sábado, 26 de janeiro de 2008

Enquanto a bandeira imperial tremulava ao sabor dos nossos ventos...


Castro Alves

I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... ..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, — Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir.. . O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu ... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!

4 comentários:

  1. Caríssimo Salatiel,

    Que bonita e significativa a poesia de Castro Alves. É sempre bom relê-la. Certamente ela estimulou a luta de Dom Pedro II e da Princesa Isabel para varrer da nossa pátria a praga da escravidão.
    Peço sua paciência para as informações abaixo:
    1)De Dom Pedro II e da Princesa Isabel partiram todas as iniciativas que visavam extinguir a praga da escravidão negra no Brasil. Utilizaram para isso o prestígio, respeito e confiança que desfrutavam junto à sociedade, influenciado o Parlamento nesse objetivo, através da apresentação das Leis “Euzébio de Queiroz” (1850); ”Nabuco de Araújo (1854); “Lei do Ventre Livre” (1871); “Lei dos Sexagenários” (1885) culminando com a “Lei Áurea” de 13 de maio de 1888;
    2) Uma das primeiras preocupações do historiador deve ser a análise do fato histórico a partir da mentalidade da população ao tempo que esse fato ocorreu. É fácil, cômodo lançarmos libelos contra figuras da nossa história quando se julga acontecimentos de 120 anos atrás, pela ótica de hoje, do século XXI. Uma análise serena requer um recuo ao “modus vivendi” da época em que o fato ocorreu. A servidão da raça negra é um desses exemplos;
    3) A escravidão ocorreu em quase todo o mundo. Teve início no século XVI por necessidade de mão-de obra para as lavouras das terras descobertas. Cuba só aboliu a escravidão depois do Brasil. E o último país a acabar com a escravidão foi a Árabia Saudita. Sabe quando? Em 1960,quando estávamos iniciando a nossa adolescência;
    4) Os historiadores honestos reconhecem: quem mais combateu a mancha da escravidão negra no Brasil foi a Família Imperial, que não possuía escravos para dar o bom exemplo à sociedade. É pertinente a pergunta: e por que ela – a Família Imperial – não acabou com essa escravidão? Não estava ao seu alcance faze-la.
    4) Diferente de hoje – quando o presidente-operário Lula da Silva dispõe do dispositivo quase ditatorial das “medidas provisórias” – o Brasil Império era uma democracia e o Parlamento tinha uma maioria escravocrata, favorável à manutenção da escravidão e contrária às iniciativas de Dom Pedro II e da Princesa Isabel. Fortes razões econômicas motivava, deputados e senadores do Império a manterem o status quo. O Poder Legislativo era tão forte e respeitado que, anos depois – em 1910 – o republicano Rui Barbosa afirmou: “Na Monarquia, o Parlamento era uma escola de estadistas. Na República converteu-se numa praça de negócios”. Isso foi dito em 1910, não foi agora nestes tempos corruptos do “Mensalão”...
    6) No 2º Reinado vivíamos num Estado de Direito Democrático. A imprensa era livre. Os Partidos Liberal e Conservador se revezavam no poder. Circulava até um jornal republicano pregando a queda da Monarquia. A Constituição nunca fora desrespeitada (como viria a acontecer após o golpe militar que implantou a república. Hoje estamos na 7ª constituição pós-republicana);

    Parabéns pela poesia. É bom a gente viver numa democracia onde todos podem externar seus ideais.
    Um cordial abraço do amigo
    Armando

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  2. Por que D. Isabel é a REDENTORA?

    Porque assim ela foi aclamada pelo
    pelo povo, que numa exaltação jamais vista em nossa História pátria, comprimia-se no Paço da Cidade (atualmente chamado Paço Imperial, na Praça XV, centro do Rio), dando vivas à Princesa Imperial Regente, com os qualificativos de Santa, Mãe dos Cativos ou Redentora.

    • O que D. Isabel REDIMIU?

    D. Isabel de Bragança redimiu o BRASIL. Apesar de ser descrita como REDENTORA apenas dos escravos brasileiros, seu gesto representa simbolicamente bem mais do que isso.

    Também redimia especificamente a história grandiosa de nosso país, cuja mácula fora sempre a ESCRAVIDÃO, desde o século XVI.

    Por fim, remia a todos os negros do Brasil, não só os que ainda se encontravam no cativeiro - cerca de 600 a 700 mil -, mas a qualquer um deles, que passavam dali em diante a não mais serem "libertos" ou "forros" e sim CIDADÃOS BRASILEIROS.

    • D. Isabel é a única responsável pela REDENÇÃO DO BRASIL?

    Evidente que não!

    Essa redenção tem uma história muito longa. Dos escritos de José Bonifácio, ainda nos tempos da Independência do Brasil (década de 1820), até os grandes discursos abolicionistas (década de 1880), houve muitos brasileiros contrários ao regime de trabalho escravo.

    O maior proponente do fim da escravatura no Brasil era o próprio Imperador. Apesar de gradualista, D. Pedro II sempre defendeu com veemência o término do cativeiro e a adoção de práticas assalariadas de trabalho. Sendo, contudo, um monarca constitucional (Chefe de Estado e não de Governo) e somente podendo administrar o País em conjunto com o Parlamento, não pôde jamais ter a felicidade, ele próprio, de sancionar uma lei de extinção total da escravidão.

    Muito embora tenha sido o grande responsável pelas leis que antecederam a de nº. 3353 - Lei "Euzébio de Queiroz" (extinção do tráfico negreiro - 1850), Lei do Ventre Livre, assinada por sua filha, na 1ª Regência (1871), Lei dos Sexagenários (1885) - D. Pedro II sempre confiou no constitucionalismo brasileiro dando cabo legalmente à instituição servil. Seus principais artifícios foram sempre, como é bem sabido, as Falas do Trono, i.e., os discursos de abertura e fechamento do ano legislativo, na Assembléia Geral do Império.

    Em outras palavras, optando pela Abolição, D. Isabel talvez tenha optado também, involuntariamente, pelo avanço do republicanismo e o agravamento das relações entre a elite dirigente brasileira, mormente a aristocracia rural, e a Monarquia.

    Contudo, é ela própria quem nos dá a resposta a isso: "Se mil outros tronos eu tivesse, mil eu perderia para por fim à escravidão!"

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  3. Conversa fiada:
    a libertação dos escravos aconteceu no Brasil por conta da pressão dos ingleses. A história é aquilo que ela é e não aquilo que alguns querem que ela seja.

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  4. Sr.Marcos Vinicius Leonel:

    Um coisa é ter opinião divergente, com ética, seriedade e conhecimento sobre o assunto de que se está divergindo.
    Esse tipo de divergência eu respeito e acato. Outra coisa é contestar só por contestar. Sem base. Por pura birra. Como o senhor é useiro e vezeiro...Essa não merece resposta.
    Mas - pela primeira e última vez - eu, em respeito aos que acessam este blog - respondo a sua provocação.
    Ninguém desconhece a posição da Inglaterra contrária à escravidão EM TODO O MUNDO e não somente no Brasil.
    Agora dizer que ela impôs a libertação do negro no Brasil, manipulando a Família Imperial é, no mínimo, desconhecer o processo de libertação da raça negra.
    O gesto precursor das províncias do Amazonas e do Ceará, em 1884, abolindo a escravatura foi feita por determinação inglesa? a mesma deteerminação inglesa teria ocorrido na cidade de Mossoró?
    O Sr. sabia que em 1861, o Império do Brasil - devido a Questão Christie - rompeu relações diplomáticas com a Inglaterra? E que somente dois anos depois, após o poderoso Império Britânico pedir desculpas ao Imperador Dom Pedro II (que estava no interior do Rio Grande do Sul, em campanha de guerra, defendendo o Brasil) é que as relações diplomáticas entre as duas nações soberanas foram restabelecidas?
    Pesquise e leia sobre o assunto!
    E os principais interessados na libertação, ou seja, os negros, como viam essas coisas? A Princesa Isabel passa a ser conhecida como "A Redentora". A Abolição era associada à Monarquia, que ficara mais popular que nunca. Muitos negros passaram inclusive a integrar a "Guarda Negra", da qual o então republicano Ruy Barbosa dizia ser composta pela "ralé carioca e por maltas de capoeiras", que hostilizava francamente os republicanos. Essa Guarda acreditava ser seu dever proteger das violências republicanas o sistema que os libertara (a Monarquia).
    O Sr. conhece os episódios de massacres dos negros, pelo Exército brasileiro, após o golpe que implantou a República? Procure pesquisar e ler...
    Afirmo claramente: os ex-escravos guardavam lealdade à Monarquia e se opunham aos republicanos, conhecidos, então, como "os paulistas". André Rebouças com a proclamação preferiu se exilar junto com a Família Imperial, dizendo saber que, para ele, não havia mais lugar no País...
    Os verdadeiros historiadores reconhecem hoje que sem a Família Imperial brasileira a libertação da raça negra não teria existido.
    Procure ler os novos historiadores, pós queda do Muro de Berlim.
    E com isso dou por encerrado qualquer explicação sobre minhas convicções históricas...

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