quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

E AINDA TEM GENTE QUE ACREDITA NESTAS IDÉIAS


Dois filmes que abordaram o Estado Comunista da Alemanha Oriental fizeram sucesso nos últimos anos nos cinemas brasileiros: "Adeus Lênin" de Wolfgang Becker (2003) e agora "A vida dos outros" – Das Leben der Anderen de Florian Henckel Von Donnersmarck (2006). Ao se tratarem de narrativas que fogem aos padrões estético do massivo cinema americano estes filmes já agradam. Agradam ainda mais pelo nível de denúncia e crítica que fazem do regime socialista da Alemanha Oriental. As classes médias das grandes cidades, aquela que freqüenta os cinemas dos shoppings center, sai taciturna ou eufórica com o desvendamento de um regime que ela, ideologicamente, tanto abomina.

O "Adeus Lênin" é um filme tragicômico, se limita a observar o inevitável da história que foi o fim do regime socialista e a queda do muro de Berlim. No filme os personagens principais vivem a fantasia de uma suposta evolução do regime socialista, com os alemães ocidentais fugindo em massa para oriente, a manutenção do sistema de consumo e das engabelações da propaganda oficial do regime. Ao final a fantasia cai e aquele esforço se mostrou desnecessário, pois a mãe que saíra do ar por um acidente neurológico e que retornara para viver a fantasia preparada pelo filho, nem gostava do regime, embora fosse uma dos seus mitos de propaganda. O regime da Alemanha Oriental já era, às vésperas da queda do muro de Berlim, desprovido de conteúdo, era uma casca continental vazia e dependente da URSS.

Sobre a "A vida dos outros" a narrativa é mais engajada em explicações. As críticas ao regime são mais profundas e o diretor não se limita a observar os fenômenos, os interpreta e conclui a narrativa. As primeiras cenas do filme nos remetem, imediatamente, para a estética do sangue e do sofrimento que tanto os americanos exploram, simplificam e no final nos deixam no meio de um deserto de idéias e contemplações. O cinema americano ao final só nos deixa com as carnes trêmulas, funcionam como um brinquedo de algum parque da Disneyworld, pura emoção. Para quê? Para nada. Mas voltando ao "vida dos outros", foi justamente ao final da sessão que ouvi de um jovem morador da Barra da Tijuca: e ainda tem gente que acredita nestas idéias.

Olhei para trás, ele abraçado á namorada, reflexivo, concluía que o filme era uma brutal denúncia das idéias socialistas. Tive vontade de dialogar com ele. Era um jovem, nascera ou pelo menos crescera no triunfo do neoliberalismo, da queda do muro de Berlim, da idéia que a liberdade era consumir, ter ar condicionado, vidro blindado e viver o agito da vida urbana com boa grana. Como sabemos, na Barra da Tijuca (e em muitas cidades brasileiras), criou-se uma espécie de jovem mimado. Vivem às custas das famílias, pouco estudam, nada lêem, reflexão nenhuma, mas gostam de dar porrada em pessoas frágeis e andam em bando para se tornarem potência de destruição. São os chamados Pitboys, uma associação entre a violenta raça de cães Pitbull e a palavra inglesa para rapaz.

Aliás, foi preconceito. O rapaz até poderia ser universitário, estudioso e dedicado a uma profissão técnica de sucesso. Um "especialista" em alguma coisa. Mas isso no mundo atual é quase o mesmo que o anterior. O denominador comum é a restrição, a pouca disposição para pensar, refletir e a falta de conhecimento e cultura para raciocinar com a complexidade da vida em geral e desta civilização em particular. A verdade: o menos abordado no filme, "A vida dos outros", é a condenação das idéias socialistas. Ele critica os desvio do regime, as causas do seu desvio e como a burocracia, o oportunismo desprovido de crítica e objetivos coletivos, permeava o regime da Alemanha Oriental próximo de sua queda. O filme critica os "especialistas" da Stasi (a polícia do regime) que não têm consciência do socialismo, até brincam com os símbolos do regime, dominaram o aparelho repressivo e passaram a perseguir os próprios socialistas.

No final o regime da Alemanha Oriental não era diferente (a não ser pelo padrão que diferenciam os povos e suas culturas) de qualquer regime autoritário de direita naquela altura. As pessoas conscientes, que tinham por referência a vida e o amor pelo outros, tinham a verdade de se viver em sociedade é que foram perseguidos. No desfecho da narrativa, o personagem objeto da investigação policial escreve um Livro com o título "Uma sonata para um homem bom" e este homem bom é o funcionário da Stasi destacado para vigiá-lo.

O jovem de quem ouvi o comentário na saída da sala de cinema, não entendeu nada e fiquei muito preocupado com nível em que a juventude se encontra. Não tem capacidade sequer para entender uma narrativa cinematográfica. Mas talvez eu esteja enganado, existe um tipo de gente que aprende ideologia para se dogmatizar, para deixar de pensar, mesmo que contradições surjam no seu mundo de pensamento. E o que o filme tratou de gente consciente da realidade, gente que olha para a realidade, até sofre por ela e por causa dela, mas tem clara capacidade de analisá-la e não se afastar do amor, o princípio em que se assenta a civilização.

A atual chanceler da Alemanha unificada fez discurso recente em que chama a atenção para os altos ganhos dos executivos do país. Qualifica o momento alemão como um momento de brazilianização, altíssimos salários num mar de baixa renda. Usando esta referência, talvez se possam explicar os resultados encontrados por uma pesquisa feita com mil pessoas que nasceram e se criaram nas duas Alemanha e publicada pela revista alemã Der Spiegel. O resultado surpreendeu a revista que comemorava a data da queda do muro de Berlim. O resultado é que mesmo depois de 18 anos do fim do regime, 92% dos germânicos de 35 a 50 anos que se criaram na Alemanha oriental preferiam o regime comunista ao capitalista. Por outro lado 60% dos jovens 14 a 24 anos que moram no leste, lamentam que nada tenha restado do comunismo em sua pátria.

Enfim, o capitalismo continua a todo vapor com suas contradições e é a ele que as críticas se voltam.

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