Se entrega, Corisco

Nas crises políticas sobram motivos de inspiração para poetas e humoristas. Mesmo que nada se resolva, o que é habitual, e a justiça não prevaleça, restam as crônicas da nossa vergonha. Que registro ficará na história do Brasil sobre Renan Calheiros, o senador que se agarra com unhas e dentes à cadeira de presidente do Senado?
O poeta paraibano Astier Basílio escreveu e enviou-me um poema, que publico nessa coluna. Ele tomou emprestado o famoso mote Se entrega, Corisco, do filme de Glauber Rocha, "Deus e o Diabo na Terra do Sol". No filme e na vida real, o bandido Corisco não se entregou, virando herói para os que romantizam o cangaço.

Repetindo o grito de Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros, o poeta paraibano brada para que o outro também se entregue. Que vidente será capaz de prever o final dessa peleja?

Se entrega, Corisco

Brasília, caatinga,
de espinhos e curvas,
um cerco respira
por todas as ruas.
Que revólver ou faca,
ou secretas armas
defendem o bandido?
A justiça, a cega,
toca em sua cadeira:
se entrega, Corisco!

Ao invés de estrelas
o chapéu tem crimes.
A arena é secreta
de onde escapou, livre,
contra tudo e todos
sobretudo o povo,
gado bravo, arisco,
que marcado berra:
Sai dessa cadeira,
se entrega, Corisco!

Se esconda outras vezes,
não há mais repouso
mais forte os poderes
que emanam de todos.
Vêm do sul e norte
Antônios das Mortes
não mudam o disco,
batem a mesma tecla
a toada é essa:
Se entrega, Corisco!

Sertão com andares,
concreto, esplanada,
invisíveis cartazes
surda passeata
fecham o seu corpo
de espírito de porco.
Um Planalto limpo
surgirá das cinzas
da sua saída.
Se entrega, Corisco!




Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.