PSICODELIA EM TEMPO REAL
Em 1969 existia um quê de experimentalismo no cenário artístico mundial. O clima político-econômico insultava a juventude a criar pontes entre a preservação e a destruição. A corrida armamentista, o medo de uma hecatombe atômica e a polarização do mundo entre Comunistas e Democratas; entre conservadores e liberalistas; entre razão e sentimento; entre castidade e sexo livre; proporcionaram uma cena artística plural de encontros e desencontros, sendo a inquietação uma verdadeira palavra de ordem. No meio desse furacão criativo está o disco GAL, o primeiro individual da cantora baiana.
Lá fora a psicodelia; a contra-cultura; a desilusão da beat generation; os ruídos e as colagens da música concreta; o cinismo freak; os minimalismos; o paz e amor do flower power; o criticismo da consciência negra; as palavras incendiárias dos estudantes franceses; os conflitos armados, como a guerra do Vietnã; as reivindicações dos gays em Stone Wall; a conquista do espaço; e a barbaridade das ditaduras militares, como a brasileira, espalhadas pelo mundo, inflamavam a verve criativa da música pop. Essa é uma parte do combustível do disco de Gal Costa, que tem como contra-parte a colcha de retalhos do tropicalismo brasileiro, com suas citações da cultura kitch, da bossa nova, da pop art, da ironia do neo-antropofagismo e os reflexos fragmentados e descontínuos de resistência das raízes culturais brasileiras.
Antes mesmo de escutar qualquer faixa do disco você já pode sentir o clima experimental a partir da leitura da nota introdutória de Caetano Veloso na capa do disco, que mais parece um fragmento de um manifesto tropicalista. Os arranjos e direção musical ficaram ao encargo do excepcional Rogério Duprat, uma espécie de procurador geral da estética tropicalista. O disco conta também com a participação do querido maldito Jards Macalé, que toca violão e tem uma música sua gravada com arranjo experimental, “Pulsars e Quasars”.
A banda tem o genial guitarrista Lanny Gordin, destruindo o nexo das possibilidades harmônicas com dissonâncias poderosas e um timbre, que era na época capaz de fazer com que qualquer Jefferson Airplane, qualquer Blue Cheer ou qualquer Grateful Dead, repensassem os seus projetos psicodélicos. Munido de fuzz, wha wha, delays reversos, fitas magnéticas e solos alucinados, Lanny Gordin entra definitivamente pela porta da frente da história obrigatória da música criativa brasileira.
O repertório é baseado em composições de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Bem, além de “Meu Nome é Gal” de Roberto e Erasmo. O clima é completamente de vanguarda. Ecos, sobreposições de vozes, fitas magnéticas, dissonâncias, colagens e ruídos enchem esse disco de exotismo. Aqui e acolá existe um tom estético passadista, o que é proposital. Gal Costa esbanja técnica vocal, atitude, personalidade, sensualidade e rebeldia. Esse é um disco igual, ou melhor, do que qualquer lançamento internacional do período, hoje considerados clássicos. Esse é um clássico do pop universal. As microfonias e ruídos da monumental “Cultura e Civilização” atestam o quanto esse disco é eterno, o quanto esse disco registra mais do que um lapso da história.
A faixa que abre o disco, “Cinema Olímpia”, além de ser um instantâneo da época é completamente dentro do seu tempo, a par das mais ousadas viagens musicais do universo pop. “Tuareg” é exótica, na linha das narrativas benjorgeanas, com ecos da psicodelia oriental do universo lisérgico da “Frisco” desvairada. “Cultura e Civilização” é um manifesto musical, com linhas de guitarras bem espertas e fragmentos timbrísticos que são geniais em suas despretensões, uma aula oportuna para os fritadores imbecilizados pelas vídeo-aulas. “País Tropical” ganha um arranjo meio tribal, meio minimalista. O arranjo de “Meu Nome é Gal”, com orquestra e guitarras limpas, uma mistura de musak, balada, rock, atonalismo ocasional e experimentalismo é um caso a parte.
As quatro últimas faixas do disco, “Com Medo, Com Pedro”; “The Emprty Boat”; “Objeto Sim, Objeto Não” e “Pulsars e Quasars”, é experimentalismo puro. Vocalizações alucinadas, guitarras malucas, cortes bruscos, colagens, delays reversos, montagens e desmontagens de fitas magnéticas, harmonia dissonante, ruídos e climas mais do que lisérgicos formam a desestruturação necessária do convencionalismo, o que coloca essa obra na prateleira dos discos obrigatórios. Ouvir hoje a música “Objeto Sim, Objeto Não” é ter a certeza que determinadas novidades da música pop brasileira não passam de pura presepada.
A banda
- Rogério Duprat: arranjos e direção musical
- Lanny Gordin: guitarras e baixo
- Eduardo Portes: bateria
- Diógenes Burani: bateria
- Rodolpho Grani: baixo
- Jards Macalé: violão
Em 1969 existia um quê de experimentalismo no cenário artístico mundial. O clima político-econômico insultava a juventude a criar pontes entre a preservação e a destruição. A corrida armamentista, o medo de uma hecatombe atômica e a polarização do mundo entre Comunistas e Democratas; entre conservadores e liberalistas; entre razão e sentimento; entre castidade e sexo livre; proporcionaram uma cena artística plural de encontros e desencontros, sendo a inquietação uma verdadeira palavra de ordem. No meio desse furacão criativo está o disco GAL, o primeiro individual da cantora baiana.
Lá fora a psicodelia; a contra-cultura; a desilusão da beat generation; os ruídos e as colagens da música concreta; o cinismo freak; os minimalismos; o paz e amor do flower power; o criticismo da consciência negra; as palavras incendiárias dos estudantes franceses; os conflitos armados, como a guerra do Vietnã; as reivindicações dos gays em Stone Wall; a conquista do espaço; e a barbaridade das ditaduras militares, como a brasileira, espalhadas pelo mundo, inflamavam a verve criativa da música pop. Essa é uma parte do combustível do disco de Gal Costa, que tem como contra-parte a colcha de retalhos do tropicalismo brasileiro, com suas citações da cultura kitch, da bossa nova, da pop art, da ironia do neo-antropofagismo e os reflexos fragmentados e descontínuos de resistência das raízes culturais brasileiras.
Antes mesmo de escutar qualquer faixa do disco você já pode sentir o clima experimental a partir da leitura da nota introdutória de Caetano Veloso na capa do disco, que mais parece um fragmento de um manifesto tropicalista. Os arranjos e direção musical ficaram ao encargo do excepcional Rogério Duprat, uma espécie de procurador geral da estética tropicalista. O disco conta também com a participação do querido maldito Jards Macalé, que toca violão e tem uma música sua gravada com arranjo experimental, “Pulsars e Quasars”.
A banda tem o genial guitarrista Lanny Gordin, destruindo o nexo das possibilidades harmônicas com dissonâncias poderosas e um timbre, que era na época capaz de fazer com que qualquer Jefferson Airplane, qualquer Blue Cheer ou qualquer Grateful Dead, repensassem os seus projetos psicodélicos. Munido de fuzz, wha wha, delays reversos, fitas magnéticas e solos alucinados, Lanny Gordin entra definitivamente pela porta da frente da história obrigatória da música criativa brasileira.
O repertório é baseado em composições de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Bem, além de “Meu Nome é Gal” de Roberto e Erasmo. O clima é completamente de vanguarda. Ecos, sobreposições de vozes, fitas magnéticas, dissonâncias, colagens e ruídos enchem esse disco de exotismo. Aqui e acolá existe um tom estético passadista, o que é proposital. Gal Costa esbanja técnica vocal, atitude, personalidade, sensualidade e rebeldia. Esse é um disco igual, ou melhor, do que qualquer lançamento internacional do período, hoje considerados clássicos. Esse é um clássico do pop universal. As microfonias e ruídos da monumental “Cultura e Civilização” atestam o quanto esse disco é eterno, o quanto esse disco registra mais do que um lapso da história.
A faixa que abre o disco, “Cinema Olímpia”, além de ser um instantâneo da época é completamente dentro do seu tempo, a par das mais ousadas viagens musicais do universo pop. “Tuareg” é exótica, na linha das narrativas benjorgeanas, com ecos da psicodelia oriental do universo lisérgico da “Frisco” desvairada. “Cultura e Civilização” é um manifesto musical, com linhas de guitarras bem espertas e fragmentos timbrísticos que são geniais em suas despretensões, uma aula oportuna para os fritadores imbecilizados pelas vídeo-aulas. “País Tropical” ganha um arranjo meio tribal, meio minimalista. O arranjo de “Meu Nome é Gal”, com orquestra e guitarras limpas, uma mistura de musak, balada, rock, atonalismo ocasional e experimentalismo é um caso a parte.
As quatro últimas faixas do disco, “Com Medo, Com Pedro”; “The Emprty Boat”; “Objeto Sim, Objeto Não” e “Pulsars e Quasars”, é experimentalismo puro. Vocalizações alucinadas, guitarras malucas, cortes bruscos, colagens, delays reversos, montagens e desmontagens de fitas magnéticas, harmonia dissonante, ruídos e climas mais do que lisérgicos formam a desestruturação necessária do convencionalismo, o que coloca essa obra na prateleira dos discos obrigatórios. Ouvir hoje a música “Objeto Sim, Objeto Não” é ter a certeza que determinadas novidades da música pop brasileira não passam de pura presepada.
A banda
- Rogério Duprat: arranjos e direção musical
- Lanny Gordin: guitarras e baixo
- Eduardo Portes: bateria
- Diógenes Burani: bateria
- Rodolpho Grani: baixo
- Jards Macalé: violão
Marcos Leonel
Sou woodstockiana .Adorei o texto !
ResponderExcluirLeonel: um site de cultura não o seria sem análises como esta que acabas de fazer. Ninguém viverá seu tempo plenamente sem compreender a riqueza e a aridez dos tempos vividos. Não é que o tempo presente seja uma conseqüência do passado, nem sempre o é, mas é que ao buscarmos os elementos de uma época compreendemos melhor a nossa, pois os elementos humanos estão no próprio drama da existência sobre um todo que não exatamente da mesma natureza. Outro dia, ouvindo os arranjos do tropicalismo, vendo a genialidade daqueles arranjadores e maestros paulistas, imaginei o motivo de não se usá-las até hoje. È que na verdade é como você diz, era estética e a estética se realiza com o conteúdo social, político e histórico. Por isso temos que revolver a massa da cultura brasileira, revolver sua comunicação local e regional, pois suspeito que um momento de grande expressão a qualquer momento pode acontecer.
ResponderExcluirJosé do Vale ,
ResponderExcluirDa argamassa regional , nasce um momento universal !
Ainda há pouco , almocei com Salatiel , e lembramos vocês !
Ainda há pouco assisti Carlos Lyra , na TV.
Ele cantava : "Vou embora pro meu Ceará / que lá tenho um nome ..." Acho que a música fala do nosso pau-de-arara...
Vc não deixou o Cariri , nem no último pau-de-arara... Vive entre a gente , tão intensamente , que parece ter uma rede armada, em cada alpendre das nossas casas !
Socorro e José, esse é que é o grande barato das grandes obras e dos grandes movimentos, eles não morrem nunca. É sempre doce fazer uma revisitação aos conceitos estéticos, pois nos vemos em nossa própria trajetória de descobridores. Agora mesmo eu estou ouvindo o primeiro cd de Abdoral e já estou sentindo a necessidade de revisitá-lo criticamente, pois já vejo outras ligações de dantes.
ResponderExcluirAbraços
Marcos Lewonel ,
ResponderExcluirUm dia , vc vem almoçar comigo ? risos
A panela já está no fogo !
Nunca aprendi a pensar...Ainda não existo ! Mas quero nascer um dia , entre vocês !
Abraços .
Com certeza!
ResponderExcluirFaço questão de ir.
Espero as férias, ansiosamente.
abraços