quinta-feira, 8 de maio de 2008

PARADOXOS ENTRE DISCURSO E PRÁTICA NO GOVERNO DO CEARÁ

O Plano Plurianual 2008-2011, do Governo Cid Gomes, denominado de Desenvolvimento Justo e Solidário: “um novo jeito de fazer”, apóia-se em três grandes orientações estratégicas: Economia para uma vida Melhor, Sociedade Justa e Solidária, Gestão, Ética Eficiente e Participativa. Esses são os eixos que, segundo o governo estadual, nortearão todas as suas ações e terão como conseqüência, a oferta de oportunidades iguais de ascensão social e econômica para todos os cearenses.
O Plano coloca como “princípios” a participação popular e o enfoque Regional. O primeiro, no discurso do governo, compreende a ampliação dos espaços de interlocução e acesso dos diversos segmentos da sociedade às instâncias de tomada de decisões no âmbito do poder estadual. O segundo representa a “descentralização das ações do Governo para melhorar a oferta e gestão dos serviços públicos e estimular o desenvolvimento territorial, buscando a interiorização e a distribuição eqüitativa da renda e riqueza entre as pessoas e regiões.” O plano ainda apresenta como princípios: visão estrututrante de longo prazo; integração de políticas e programas; gestão por resultados; e cooperação e parcerias.
Sem dúvida, esses princípios representam um avanço em relação a planos anteriores, mas é preciso qualificá-los. Este artigo, pela sua brevidade, se concentrará nos dois primeiros: participação popular e enfoque regional.
Vamos ao primeiro paradoxo. Para elaboração do seu plano, o Governo realizou uma consulta à sociedade que se consistiu das seguintes etapas: 1) sensibilização dos atores regionais para participarem do processo de elaboração do Plano Plurianual; 2) consulta a sociedade sobre seus temas críticos - problemas e potencialidades -, e obtenção de propostas de ação regional; 3) eleição de propostas prioritárias; e 4) apresentação da versão preliminar do Plano Plurianual.
A participação popular é muito importante, não há dúvida sobre isso. Mas da forma como foi realizada serve mais para o Governo estadual fazer média com a população e com instituições locais do que como instrumento de planejamento. Por exemplo, como discutir e elaborar uma política educacional para uma macrorregião que tenha mais de um milhão de habitantes, considerando apenas impressões pessoais? Um professor, um diretor de escola, um pai de aluno, certamente sabe que na sua escola há carência de carteiras, computadores, professores, etc. Da mesma forma, como elaborar uma política de saúde com base apenas em observações pontuais e esparsas? Cada médico, diretor de hospital, tem consciência das suas respectivas demandas. Mas, daí concluir que se possa, a partir dessas informações, delinear uma política de educação ou de saúde para uma macrorregião...
Uma política de saúde realmente séria levaria em consideração o total da população de uma região, a distribuição dessa população por faixa etária, o envelhecimento dessa população, a quantidade de hospitais existentes, os serviços mais demandados, etc. Uma política educacional séria levaria em conta a quantidade de crianças, jovens, possíveis universitários, a quantidade de escolas, número de professores por escola, qualificação desses professores, etc. O mesmo vale para todos os outros setores de planejamento. Para tanto, seria necessário um conjunto de informações reunidas em um banco de dados, uma equipe multidisciplinar de profissionais, condições materiais e tempo. Há vinte anos atrás isso não seria possível, mas hoje, simplesmente, esses elementos são fundamentais em qualquer processo de planejamento, e no Ceará não pode ser diferente.
Portanto, esse é o primeiro paradoxo: demandas pontuais expressando um planejamento macrorregional. Além disso, as demandas pontuais do Plano Plurianual acabam representadas no orçamento como uma “ação” para toda uma região. Por exemplo, foi colocada no orçamento, a “ação” “implantação e modernização das bibliotecas públicas” para a macrorregião Cariri/Centro Sul, com um valor orçamentário para 2008 de R$ 1.000,00, se dividirmos esse valor para o total de municípios que a compõem (42), cada um terá R$ 24,00 no orçamento.
O planejamento é um processo que consiste na tomada antecipada de decisões sobre o que fazer, antes da ação ser necessária. Envolve simular o futuro desejado e estabelecer previamente os cursos de ação necessários e os meios adequados para atingir os objetivos. É um processo dinâmico e contínuo, que articula as políticas públicas com os diversos interesses da sociedade, promovendo instrumentos para o monitoramento do desenvolvimento. Para realizá-lo se faz necessário um sistema de planejamento.
Os objetivos do Governo podem até ser bem intencionados, mas a única forma de mudar a realidade hoje existente é fornecer as próprias regiões os fundamentos materiais e humanos para pensarem o seu próprio desenvolvimento. Enquanto os órgãos do Governo instalados nas diversas regiões do Ceará forem apenas executores das políticas centralizadas do governo, nenhuma realidade será mudada. Há a necessidade urgente de um sistema de planejamento descentralizado. Este seria constituído de órgãos governamentais distribuídos por cada macrorregião do Ceará, equipados com recursos materiais e humanos condizentes com a atividade de planejamento e que tenham como objetivo formular uma visão de futuro desejado para cada uma delas. O que seria diferente do que acontece atualmente que é simplesmente uma regionalização do Ceará em macrorregiões, sendo o planejamento das mesmas realizado em repartições do Governo centralizadas na capital.
Como uma variação do mesmo tema, esse termina sendo o mesmo discurso que temos assistido desde o primeiro Governo Tasso (1987), e nenhuma ação política de descentralização do planejamento foi efetivamente tomada. Isso porque, enquanto não tivermos instituições equipadas e qualificadas o discurso da integração e da descentralização será só discurso. Enfatizamos, novamente, que mudanças na situação atual somente ocorrerão quando tivermos órgãos governamentais instalados nas diversas regiões do Ceará que possam pensar, planejar e intervir de forma consciente, ou seja, partindo da compreensão da dinâmica local, nas variáveis críticas do desenvolvimento (tecnológicas, econômicas, sociais, políticas, estruturais).
Vamos ao segundo paradoxo. O crescimento econômico desigual entre a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e o interior é que tem sustentado à pobreza e elevado ou mantido diferenças econômicas substantivas, além de frear o desenvolvimento econômico no Ceará. Justificando: o percentual dos investimentos industriais, no período 2003-2006, na RMF atingiu 74,9% do total investido no Ceará; o PIB da RMF, em 2004, representava 64,35% do PIB estadual. Sabe o que efetivamente tem sido feito a respeito? Observemos o Orçamento Estadual (OE) entre 2004 e 2008.
Entre 2004 e 2008, o OE foi elevado em 65,7%. No entanto, observa-se para as macrorregiões de planejamento do estado, exceto a RMF, decréscimos substanciais nas suas respectivas participações no OE: REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA (8,5%); LITORAL OESTE (-16,7%); SOBRAL / IBIAPINA (-1,8%); SERTÃO DE INHAMUS (-3,7%); SERTÃO CENTRAL (-17,1%); BATURITÉ (-36,3%); LITORAL LESTE / JAGUARIBE (-44,6%); CARIRI / CENTRO SUL (-16,3%); ESTADO DO CEARÁ (65,7%).
De acordo com a regionalização do Ceará constante no Orçamento de 2008, o estado encontra-se dividido em 8 macrorregiões. No entanto, todas estas participam com 28,8% de todo orçamento. Os outros 71,2% aparecem sob o título “Estado do Ceará”. Em termos físicos parece não haver explicação adequada, visto que as repartições do Governo encontram-se localizas em algumas dessas macrorregiões. No entanto, em termos políticos significa que o Governo, concentrando os recursos dessa forma, passa a dispor de elevado poder discricionário em relação à distribuição dos mesmos.
E quanto aos investimentos? Dos 2,7 bilhões fixados no orçamento de 2008 para despesas de capital, são destinadas para todo o interior do Ceará, distribuídas pelas secretarias e conselhos governamentais, 32,7% dos investimentos. Vale salientar que a população do interior equivale a aproximadamente 58% da população total do Ceará. Portanto, para 58% da população do Ceará são destinados apenas 32,7% dos investimentos governamentais.
Se dividirmos o Ceará em três grandes regiões, podemos observar de forma mais evidente a distorção da distribuição dos investimentos. RMF, 42% da população do Ceará e 35,1% dos investimentos governamentais. Macrorregião Cariri/Centro Sul, 16% da população e 6,0% dos investimentos. Outras 6 macrorregiões, 42% da população e 26,7% dos investimentos. Novamente, os restantes 32,1% dos investimentos estão sob o título “Estado do Ceará”: flexibilidade discricionária!?
Dessa forma, parece evidente que as funções alocativa e distributiva do orçamento não estão sendo consideradas na forma devida. Pois, pelos elementos aqui levantados, não fica evidente que esteja acontecendo o combate aos desequilíbrios regionais e sociais e a promoção do desenvolvimento das regiões e classes menos favorecidas. Será esse o caminho do enfoque regional do governo estadual? Esse é o segundo paradoxo: discurso desconcetrador prática concentradora.
Uma conclusão para se pensar: que ações podem tomar as macrorregiões do Ceará, através dos seus representantes, para que o Governo Estadual descentralize de fato suas atividades de planejamento? Sem tal perspectiva, necessária mais ainda não suficiente, torna-se difícil visualizar qualquer alteração na trajetória concentradora do crescimento econômico cearense, o que contraria o objetivo do Governo: a oferta de oportunidades iguais de ascensão social e econômica para todos os cearenses.

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