quinta-feira, 15 de novembro de 2007
A escolha entre envelhecer ou virar morto vivo
Pedi a meu filho mais novo que entregasse uns documentos ao gerente do banco onde possuo conta. Quando perguntei se ele entregara a encomenda, respondeu que sim e acrescentou o comentário de que o gerente era um velho. Por acaso sei que tem 52 anos, é cinco anos mais novo do que eu, o que me torna um ancião aos olhos de meu filho.
Percebi a passagem do tempo no modo como as pessoas mais jovens me tratam. Meu nome vem precedido do respeitoso senhor e outras vezes do abominável tio, essa invenção das escolas americanas que se alastrou no Brasil feito praga. As sociedades antigas possuíam ritos de passagem para todas as idades e envelhecer era um percurso natural. Ninguém tentava escamotear o tempo.
Inventaram um eufemismo para as pessoas que ultrapassam os 60 anos: terceira idade. Não quero entrar na terceira idade, prefiro envelhecer de verdade, ser um velho. Também não vou fingir uma vitalidade que já não possuirei, me exibindo em festinhas e joguinhos da terceira idade, como se fosse um macaquinho de circo. Esqueci que os animais estão proibidos nos circos. Também deviam proibir que os velhos fossem submetidos ao ridículo de parecerem jovens.
As pessoas buscam a juventude perene através da reposição de hormônios, da ingesta de dezenas de vitaminas e sais minerais, de botox, silicone, implante de cabelos e cirurgias plásticas. Vendo a novela das oito você constatará o resultado desse esforço: um desfile de rostos teratológicos, sem expressão e sem mímica, deformados pela repetida ação do clostridium tetânico e do bisturi dos cirurgiões.
Os egípcios se mumificavam acreditando que levariam o corpo para uma outra vida no além. Muitos se transformam em múmias nessa vida mesmo, tentando garantir a beleza. Nada contra os cuidados com o corpo. A ginástica, uma alimentação saudável, a mente bem exercitada, o convívio com amigos e familiares queridos, ter uma ocupação e um bom projeto de vida são essenciais para envelhecer com saúde. E cuidar da aparência é prova de que se está bem. Mas que estão exagerando na receita, não resta dúvida. Millôr Fernandes escreveu que não existe coisa mais ridícula do que uma índia velha do Xingu num vestido ou uma senhora de mais de oitenta anos fazendo topless em Ipanema.
Sei que os meus leitores vão me execrar. Mas esse culto exagerado à beleza e à juventude é uma expressão do medo de morrer, uma resposta à ansiedade, pânico e à depressão do século XXI. Tentamos nos eternizar aqui e agora, trocando ombros, joelhos, peitos, bundas, cabelos, pele. E quando alguém já parece no fim, no ponto em que o mais digno e justo seria morrer, é arrastado para dentro de uma terapia intensiva onde teimam em mantê-lo vivo, se é que bater o coração e respirar significa estar vivo.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.
Muito providencial o texto. Acrescento outro termo para a velhice: melhor idade. É pq os mais velhos acham pejorativo a denominação 'terceira idade'. A mídia também é muito responsável por não nos deixar envelhecer em paz e vão denominando as etapas da vida. Uma tristeza ! Ainda temos o privilégio de sermos considerados jovens até certa idade, nos dias de hoje. Antigamente uma mulher de 40 anos era literalmente uma anciã
ResponderExcluirEsqueci de acrescentar que os avanços e esclarecimentos da medicina, nos faz ter uma velhice com dignidade e saúde, sem ter necessariamente, que usarmos botox restillene e outras parafernálias estética e também lembrei de um comentário da Danusa Leão em que a mesma fala que jamais quer envelhecer com dignidade. Quer mais é tomar um porrezinho de vez em quando e fumar também um belo cigarrinho.
ResponderExcluir