,
haveria nas suas tabelas o pregão Nasdaq? Examina-a, divergente da vida,
o homem capital cala-se, nos olhos, que percutem o vazio ilógico do jogo.
Se há para quem tudo é fé, ou àquele racional, há os abrasados em fogo;
o capital não se cala ao drama, aposta, especula, lucra, qual avião-suicida,
troca acusações a fé e a razão, sob o olhar atento, especulador, do tadarida;
ao que se indigna, apontando o parto em dores, o homem razão com arrogo:
transformação, em profundas raízes, debulhando grão, luz ao mundo novo,
será tempo vindouro, muito além do milênio, incandescendo a lamparina,
luz em desvãos sombreados, polindo o cinabre dos metais, qual ambarina.
Milenarismo revolucionário
Escoimados de Deus, decantados ao demônio só, são as crenças milenares;
esperança vã, se à ordem eclesial não forem, serão farrapos feito militares,
horda desordeira, condução da insanidade, lixo que se junta aos milhares,
ao sacrário exclui, à palavra de Deus deturpa, rapina a fé feito ladravazes.
De súbito diz o homem de fé e aquele de razão libera as apícolas mordazes:
Nem os escombros resistem, a mínima parte do edifício, se reduzirá ao pó,
o castelo da fé inabalável, ao etéreo se diluirá, nem fica o peristilo rococó,
clérigos, adubos da nova esperança, serão, pacíficos, qual o cativo mocó,
valores episcopais, novos rebanhos distribuirão, revolução não é tema só,
como funil arrasta todas as águas, transpõe sobrenadantes, abranda o jiló.
Vem um deus clássico
Um grito risca arco sobre a praça, se desdobra sobre íris, sinal divino,
as vozes se calam, os pensamentos emudecem, é o ponto do adivinho.
Lancinantes as dores são, o ventre, botão desabrochando, desejo de flor,
espera-se a realização dos sinais e de fato um deus clássico juntou-se à dor:
o mundo subjetivo é a diversidade, ao contrário da objetividade uniforme;
celeste, por assim dizer, subjetivo, de criação infinita, da corte disforme.
A objetividade, mediana é , já a subjetividade é dispersão e oportunidade;
cada sujeito um universo próprio, uma versão dada, determinada cidade,
o céu da subjetividade é, sem o Deus mediador, o céu expositor, o liberal.
Recolhe-se a luz celestial, fica a dor bestial, ao lado os homens, em geral.
É pausa. É repetição
Levanta-se, efeito dos ventos rasteiros, poeira de bilhões de grãos de areia,
quem irá saber de cada, se depositando, esmerilado, como realiza a bateia?
Assim vemos o drama humano, grandes números, fluxo da banalidade;
o autor some, desfaz-se o sujeito, desejos irrealizados, podre mocidade.
Assembléia sem decidir, tomada sem rumo, ao deus dará, nada mais há!
Há! O barro sublimado que cerâmica fez-se, um vaso e um pé de manacá,
mas, por se falar em frutos, o que se dirá da criança que na praça nasce?
Ao olhar atento, mente ocupada, membros dispersos, letras em longa haste;
versos gongóricos, pensares alegóricos, a vida flui, apesar do londrino fog,
afinal todos, a não ser o drama desenvolto, personagem de Gog e Magog.
Apropriações
Sobe a cotação da nova economia, Celera Genomics, ciência empresária,
nem conquista ou avanço, saber é negócio, célere feito “La Passionária”.
A ciência da vida cresce o pregão, multiplica aplicações, é gestacionária,
mesmo evoluindo do elementar, a ciência é uso na sua fase relacionária,
é lastro para a inversão...eis o homem capital e a sentença reacionária.
O jovem, hambúrguer, vídeo game, coca-cola, nem o drama ou discurso,
ignora tudo, enoja-se do líquido gestacional, apascenta-se ao dado curso,
o drama: qual seu papel? Prateleira de mercado, mercadoria em concurso.
Pai provedor o tutela à vontade. Fosco olhar enfastiado: hibernação do urso.
Vontade imprecisa, desejo disperso; tudo quer, nada é; só rumo excurso.
A felicidade é química
Intensificam-se as contraturas, a cada intervalo menor, no centro da praça,
rés do chão, nível abaixo dos longos discursos, o parto continua sem graça,
uma anunciação, o deus máquina entre eles, do impreciso, talvez de Talassa:
houve tempo em que a felicidade era busca no mundo afora; cada qual,
com seu método de conquistá-la, outros com a sorte de encontrá-la igual;
segredos guardavam tantos da felicidade possuída, mas veio um viés tal,
que a busca externa nada resolve. Sinapses, neurotransmissores, cerebral;
felicidade é o metabolismo da serotonina, sofrer é afinidade de massa.
De volta ao satélite de Netuno, o Deus foi, abandonando o parto na praça,
os homens permaneceram como os anéis de Saturno, um sinal que marca.
Impulsos culturais e biológicos
O homem racional aponta a parturiente: não é, o fruto, produto cultural,
mesmo que se programe, postergue o filho, a mulher na libertação social,
sua escolha sexual não é suficiente, pois de dentro, inexorável força vital,
um filho surgirá para somar o mol dos humanos socialmente necessários.
Um grupo de mulheres, de filhos mais cedo e outras, tardios, ao contrário,
todas mais férteis, tocadas pelo relógio biológico que não pára arbitrário.
O jovem perplexo ouve e nada compreende, nem a mulher em erupção,
ou as palavras da razão, não sabe da fé, da riqueza, só o efeito da sedução.
Ameaçado pela razão, o homem de fé se agarra ao mistério sem solução.
Já o quarto personagem indiferente ao ato, espreita oportunidade capital.
Entre o prazer e a tortura
Vendo-a assim, deitada no chão, nas dores do parto, um sentimento revolve,
o espírito do homem racional: entre o úmido bacante e o seco franciscano,
despojado face a luxúria, vive o medo do pecado, o líder Cratense é pobre.
Sorve o gole de cachaça numa mão e na outra aplica o cilício mortificando,
sedutor, servil, covil de crueldade; ao líder, toda culpa que ao outro move,
jamais é sua. A ele o esplendor da anunciação em seguida vai parando,
as luzes, apagam, os telefones se calam, o consumo cessa, passa das nove.
Tanto cinismo assim indigna ao homem de fé: porque aos líderes acusas,
se embaixo de ti uma alma clama ajuda e nada mais fazes que detratar,
a ciência vitoriosa é, também, a maior catástrofe, a todos e a tudo abusa.
Entre a fé e a razão
Jamais se viu algo igual, uma luta de deuses às claras quanto à dos homens.
Fazia-se de subterfúgios, ameaçou o deus máquina: tudo se resume a tijolos
- elétrons, múons, tau - e forças: forte, eletromagnética, fraca e gravidade.
Reage furioso deus clássico: teu pecado e a preguiça que a todos reduzem.
A forma? Imitas as casas que te abrigam. Vontade é força, como bipolos.
Ser é artigo de lei, social dinheiro é, natureza uma máquina em atividade.
O homem racional se alegra do mundo que seus deuses a si conduzem,
já o de fé rejubilou-se da mecanização que a ciência reduz com dolos,
o homem capital registra os fatos, as idéias, na busca de sua contabilidade,
rompe-se a bolsa d’água, amiúdam-se as contrações, desponta o nenen.
A ira do deus clássico
O deus clássico continua o argumento: a razão não fez o mundo mais belo,
a ciência ampliou a ameaça do ambiente sobre todos. O que era melhora,
fez-se apenas servidão. Conhecimento? Fortaleceu o dominador da hora.
A cada descoberta ou nova invenção, mais um braço a esgoelar o elo,
que mantém a integridade do ser. O liberto que da ciência é certo,
integrou-se ao processo da exploração. A sujeição da natureza morta?
Apenas a troca de uma crença eclesial pela economia secular e agora,
em desespero como sempre fez, ao fluxo de caixas, tudo estratégico.
A natureza hostil é projétil, violência é o cântico apologético.
Como de costume, lançou um raio que fulminou metade das palmas.
Ao que se ira o deus máquina
O deus máquina, em luzes de néon, rebate a ira clássica: Manipulação!
Palavras em Cristo, Buda ou Maomé, relíquias falsas sobre palma da mão.
O combustível que tangeu massas famintas e desesperadas tal qual o cão,
danados nas rotas da peregrinação. A paz, cuja única e possível realização,
é a morte. A sorte, ceifada a lâminas negras que arrasam tudo feito tufão.
A vitória da razão foi a descoberta das Américas, longas rotas comerciais,
foi a máquina a vapor, o laboratório, a imprensa, pensamentos racionais.
Eis a civilização do hidrocarboneto, sobre a pólvora, o ferro e os metais.
Destruição, na ira sua, não, possuía a bomba, mas preferiu efeitos espectrais,
jatos de luzes, canhões holográficos, focos de laser, mor efeitos especiais.
Surpresos! Fala o jovem.
Indiferentes, o epicrânio do nascituro da vagina brotava, ficaram surpresos,
com as palavras pelo jovem ditas: falso é o mundo a quem estamos presos!
Nada é natural, tudo se produz pelas máquinas, que nos conduz coesos.
Mansos, tudo artificial é, a luz do dia, a temperatura ambiente. Tal coelhos,
em caixas de laboratórios experimentais, consumidores de produtos coevos.
E tu! – Aponta o homem capital – Condutor deverias ser! És conduzido.
Crises capitais, ciclo depressivo, concorrência. As cifras, por elas seduzido,
não tens caminhos nas estrelas, apenas o chorume poluído por ti produzido.
Diferente não és! – Acusador ao homem de fé – Eternizas o pó evanescente.
Nem tu! – Ao homem racional – Reduzido imanente, jamais transcendente.
Ao que os sábios respondem
Uma associação imediata, mais denunciava identidade que contraditório.
Os homens presentes, em série reagiram, primeiro a fé: E tu? O ilusório,
as malhas da ficção televisiva e cinematográfica, em efeito alucinatório?
Quem sóis? – Reage o de razão – Apenas sobejo do pai um dia revisório.
Quanto queres? – O homem capital – Dinheiro divide, mas é consistório.
Como em coro, os três continuam: informe-se, informatize-se, fale inglês,
negocie, despoje-se do passado, a globalização aceira os valores de vez.
A sobrevivência, é ocupar canto entre melhores, os demais são apenas rês,
se prestam para alimentar as trocas dos talentos que a tecnologia fez.
Chão da praça, líquido amniótico derramado, finda-se o parto em higidez.
Segue a vida
Os deuses vitoriosos e os vencidos, os homens e o jovem, cada um em si,
pelas vias entremeadas de bancos e jardins, separam-se, hora é de partir.
Carregam consigo as malhas que os contém, as travas que os sustenta, eu vi.
A fase de decedura, antecâmara do puerpério, quando expulsa foi a placenta.
A mulher separando o recolho, esgotada, beija a cria, como à flor o colibri.
Segura nos braços a criatura, como oferta ao seio fizesse, ao quadril assenta,
não importa o corpo que nascera, sabe quem viera, as pernas mal a sustenta.
Solitária, entre palmas, imersa na brisa farta, trôpega, lentamente se ausenta.
Consigo, no colo de afago, leva um certo projeto, ou tentação de anfiguri,
talvez, nem suspeitas hão, para o manancial que a tudo arrastará feito bariri.
Amigos do Cariricult: aceito o reparo ao exagero da postagem, mas num ímpeto foi o que imaginei para a grande labuta que faz Socorro neste blog.
ResponderExcluirSem comentários!
ResponderExcluirA beleza desses poemas transcende qualquer coisa que se possa comentar.
Então,
ponto e pronto!
Dihelson Mendonça
Fico muda, e nem sou Buda.Búdica é a beleza do texto, que ilumina o meu momento.Sinto a quentura da lágrima.Muito mais compreensível do que todo esse calor tropical, que assola os nossos pequizeiros, que explode a carne, que deseja ser viva...
ResponderExcluirNão foi longo... É pra ser lido e relido, repetidas vezes.É uma bíblia temporária, e talvez definitiva!
Vou colher dos meus olhos estas águas, e molhar a flor da admiração que nutro por ti!
Não li todo ainda, mas adorei
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