quinta-feira, 15 de novembro de 2007

BLOW UP


Nosso melhor best-seller

Flávio Tiné (*)



Dei uma olhada na relação dos 10 mais vendidos na semana que passou – livros, cd e dvd's. Fiquei decepcionado com minha ignorância. A classificação dos livros se subdivide em ficção, não-ficção e auto-ajuda. Olhei bem a lista e constatei que não li nenhum deles. Já no caso dos discos e dvd's é mais fácil: quem não viu ou ouviu Ivete Sangalo ou Sandy e Júnior na televisão, nos bares ou restaurantes de qualquer cidade? A gente ouve e vê nem que não queira. Mas não me perguntem um só dos seus sucessos.

O caso dos livros é mais grave. Caso o leitor não saiba, sou jornalista, com passagem pelos principais jornais e editoras do país desde 1962, e já tomei a liberdade de cometer alguns sonetos e escrever dois ou três livrinhos de crônicas. Minha maior façanha foi vender 60 livros ("Pois não, doutor!") numa manhã, e outro tanto logo em seguida numa noite de autógrafos. Dos mil exemplares feitos pelo meu editor, Ryoki Inoue, ainda restam alguns por aí, devidamente encalhados.

A gravidade da constatação é que um jornalista, com pretensões de virar escritor, não deveria desconhecer os grandes sucessos literários, mesmo que os mais vendidos não sejam necessariamente os mais acurados. É estranho notar que Paulo Coelho esteja temporariamente fora da lista dos dez mais vendidos. Cheguei a ler um ou outro livro dele, compreendendo o sucesso que faz no mundo inteiro, com mensagens de auto-ajuda disfarçadas de orações de eficácia globalizada. Seu sucesso é algo dogmatizado.

Por outro lado, não adianta esnobar como os pouco afeitos à cultura, desqualificando todo e qualquer sucesso de público. Tenhamos a humildade de reconhecer que algum mérito devem ter esses livros, discos e dvd's. Se não forem verossímeis, são cruéis ou facilmente digeríveis. Se não tiverem profundidade, podem ter a clareza das águas das nascentes.

Há alguns anos tentei entrar nessa maratona. Escrevi um livro sobre a arte de viver só. Aproveitei toda minha experiência de quase eremita – como se isso fosse possível numa cidade como São Paulo – e rascunhei um livro sobre como viver bem, sem precisar de ninguém. Uma espécie de apologia de morar só, em que tentava provar que morar só não significa necessariamente viver só.

Algo simples, que poderia ser um best-seller. Consultei algumas editoras, inclusive a Gente, que edita os livros de Roberto Shinyashiki. Extrema burrice, já que ele prega exatamente o contrário, ou seja, que ninguém faz sucesso sem ajuda de outrem. Em seus livros ele prega a importância da colaboração entre as pessoas, o uso do plural "nós" como condição para o sucesso. Eu não poderia, lógico, propor a publicação de um livro em que tento provar que morar só não é um santo remédio, mas em certas circunstâncias, é uma boa alternativa, mesmo se insistisse na tese de que morar só não é viver só, dando os diversos exemplos a respeito.

Uma amiga me confidencia que seu maior sonho é passar um feriadão trancada, vendo filmes e mais filmes em dvd's. Gostaria de passar uns dias lendo os 10 livros mais vendidos para saber qual seria o resultado dessas leituras.

Mas, na prática, a gente tem muitas outras coisas a fazer, inclusive levar netos na escola, que não exige nenhum talento. Em compensação, é como folhear a própria vida, criando páginas inesquecíveis de nosso próprio livro – nosso melhor best-seller.

(*) Jornalista. E mail: tine@estadao.com.br

Um comentário:

  1. Que bom ver o CD 4 do Los Hermanos na lista dos mais vendidos. Realmente é um dos melhores trabalho da banda, que foi instinta esse ano, para a tristeza dos fãs. O alento é que o vocalista, Marcelo Camelo, lançará em breve um CD de samba. É aguardar...

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