sábado, 22 de março de 2008

JORNAL NACIONAL DO AMOR


Ali nas primeiras horas da noite, bate aquela necessidade física inadiável de contar como foi o dia. Contar e ao mesmo tempo receber notícias tuas. Seja um épico, um feito memorável, seja uma coisa à toa, um carro na poça que quase te molha todinha, um chato que te pegou para Cristo, um chefe maluco, os comentários sobre o tempo, ainda bem que choveu, meu bem, a noite está ótima para uns tragos, para dizer aquelas coisas que não se dizem assim para qualquer uma.
Sobe a vinheta, sonoplasta picareta, é o Jornal Nacional do Amor que começa agora, uma dos momentos nobres de ter alguém na vida, conta lá que eu conto cá, e haja narrativas.
Ter alguém para dizer seu dia é melhor que sexo, melhor que costelinha de porco, melhor que lamber os beiços com o galetinho-gloss da tevê de cachorro, melhor que doce de leite, melhor que sarapatel, é tão bom que empata com todos os caprinos e feijoadas completas.
Contar para um amigo é diferente, contar para um irmão é outra história, contar para a vizinha é roubada, contar só serve, amigo, se for à boquinha da noite, e se for para a mulher que habita, sem pagar prestações, sem aluguel ou fiança, a Cohab, o BNH, o conjunto do Mirandão no Crato, o Alfredo Bandeira no Recife ou a quitinete metropolitana dos nossos pobres corazones.
O Jornal Nacional do Amor não tem mentiras de graça, somente mentiras sinceras, aquelas que melhoram as coisas, que levantam a bola, que restauram a lua de mel no auge de Canoa Quebrada, com aquele céu de Bilac, ora direis, aquela cachaça, sustança, e os lençóis de cambraia bordados, letras barrocas, “até que a morte nos separem”.
Na alegria ou na tristeza, contar o dia é a melhor das artes de estar juntos.
Do amor e suas leseiras incríveis, suas breguices, porque todo amor é brega assim como todas as cartas amorosas são ridículas; só os metidos não amam, não aprenderam nem mesmo com os brutos de Shane e de outros belos faroestes.
Do amor, seu Sthendal, nós nunca enchemos a barriga.
Eita fome de viver da gota, eita Jequitinhonha da existência.
“Ai, amor, estou tão cansada, meio enjoada, acho que vou menstruar”, ela diz, bem linda, ainda na rua, “você me agüenta mesmo assim?”, ela completa.
No que o mancebo responde com um lindo plágio: “Você me conta como foi seu dia/ E a gente diz um p'ro outro:/ - Estou com sono, vamos dormir!”
Contar sempre, porque até nossos silêncios dentro de casa deixam ecos que viram legendas para sonhos e manhãs amanteigados.


Escrito por xico sá às 11h32 (com a permissão do cratense Xico Sá, publico crônica, tirada do seu blog)

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