– Estive na fazenda de Flecha, um verdadeiro latifúndio, com cerca de 30 mil hectares que ele herdou dos ancestrais.
Os ocupantes das mesas vizinhas, ao ouvirem o tamanho da fazenda, ficaram atônitos e começaram a prestar atenção no papo. Ao ser perguntado o que Flecha plantava o amigo respondeu:
–Não planta nada, a não ser uns pés de mandioca. O que ele faz mesmo é serrar madeiras de lei para vender.
Ouviu-se um burburinho ao redor e todos apuraram os ouvidos para acompanhar a conversa. Numa mesa próxima estavam quatro barbudos que já externavam um olhar de ódio. Enquanto isso, o amigo de Henrique falou:
– Nunca tive um fim de semana tão bom. fui caçar com flecha, matamos um jacaré e uma capivara. Na volta pegamos alguns palmitos e fizemos um churrasco para o almoço usando pau-brasil como lenha.
Henrique ainda argumentou que isso é crime inafiançável, mas seu amigo retrucou:
–Não se preocupe, a Flecha é fazendeiro poderoso!
Ao ouvirem isso os quatro barbudos se levantaram indignados e partiram para a mesa de Henrique. O primeiro barbudo foi logo dizendo que era de um partido de esquerda e foi enfático:
– É um absurdo isso. Enquanto milhões morrem de fome, sem ter onde plantar, esse opressor dos pobres tem 30 mil hectares improdutivos. Precisamos invadir a terra desse latifundiário.
O amigo de Henrique ainda abriu a boca para dizer que invadir terras é ilegal (ainda que sejam improdutivas) e perguntou onde estavam os cadáveres dos milhões vítimas da fome, mas foi calado pelo segundo barbudo (que disse pertencer a uma ONG ecológica) aos gritos:
– Vamos descobrir onde mora esse seu amigo Flecha e vamos mandar prende-lo, pois além de latifundiário é um predador da natureza.
O terceiro barbudo entrou em cena e falou com voz calma:
– Deus não deixou escritura para ninguém; a terra é de quem nela trabalha; os primeiros cristãos dividiam tudo. Estudei a Teologia da Libertação e precisamos difundi-la para conscientizar o povo explorado pelos latifundiários.
Antes que o amigo de Henrique pudesse falar, berrou o quarto barbudo:
– A reforma agrária tem que ser feita a qualquer preço, na lei ou na marra! Vamos invadir essa fazenda para pressionar o governo a agilizá-la...
Só então o amigo de Henrique conseguiu explicar:
– O Flecha é um índio...
Ao saberem que o latifúndio era uma das inúmeras áreas demarcadas, os quatro barbudos se acalmaram. Ah bom! E passaram a defender o direito dos índios terem vastas extensões de terra. Índio pode! Não pode é o Cara Pálida! Esqueceram até que Deus não tinha deixado escritura para ninguém. Quem acompanhou toda a conversa comprovou: tudo que os barbudos falaram antes era pura demagogia...
Armando Lopes Rafael
Ainda bem, não é Armando, que a questão indígena continua sendo uma questão destas populações. Nem será de barbudos e nem de latifundiários. Nenhuma parábola, seja ela para que lição tenha, substituirá a verdade das populações indígenas. Assim como os eventuais problemas da agricultura familiar poderão justificar a hegemonia do agronegócio inclusive nos seus problemas ambientais. O único problema de histórias como esta é que geralmente justificam a perseguição do lado mais fraco da corda. Imagine como não é possível atacar os ideais cristãos com base em eventuais comportamentos da igreja como um todo ou de alguns padres ou freiras.
ResponderExcluirabraços
José do Vale