terça-feira, 16 de outubro de 2007
A ÁRVORE E A BRISA DO NORTE
Nos últimos dias o Cariri se viu assombrado por um terrível espectro: a morte prematura de muitos jovens, assaltados pela fatalidade nas encruzilhadas do destino. Imaginem uma roseira que na primeira florada, mal brotam-lhe os primeiros botões, se vê, de repente, arrancada da terra por uma áspera lufada de vento. Pelo chão espalham-se atônitas : raízes sôfregas pela seiva agora inalcançável; as folhas murchas e estilhaçadas em busca de seus galhos e os botões saudosos das pétalas futuras que nunca mais desabrocharão. As árvores, ao derredor, pasmas, sequer conseguem compreender as razões do crime perpetrado: o futuro mergulhado na areia movediça do acaso e do imponderável. As flores futuras não mais untarão de polens as asas das abelhas e o bico dos beija-flores. Das sementes vindouras não mais irromperão brotos de vida. E faltará ao mundo o brilho encantador e inefável das cores das rosas que feneceram antes mesmo de germinar. Os galhos agora ressequidos já não frutificarão, a vida foi cindida na sua totalidade: embrião, cotilédones, fruto. Como arrancar dos mistérios da floresta uma explicação para a tragédia ?
Os duendes das matas nos sussuram oníricas visões sobre a catástrofe. Vejam que a arvorezinha, tolhida em plena primavera, não sofrerá os rigores do inverno vindouro. Não padecerá, também, no verão que já se prenuncia com seus fulgores e suas intempéries. No outono já não se sentirá desnuda, com todas as folhas caídas em volta, à espera das roupas novas que a próxima primavera lhe deveria trazer como presente. Não lhe foi dado tempo, também, para constatar a voracidade dos animais e o jogo duro de poder que flui dos embates diários da cadeia alimentar. O acaso eximiu-a, também, da decrepitude que lhe traria os anos, quando todas suas seivas secariam e passaria a ser apenas um espectro, com os galhos retorcidos e sem folhas. A arvorezinha teve aos olhos apenas a visão da fase mais florida e encantada da vida e levou consigo a única lembrança que lhe tocou a percepção : um mundo repleto com o verde das matas, o cantar relaxante do regato, o gorjeio de sedução do sabiá no tronco da baraúna.
Toda a flora continua atônita , no entanto, com o brusco e terrível corte da cimitarra do destino. Lembremos porém da árvore que fascinou e encheu de cor a floresta e a sua simples existência , sua brevíssima presença entre nós, tem que ser celebrada como um milagre da vida. Sem aquela arvorezinha que tão prematuramente se viu tolhida pela brisa do norte , o mundo não seria o mesmo, a floresta não teria as mesmas nuances e todos que se acalentaram com sua seiva e seu vigor teriam, hoje, a visão de um mundo mais cinza e menos florido. De alguma maneira a arvorezinha rebrotou no coração de todos aqueles que a viram um dia. Vive em todos nós, nos inunda com suas sementes, nos perfuma com suas flores e seus frutos haveremos de colher todos os dias, opimos e deliciosos, porque nos chegam imersos em finas de gotículas de vida e de eternidade.
Comovente e lindo!
ResponderExcluirEm se tratando de um homem das Ciências, me espanta o tom espiritual, que ele imprime!