quinta-feira, 12 de junho de 2008

A VOLATILIDADE DO ETERNO



Houve um tempo em que a palavra amor não se fazia mero artifício de linguagem. O amor era quase um modus vivendi: cantado por poetas, trovadores e artistas ; a busca incessante das suas primícias e de seus mistérios consubstanciava-se no objetivo maior de muitas gerações. A amante era venerada e adorada, erguida aos altares divinos – onde se lhe faziam promessas e oferendas. O amor retribuído era o ápice da felicidade e a indiferença amorosa( um inferno terrestre) suportada , a duras penas, como um destino de Prometeu. Havia um sem número de livros sagrados para os amantes, desde os romances mais lamuriosos, ao Kama Sutra. Os menos criativos podiam, inclusive, se inspirar no “Cartas de Amor” , uma espécie de compêndio de receitas miraculosas, com missivas e bilhetes para todas as fases do namoro, desde a perspectiva do albor, ao seu violento crepúsculo. Os mais tímidos escreviam àquelas revistas periódicas, em que o “Coração solitário” procurava a “Violeta Desesperada” e muitos e muitos romances , contrariando a norma da ficção, passaram das páginas dessas revistas para os altares. Hoje, quando o “Eu te Amo” parece ter perdido , totalmente a sua força lúdica, em que a amada travestiu-se de deusa em mero objeto de caça, transcrevemos ( para as novas gerações) , a carta de um certo “Coração Dilacerado” para uma “Rosa Despetalada” , no Dia Dos Namorados.

“Meu Amor,

Imagino que teus lindos olhos um dia já tenham fitado um relâmpago, à noite. De repente, sem que se ao menos possa pressentir, abre-se , no céu , aquele clarão , como uma árvore elétrica, se ramificando e se esgalhando no firmamento. O fenômeno é súbito e inesperado e , como um flash, dura apenas alguns poucos instantes. Sua mágica, no entanto, está justamente na sua fugacidade: num átimo, o azul do céu reaviva-se , a paisagem se torna clara e visível, com suas árvores, seus rios, seu relevo e o mar volta a nos olhar com olhos convidativos. Até a lua que brincava de esconde-esconde por trás das nuvens, subitamente , reaparece e faz-se senhora absoluta do éter.

Assim é o meu amor. Abruptamente surgiu em meu coração, sem que ao menos possa compreender como de mim se apoderou. Sei apenas que clareou minha vida, que fez visíveis, pontos obscuros e que me deu outras cores para pintar a aquarela que brilha agora diante de mim. Atônito percebo esse novo mundo à minha frente e busco sorver toda beleza que se me depara aos olhos. Nem ao menos imagino-o como a perspectiva do trovão vindouro ou da tempestade anunciada; sequer percebo a fugacidade desse instante mágico , pois, no fundo de minha alma o sinto eterno. Apenas te convido a seguir comigo o seu encanto, nessa viagem dourada desde o “não- sei-porque” até o “não –sei- até –quando” ; passageiros deste sonho volátil e , por isso mesmo, infinito.

Te Amo!”



J. Flávio Vieira

3 comentários:

  1. Zé Flávio, revela sua capacidade de apaixonar-se. Seja lá o que te bate no juízo com esta palavra. Além do mais ao ajuntar "não-sei-porque" com "não-sei-até-quando" revela o que a ironia do poetinha tentatava esconder e não conseguia. Era um homem que acreditava imensamente no amor por uma mulher. Era tão intensamente apaixonado que não conseguia viver sem este sentimento em altíssimo nível. Seria o nosso Zè um desejoso infinito da paixão, de cada minuto, de cada dia? Abrir a porta do sol nascente com o colorido de que a vida vale a pena por ter aquele raio lhe atingido?

    ResponderExcluir
  2. Sr. Jose do Vale , tenho vontade de postar como manchete , todos os teus comentários !
    Arre égua... Nunca achei tanta sensibilidade , numa só figura !

    ResponderExcluir