quinta-feira, 24 de julho de 2008

NÓS E OS OUTROS

Conta-se, do confronto entre nós e os outros,
sobre uma lado forte e violento, vestido na roupa de um guerreiro,

à procura de um sábio, normalmente um monge, que lhe revele a natureza exata do embate.

- Monge, pede-lhe o guerreiro, ensina-me sobre o conflito entre nós e vocês.

Em toda história, para que o ensino tenha apelo, deve o monge, ser baixo e franzino, de modo que ensina:
- Na minha consciência santa, na altura do equilíbrio de todas as coisas, não posso te reconhecer, apenas existe este estado divino entre mim e o silêncio onisciente.
- Além do mais, lutas por conquistas diárias, enquanto conquistei todas as coisas materiais e todos os caminhos até os céus.

O guerreiro fica atordoado.
Diante de si um homem sem estratégia de longo prazo, sem táticas dos pequenos avanços no terreno.
Mas, sobretudo, um conquistador soberbo e prepotente, nem mais o outropara se confrontar. Apenas existe a solidão auto-suficiente, a autonomia que exclui o outro.

Diante de tanto individualismo junto ao divino, o guerreiro grita:
- “És tu o mais potente outro. O outro que se basta, aquele para qual nós não existimos.És um porta voz do extermínio do outro”.

O monge ficou imóvel. O discurso do guerreiro se transformara em ruído de uma presença incômoda. As metralhas de sílabas resvalavam na couraça blindada de sua paz interior. A cidadela em que se encontrava poderia resistir a longo cerco, pois era feita das mais resistentes rochas que a crosta endurecida das elites históricas soldaram em metamórfica vontade. Eram pedras empilhadas com a argamassa da sabedoria iluminada, que tanto afastam os outros de nós, que se transformam em filósofos de um República Platônica.

O guerreiro apalpou-se para realçar sua presença ali.
O monge nem uma pálpebra tremia.

Se algo existe entre o guerreiro e o monge, não se percebe, sequer um sopro que mova os finos pêlos que o braço tem. Movimentos que existiriam apenas para revelar que os sopros transitam entre ambos.


Uma importante lição encabeça esse tronco entre as pessoas: mais que os espaços em que estamos ou iremos, vigem as categorias insanas entre as pessoas. Entre o guerreiro e o monge uma batuta classifica duas inconciliações, pois reduz momentos adjetivados a substantivos nominais.


A cada instante tomamos decisões sem adjetivações, apenas quando uma vez extraído o sumo decidido, poderemos traduzir o que sentimos e o que os outros sentiram. Por isso a memória, embora um defectivo do movimento que não se repete, uma espécie de salto na agulha de um disco, é tão importante para que um sopro entre nós e os outros ocorra, simplificando, arredondando a quina que rasga o sentimento de todos.


Somos portadores de sensibilidades próprias, de necessidades reservadas, que precisam da compreensão que ao mesmo tempo em que nos faz plural, compõe uma sinfonia harmônica.


Diante de uma situação inesperada, podemos reconhecer o que se esperava.
Assim, quando alguém nos ofende,podemos compreender a ofensa, nos libertando dela ao invés da prisão reacional primitiva que enjaula a vontade ao invés de renová-la.

Visitados pela calúnia, podemos transformar o embuste em pantomima de cenário farsesco .

Quando a injúria for regra da esquina, outros quarteirões poderão ser visitados, mas se é urbi et orbe, mude-se a civilização.

Diante da enfermidade inevitável, poderemos, através do outro, receber a terapia que reduza nosso sofrimento ou retarde a morte precoce.

Ante a morte de um ente querido, faça do teu sentimento o que melhor te convém para expressares que falta lhe fará ou, então, a solidão que clama por companhia.

Surpreendidos por situações, mesmo antes de classificá-la como efeito precoce ou tardio, busque ajustar teu centro ao novo ponto de gravidade.

A decisão é nossa, em companhia dos outros, nada há neste mundo que não a coletividade que se interpenetra, se adiciona e se anula.

Portanto criar é reprodução, mas sob a forma de outros, sob a égide de novos tempos, ao largo de tantos espaços.

Sua vontade é soberana sobre uma malha de pessoas.

Sua intimidade é feita de exterioridade e a externalidade é composta por ações de vontade.

Portanto a preservação da intimidade é espaço analisado e recebe de volta suas manifestações para fora.

Saia para o dia,
se
necessária a noite,
por inteiro.

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