sábado, 8 de março de 2008

A outra revolução

Escutei Mangabeira Unger, na velha cidade de Olinda, falando sobre cultura e a questão do desenvolvimento brasileiro. O ministro extraordinário de assuntos estratégicos viaja ao lado de Gilberto Gil, numa caravana pelos estados, levando propostas para a transformação do país. Entre os compromissos do projeto estão a afirmação de nossa originalidade e a radicalização do experimentalismo. O discurso de Mangabeira Unger, carregado nos tons revolucionários, emocionou a platéia pernambucana, um povo acostumado às revoluções libertárias, como escreveu o poeta Manoel Bandeira.

Bem próximo ao local do encontro com os dois ministros, fica o Seminário de Olinda, onde há mais de duzentos anos foram discutidos os ideais da Revolução de 1817, um evento pouco conhecido no Brasil, e até mesmo em Pernambuco. Chamado de "A revolução dos Padres", o levante teve como propagadores e mártires os "sacerdotes lidos em filosofia revolucionária, o que no Brasil daquela época significava uma revolta da inteligência", como escreveu Oliveira Lima.

A conspiração se fazia nas lojas maçônicas, no comércio, nos quartéis, em reuniões patrióticas; a portas fechadas ou abertas. A prisão dos suspeitos, decretada pelo governador de Pernambuco, precipitou os acontecimentos. O capitão José de Barros Lima, o Leão Coroado, reagiu às ordens do seu comandante e matou-o. Era 6 de março de 1817, o primeiro dia de uma república formada pelos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, e que duraria pouco mais de três meses. As ramificações baiana e cearense não vingaram, e a Bahia tornou-se o centro de onde partiram as ações repressivas ao movimento separatista.

Os revoltosos foram presos, deportados ou executados por fuzilamento e enforcamento. Seus corpos arrastados por cavalos nas ruas do Recife, tinham as mãos, os pés e as cabeças cortados e depois expostos em pontes e praças públicas. Um saldo de centenas de mortos e banidos, talvez o maior da nossa história colonial e imperial. Mas os pernambucanos não se intimidaram e sete anos depois ressurgiram noutro movimento republicano, a Confederação do Equador, que terminaria com o suplício de Frei Caneca.

Oliveira Lima considera que a Revolução de 1817 "foi um sinal mais dos tempos, a manifestação de uma combinação de impulsos em que entravam o amor exagerado, literário se quiserem, filosófico mesmo, mas em todo caso ativo, da liberdade, e uma noção jactanciosa da valia americana". E, citando o abade Pradt, "pela primeira vez, tratando-se do Brasil com relação a Portugal, uma parte da América aprendera a levantar a cabeça mais alto que a Europa e dar leis àqueles de quem tinha por hábito recebê-las".

Embora muitas vezes se refira com desdém ao movimento pernambucano, sobretudo aos excessos teóricos e pouco práticos da Revolução, Oliveira Lima reconhece que ela "tinha condições em si para vingar e expandir-se, tornando-se Pernambuco o centro de atração do Brasil independente, ou mais verossimilmente a primeira seção independente do novo Reino desagregado".

O ministro Mangabeira Unger traçou projetos para o futuro do Brasil. Seu discurso poético e filosófico sugeria incorporar o social na lógica da transformação econômica; exaltava a divinização do homem; propunha pensarmos no futuro e viver o presente; incitava a nos rebelarmos contra a falta de justiça e de imaginação; estimulava a produção como diversificação permanente e descentralizada.

Pernambuco, por conta de sua tradição revolucionária, será, junto com o Acre e o Rio Grande do Sul, um estado piloto para execução dos projetos do ministro. Ao anunciar isso, houve um leve frêmito na sala. Sem palmas nem gritos, tão comuns à nossa exaltação pernambucana. Talvez porque já passamos pelas esperanças e frustrações de muitas outras revoluções. Esperamos por mais essa que o ministro nos propõe. Com ânimo, mas incerteza.


Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens

2 comentários:

  1. A Revolução Pernambucana de 1817 teve certa repercussão na Vila Real do Crato. Descrita hoje, nesta cidade, como um "episódio heróico, precursor da Independência do Brasil e da Proclamação da República", a verdade histórica prova que, ao final do movimento (que foi encerrado pelo Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, sem necessidade de disparar um único tiro) - e após todas as delações (como sempre acontecem nesse tipo de insurreição) foram presos apenas 20 integrantes que aqui participaram da Revolução.

    LISTA DOS CULPADOS PELA PARTICIPAÇÃO NO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO CARIRI EM 1817

    No Arquivo Público da Bahia, Oliveira Lima copiou, do original da Devassa, a lista dos culpados da Revolução Pernambucana de 1817 e publicou no fim de suas anotações à obra de Muniz Tavares, citada. Desta lista extraímos os nomes dos culpados da revolução, no Cariri, do referido ano:

    1 )Antônio Alves Carneiro, pronunciado a 15 de setembro de 1818, cabra do Lameiro.
    2)Antônio da Costa, cabra do Lameiro, pronunciado na data referida.
    3)Bárbara Pereira de Alencar, pronunciada em 13 de setembro de 1818.
    4)Bartolomeu Alves de Quental, pronunciado em data supra.
    5)Padre Carlos José dos Santos, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    6)Félix Carneiro, cabra do Lameiro, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    7)Francisco Cardoso de Matos, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    8)Francisco Pereira Maia Guimarães, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    9)Frei Francisco de Sant'Ana Pessoa, pronunciado em data supra.
    10)Inácio Tavares Benevides, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    11)Joaquim da Costa, cabra do Lameiro, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    12)Joaquim Francisco de Gouvêa, pronunciado em data supra.
    13)Padre José Martiniano de Alencar, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    14)Leonel Pereira de Alencar, pronunciado em data supra.
    15)Manuel da Costa, cabra do Lameiro, pronunciado em data supra.
    16)Manuel da Silva, cabra do Lameiro, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    17)Padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, vigário da matriz da vila do Crato, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    18)Miguel Justo, cabra do Lameiro, pronunciado em data supra.
    19)Raimundo Pereira de Magalhães, pronunciado em 13 de setembro de 1818.
    20)Tristão Gonçalves Pereira, pronunciado em data supra.

    Fonte: Padre Antônio Gomes de Araújo. 1817 no Cariri. Separata de Itaytera, revista do Instituto Cultural do Cariri. Crato, 1961.

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  2. Falei há pouco sobre os que escrevem que a Revolução Pernambucana de 1817 visava a "Independência do Brasil". Ledo engano. Visava criar uma república em algumas províncias do Norte (como se chamava o Nordeste àquela época). Somente após a chegada de Dom João VI é que começou a se delinear um país que viria a ser o Brasil de hoje.

    Até 1808, chamar de Brasil esta imensidão de terras que formava a América portuguesa era apenas uma força de expressão. Na verdade, 200 anos atrás, nem existia o conceito de um Brasil dotado de identidade homogênea. Os habitantes brancos, que habitavam esta parte da América, mesmo os já nascidos aqui, se autodefiniam como portugueses. Não era utilizada a expressão “brasileiro” para designar os habitantes que aqui viviam. Artigos publicados naquela época discutiam se a denominação para os nativos da colônia portuguesa deveria ser brasiliano, brasiliense ou brasileiro. Hipólito José da Costa, fundador e editor de um jornal publicado em Londres, o “Correio Braziliense”, defendia que os naturais do Brasil deviam ser chamados brasilienses. Em sua opinião, brasileiro era o português ou estrangeiro que se estabelecesse na colônia. Já os indígenas deviam ser chamados de brasilianos.

    Os nascidos em Salvador e adjacências se diziam “bahiense”. Os que viviam nas terras das minas gerais apresentavam-se como sendo “das minas”. Não havia unidade das diversas províncias que formavam o território da colônia, de dimensões continentais. As províncias eram mais ou menos autônomas. O naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, que visitou a colônia entre 1816 a 1822 (quando a situação já era bem melhor do que no início do século XIX, época da chegada da Família Real, escreveu:

    Cada capitania tinha seu governante, sua pequena milícia e seu pequeno tesouro; a comunicação entre elas era precária, sendo que geralmente uma ignorava a existência da outra.

    Alguém poderá objetar lembrando que, já em 1789, um “punhado de heróis” fez a Inconfidência Mineira visando à independência do Brasil. Ledo engano. O pesquisador gaúcho Sérgio Faraco publicou, em 1990, um interessante livro: “O Processo dos Inconfidentes – Verdade ou Versão” onde diz que aquele movimento sequer falava em Independência do Brasil. Pregava, sim, a Independência de Minas Gerais. O que aconteceu – segundo Sérgio Faraco – foi que o Governador de Minas, Visconde de Barbacena, para impressionar a rainha de Portugal, deu uma importância bem maior a um pequeno fato, exagerando sobre a amplitude desse movimento. Talvez tenha sido por isso que Capistrano de Abreu – um cearense considerado um dos maiores historiadores brasileiros – escreveu: “A Inconfidência Mineira não passou de uma conversa, e conversa fiada”...

    Isoladas do mundo por mais de três séculos, distantes uma das outras, escassamente povoadas, cada província vivia seu cotidiano de modo diferente. A Província do Grão-Pará – à época englobava territórios que hoje formam os Estados do Pará, Amazonas, Amapá e Roraima – era a mais ligada à metrópole portuguesa, pois todo o seu comércio e vínculos sociais eram feitos diretamente com Lisboa. O Grão-Pará simplesmente desconhecia o Vice-Rei que vivia no Rio de Janeiro.

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