domingo, 19 de outubro de 2008


Procuro aurora. Onde é que encontrarei a louca e bêbada boreal? De cima da bicicleta vi quando o carro veio em alta velocidade. Era lógico que ele não ia conseguir fazer a curva. O carro bateu na guia da calçada. Por um momento, era como se não houvesse gravidade. Ele girou no ar por alguns segundos, e pousou. Caiu. Pedaços misturados de ferro, velocidade e gente. Um ipod amarrado nas orelhas soltas. Sem dono. Pego. Escuto: “esse é o ninho do passarinho, que já nasce voando sem asas”. Casa das máquinas. Cinco e meia da manhã. Boreal. O acidente decreta o feriado. Ontem a noite aurora me disse, com raiva: “não traduza minhas palavras como se fossem canções desses fudidos norte-americanos. Pelo menos uma vez, diga a verdade”. Não ligo. Puxo meu revólver língua e disparo seis mentiras metálicas e super modernas. Boreal retruca: “você sôa falso. Como um tenor castrado. Como a voz dos desenhos animados. Você é um... Mickey. Não. Você é um pateta”. Rio. Gosto de rir quando ela explode seus molotovs arquétipos. Ela pede ao garçom um copo de silêncio e o saboreia com vagar. Eu, gargarejo cacos de anoitecer. Subo na bicicleta. Procuro nos bares que ainda estão abertos. Aurora. Aurora. Lá está ela. Jogando pedaços de sol em minha janela mal lavada. Penso em contar do acidente. Da música. “essa é a semente da nova terra, essa é a bomba que acaba com a guerra”. Não preciso. Ela vai embora quando me vê. Grito: os cegos, coitados! Não sabem das borboletas. Nem sonham arco íris. Boreal...boreal...

4 comentários:

  1. Nem preciso mais dizer da alegria de me deparar com estes seus textos por aqui. De quando em vez, quando falta , busco no Séquiço Sacro.
    Um abraçoa fraternal.

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  2. Pessoal seguramente um dos melhores textos que este blog brotou pelas teclas do Lupeu. Para não ficar num oba oba, um exemplo: um copo de silêncio que bebeu com vagar. Existe algo mais contundente para o outro que este silêncio introvertido de um líquido que transforma e ainda mais com vagar.

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  3. grande salatiel. saborear o prazer de escrever algo legal e compartilhar na cariricult é ducaralho. é me sentir perto de voc~es, minha tribo, minha oca, a parte mais doce da minha vida.

    zé do vale do cariri. pinheiro frondoso. sempre com palavras entremeadas de "vá em frente". sem falsa modéstia, também gostei do texto. mas só vi a imagem "um copo de silêncio" quando você me mostrou. logo, co-autor. um grande abraço sempre.

    socorro querida. parte boreal desse microconto. onde todas as minhas mulheres se mesclam nessa aurora boreal sem meias palavras. um beijo. você arrasa sempre.

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