segunda-feira, 10 de março de 2008

Como a imprensa vem analisando a "aposentadoria" de Fidel Castro

Sai do mercado o “produto” Fidel Castro

Retirado do mercado internacional, por decrepitude e com data vencida, o último frasco de certa substância remanescente da era leninista-stalinista

Hélio Viana

Catolicismo publicou, em agosto de 1959 — pouco depois de Fidel Castro tomar o poder em Cuba —, matéria de seu colaborador Sérgio Brotero Lefevre, intitulada Como se lançou no mercado internacional o ‘produto’ Fidel Castro. O autor descreve uma bem concertada ação de propaganda levada a cabo dois anos antes em Nova York, a qual tornaria vitoriosa uma revolução que, iniciada por alguns jovens em Sierra Maestra, não tinha qualquer possibilidade de vencer. Retomamos com o presente artigo o “fio da meada”, após o anúncio da retirada do referido “produto” do mercado.

No andar térreo de um derruído e mal iluminado sobrado no centro de Havana, um funcionário do Estado retira, de uma prateleira empoeirada e semi-vazia, o único frasco que restava de um produto — um elixir — agora proscrito, jogando-o com desdém numa lata velha de lixo. Em seu rótulo estava impresso: Fidel Castro.

Aquele rejeitado “produto” permaneceu 49 anos nas prateleiras não só de Cuba, mas dos mercados internacionais. Foi trombeteado através das ondas da Rádio Moscou e congêneres. Jornais e televisões de plutocratas o afagaram. Atilados agentes o divulgaram nos mais variados países. Toda a intelligentsia de uma ideologia tornada bolorenta o cortejava. Mais recentemente, sustentado, largamente pelos petrodólares de Chávez. Era por fim sorvido, qual precioso néctar, por “teólogos da libertação”. Nada disso, contudo, demoveu a multinacional Chinacubarússia de retirá-lo de circulação.

Motivo: além da ausência de procura pelos consumidores internos de Cuba, onde foi lançado, apareceu no mercado venezuelano um “genérico” mais eficiente, após ficar provado que o “produto” estava causando depressão e envelhecimento precoce em seus usuários.

“Eu irei para o inferno”

Ao contrário da imagem do idealista que sacrificou o que lhe restava de poder para o bem de Cuba, Fidel Castro foi levado a “abdicar” em benefício do delfim seu irmão tão-só em decorrência do avançado estado de depauperamento físico e mental em que se encontra. Pois para ele o único futuro é a morte iminente, seguida de um terrível Juízo.

Neste sentido, em consonância com a máxima comunista de que “a religião é o ópio do povo”, Fidel Castro não hesitou em declarar ao jornalista Jean-Luc Mano, da revista “Paris Match” (29-10-94): “Eu irei para o inferno, e sei que o calor ali será insuportável... E lá chegando, encontrarei Marx, Engels, Lenine. E também encontrarei você, porque os capitalistas também vão para o inferno, sobretudo se desejam gozar a vida”.

O ator e seu cenário

A par de ser um líder revolucionário, Fidel Castro foi um grande ator, adrede preparado pela propaganda comunista instalada no coração de uma megalópole capitalista. Esta cuidou de modo especial do seu perfil — barba, charuto à boca e boné na cabeça — e de seu cenário — a revolução iniciada em Sierra Maestra —, fazendo depois incidir sobre ambos os possantes holofotes da mídia, numa bem orquestrada ofensiva financiada pelos cofres de Moscou e de macro-capitalistas.

Filho de ricos fazendeiros e ex-aluno jesuíta, Fidel Castro teve de enganar o povo cubano, para se impor, apresentando-se como católico. Para isso chegou inclusive a pendurar medalhinha no pescoço, ostentando-a por cima da camisa. Sabia que, se tal não fizesse, teria insucesso. Depois começou propriamente sua revolução: perseguições à Igreja e aos adversários do regime, instituição do famoso paredón, e sobretudo aquilo sem o qual nenhum regime comunista se consolida: uma draconiana Reforma Agrária.

Miséria, fome e expansionismo

Mas, como não poderia deixar de ser, o regime comunista só gerou miséria, tanto moral como material, uma vez que a instituição da família ficou à mercê das leis libertinas decorrentes de sua ideologia, e a iniciativa particular cessou de existir. Com isso, tanto por ocasião do estabelecimento do regime comunista como ao longo das cinco décadas em que ele teve vigência, incontáveis foram as pessoas de todas as idades e condições sociais que, com risco da própria vida, saíram da Ilha outrora conhecida como a Pérola das Antilhas.

A revolução cubana conseguiu ser expansionista enquanto a União Soviética a manteve de pé. Pois era através desta, e dos macro-capitalistas que ajudavam a sustentá-la, que Cuba recebia o dinheiro e material bélico para tentar sublevar, com os falsos ideais comunistas, as populações da América Latina e da África. Mesmo assim, nunca obteve resultados expressivos. Antes pelo contrário. Che Guevara, por exemplo, foi localizado e morto na Bolívia, após ter sido denunciado pelos próprios camponeses que ele afirmava querer “libertar”.

Com o desmoronamento do Muro de Berlim em 1989, e da União Soviética em 1991, Cuba ficou reduzida a quase um ente de razão. Sua subsistência se deveu tão-só ao fato de para a causa mundial do bolchevismo ser imprescindível continuar a existir, em algum lugar do mundo, um ponto de referência onde a realidade comunista continuasse a reluzir suas luzes de lantejoula aos olhos de seus desconcertados adeptos.

Muito antes, portanto, da agonia de Fidel Castro, seu regime já estava com os dias contados. No sentido de que Cuba não era mais a ponta-de-lança da revolução comunista no continente latino-americano, mas se tornara uma mera peça ornamental colocada na vitrine de plástico comunista para servir de alento a desiludidos partidários.

Possíveis sucessores

Raul Castro ao lado da cadeira vazia do ditador Fidel
Após o governo “kerenskyano” de Fernando Henrique Cardoso, as condições da opinião pública brasileira felizmente não permitiram — diferentemente do ocorrido na Rússia — que houvesse no Brasil o advento de um Lenine que Lula fazia pressagiar. Foi mister buscá-lo alhures, com algumas adaptações, pois líderes revolucionários também estão entre as espécies em extinção.

Parece que o encontraram em alguma medida na pessoa de Hugo Chávez. Pois, apresenta os modos de ser, pensar e agir hauridos da ideologia proletária do comunismo, seu perfil assemelha-se ao de Fidel Castro. Sua pitada de Lenine adviria da riqueza oriunda do petróleo, com a qual sua revolução poderia alcançar alguma proporção com a daquele.

Obstáculos na opinião pública

Será Chávez o herdeiro de Castro na América Latina?
Sucede, contudo, que os ventos ideológicos que sopram no mundo não são os mesmos de décadas atrás. Nem os de 1917, nem os de 1959. testemunho insuspeito dessa tendência, entre outros, é Bernard Kouchner (ex-membro do PCF, filiado ao PSF e contraditoriamente detentor da pasta das Relações Exteriores do atual governo de centro0-direita de Sarkozy), ao declarar a Laurent Ruquier, âncora da TF2, em julho do ano passado: “C’est dur, dur d’être de gauche!...).

O sucesso do novo “produto” depende, portanto, de muitos fatores. Mas sobretudo deste: a recusa da opinião pública — inclusive daquela parcela favorecida por políticas assistenciais populistas — de caminhar em direção à esquerda. Se Chávez tivesse saído vitorioso no referendo de 2 de dezembro, com o qual pretendia modificar a Constituição e perpetuar-se no poder, teria certamente dado um passo decisivo nessa direção. Mas ele se defronta ainda com outro obstáculo: o povo venezuelano, além de estar cansado de demagogia, tem dificuldade em adquirir alimentos, faltam até os mantimentos básicos no país.

Com a régia recriminação ainda lhe ecoando nos ouvidos — “Por qué no te callas? —, estaria Chávez decidido a levar adiante sua revolução através de um golpe de força? Corroboram essa hipótese a sua estreita ligação com as FARC e o arsenal bélico que adquiriu da Rússia, mas também os tratados com o governo iraniano e o fato de células do grupo islâmico Hezbollah estarem atuando na Venezuela. Se lhe foi possível estabelecer alianças em lugares tão distantes, seria inverossímil que ele também não as fizesse com o subversivo MST?

O que será de Cuba?

O regime comunista só gerou miséria, tanto moral como material, uma vez que a instituição da família ficou à mercê das leis libertinas decorrentes de sua ideologia, e a iniciativa particular cessou de existir
É ainda uma incógnita o novo modelo sócio-político-econômico da Cuba pós-Fidel. Assumirá o comunismo uma feição chinesa ou vietnamita — socialismo político com liberdade econômica? Ou voltará a ilha-prisão, dentro de algum tempo, ao regime pleno da livre iniciativa e da propriedade privada? Neste caso, as propriedades roubadas pelo Estado serão devolvidas a seus legítimos donos ou aos herdeiros destes? Ou serão distribuídas como dádivas, a preços de galinha-morta, aos membros da nomenclatura comunista, como ocorreu na extinta União Soviética e em vários de seus ex-satélites?

Como reagirá o povo cubano após 50 anos de regime comunista? Estará habilitado a empreender a reconstrução do país? Terá iniciativa para isso? Ou agirá como, por exemplo, parte da população da ex-Alemanha Oriental, incapaz de mover uma palha em decorrência da extrema indolência a que a relegou o comunismo? Quanto tempo levará para que se apaguem das mentes os falsos dogmas de Marx?

O episcopado e o clero católico estarão dispostos a empreender uma cruzada de regeneração moral de Cuba? O que resultará da terceira visita — de uma semana de duração — que o Cardeal Tarcísio Bertone, atual Secretário de Estado do Vaticano, empreendeu a Cuba dois dias após a “abdicação” de Fidel Castro? Reclamará para a Igreja plena liberdade de culto e de ensino, inclusive no tocante ao direito de propriedade? Que papel será atribuído doravante à “Teologia da Libertação”, a respeito da qual Fidel teria afirmado que, se a tivesse conhecido antes, teria dado outro rumo à sua revolução?

Seja como for, chegou o fim da era do tirano Fidel Castro e de tudo quanto ele representou no cenário internacional, enquanto símbolo vivo e sinistro do comunismo. Ao “abdicar” em favor do delfim seu irmão — um absurdo, mas considerado pela esquerda como a coisa mais natural do mundo —, ele não fez senão atender ao clamor do drama vivido pela miserável população cubana que, a exemplo do filme “Tropa de Elite”, lhe implorava: “Pede para sair, revolução malograda!”

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