segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sobre labirintos e portas




É possível tatear no escuro à procura de uma saída, mesmo que as portas pareçam fechadas. O texto não é de Paulo Coelho nem de nenhum outro guru da auto-ajuda, dos que freqüentam a lista dos dez mais vendidos da Veja.
Não é difícil reconhecer que o escuro existe, basta ligar a televisão ou o rádio, ler os jornais ou ir ao cinema. Ou olhar pela janela do carro. Você nem precisa freqüentar como paciente a emergência de um hospital público ou uma delegacia de polícia. Não vá tão longe.

As trevas sempre existiram e Plínio, O Velho, até escreveu que encarar a luz é para os mortais a coisa mais aprazível e o que está sob a terra é nada. O que jaz escondido pertence ao mundo da ignorância. Quando desejamos conhecer algo, trazemos para a luz. A luz da ciência, a luz do conhecimento, a luz da razão.

Isso não é Paulo Coelho, insisto, mas prefiro a luz do conhecimento, que não é necessariamente a luz da razão. O logos, este saber dos gregos que no ocidente chamou-se ciência, e que explica o que a mitologia deixou de explicar, não preenche todo o saber. Permanece o espaço da não razão, que não é necessariamente treva.

A ciência não nos colocou no lugar mais calmo e justo, isso já sabemos. O medo de que algo inevitável está para acontecer atormenta nosso sono. Do mesmo jeito que atormentava o dos povos antigos, ao pressentirem o exército inimigo sitiando suas muralhas. Qual a diferença entre as bolas de fogo arremessadas das máquinas de guerra medievais e o fogo de uma bomba atômica? A morte está no fim de tudo, não importa a intensidade da explosão.

No filme "Sonhos", do japonês Akira Kurosawa, alguns soldados se perdem na tempestade de neve quando procuram o forte. Amarram-se uns aos outros para não se extraviarem. Cuidam em não dormir. Mas a fadiga e o sono são irresistíveis. O comandante deita e sonha com a morte. Ela vem buscá-lo, sedutora e bela. Ele acorda e grita por seus homens. Tateiam há dias, dão voltas sem nunca acharem o fortim que os acolherá e salvará suas vidas. Por fim, escutam um toque de corneta bem próximo. Sempre estiveram perto da salvação, mas no escuro não divisavam nada.

Nunca existirá uma porta, afirma Jorge Luis Borges ao escrever sobre labirintos. Pior que afirmar não existirem portas é dizer que estamos sós. Talvez. Ligados numa rede de comunicação; fios de Ariadne que não nos colocam em contato verdadeiro com ninguém. Dura metáfora. Duros muros de pedra.





Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.


Fale com Ronaldo Correia de Brito: ronaldo_correia@terra.com.br

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