sexta-feira, 2 de novembro de 2007

FINADOS...




Hoje, Finados... Dia de reverenciar nossos muitos mortos – não só os antepassados, mas os muitos mortos que existem em cada um de nós e que foram tombando, ao longo da vida, nos jardins das emoções, nas ante-salas das ilusões, nos vestíbulos dos desenganos... Mortos que se foram sepultando nos nossos cemitérios interiores, no passar dos momentos, no embrutecimento paulatino que nos vai causando a vida, na perda da sensibilidade e da beleza do simples... Por isso hoje, é, em verdade, o dia de todos nós, o dia desta pessoa avessa, estranha, alheia à verdadeira beleza íntima das coisas, desta árvore que o tempo aos poucos foi dilacerando o miolo e engrossando a casca, deste bicho que perdeu a capacidade de sentir e de chorar, deste robô em que o cotidiano nos transformou.
A morte inicia-se no nascimento, no primeiro vagido do bebê ao contemplar a luz e, a partir daí, é um não parar de morrer, um pouco a cada instante, um tanto a cada hora e o tic-tac do relógio é como se fora o destino a mastigar e deglutir a nossa vida... Quando, um belo dia, a indesejada das gentes - como a denominava Bandeira – bate à nossa porta, vem, pobre dela, carregar um corpo já sugado de emoções, vazio de vida, oco de sensações... Um corpo inerte, no máximo preenchido de uma substância amorfa que os Homens convencionaram chamar de amor...
Assim, hoje, piedosamente, acende uma vela para a Felicidade que um dia certamente existiu em ti, sem que tu nunca a conhecesses por esse nome e que foi pouco a pouco ficando nas margens do caminho... Ora pelo amor que um dia já te invadiu a alma, sem te pedir licença, sem se autodenominar amor, sem convenções, com credo e religião próprios e que se foi dilacerando aos poucos, quando os Homens resolveram por pôr-lhe limites, por estabelecer-lhe fronteiras, por dar-lhe ética, moral e definições...Reza pelo cadáver da sensibilidade que um dia teve tanta vida em ti, que te deu rumo aos passos e que te dava olhos para ver o mundo e as pessoas sob um ângulo mais verdadeiro, esta que foi morrendo aos poucos nos embates do dia-a-dia, na competitividade que a sociedade criou e que viste sepultada no dia em que te faltaram lágrimas nos olhos ao ver uma criança faminta... Leva uma flor ao túmulo do Menino que um dia habitou em ti, aquele para quem a vida era uma dádiva, para quem ser feliz estava apenas no abrir os olhos e sentir; o Menino que tinha medo do papa-figo, do bicho-papão e que os sentia próximos na vida-morte que já desabrochava...
Finados... Hoje, também é teu Dia, reza por ti...






J. Flávio Vieira

2 comentários:

  1. Teus textos são terapêuticos.É medicina preventiva...É analista , no divà da nossa casa...É assim teu livro: terapia do riso, e da sabedoria!

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  2. Obrigado Socorro, pela generosidade. Que Deus te mantenha assim pelna de balas (carameladas) e de bolos.

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