Mesmo uma viagem ao Japão não serve mais como referência. Do Japão conhecemos fotos e fotos, imagens de todas as ilhas, entre as Américas e seu arquipélago, apenas 10 horas de viagem. O Japão não pode ser avocado para um paralelo o quanto as distâncias eram distantes. O litoral era mais diferente que outras galáxias, quando muito um búzio segurando uma porta no qual se ouvia o barulho do mar. Deste nem o salgado do mar, as marés e o volume descomunal das águas. A distância era tão distante que entre o Crato e Juazeiro da Bahia levei mais de 24 horas na primeira vez que fui.
Viajei com meu pai. Como é bom viajar com o pai. Ele parece amansar, talvez a insegurança da ausência do lar os deixe mais dócil com as bobagens de criança. Ficamos mais audíveis e participamos de maior diálogo. Não é apenas faça, por que não fez, agora podemos até falar de suas experiências, do tempo que morou em Juazeiro, Remanso e Bonfim. Saímos do Crato até Juazeiro do Norte e lá pegamos um ônibus para Salgueiro. A viagem começou às 13 horas e terminou aí entre 18 para 19 horas. Dormimos numa pensão, em redes, com quartos acomodando vários hóspedes, de meia parede, com tosses, roncos e pigarros. Pela manhã um café com cuscuz e carne assada de bode. Depois para o posto fiscal a busca de um caminhão que nos transportasse. Eu tinha nove anos de idade e viajamos sobre uma carga coberta por lona por todo o dia, parando em pensões de beira de estrada para almoçar. Lembro muito dos cabritos na borda do corte da estrada. O sertão plano e a estrada reta.
Finalmente o grande evento. Meu pai já me preparara para a emoção. A primeira vez que surgiram, de forma inicialmente fugidia atrás dos morros, as torres da Catedral de Petrolina. Parecida com a figura da Catedral de Colônia, isto pela imagem do sabonete. Então a ponte, o imenso Rio São Francisco. Estamos hospedados na casa de um irmão simbólico do meu pai, Raimundo Libório, que tinha uma loja de couros na cidade de Juazeiro da Bahia. Imaginem o quanto Juazeiro me era fenomenal.
Primeiro, considerem que morava num sítio, sem luz elétrica, água encanada, longe da estrada e imerso de sons rurais. Então estou hospedado na praça da frente da Catedral de Juazeiro da Bahia, do outro lado da praça ficava a casa do João Gilberto e o pai dele sempre na janela com um gorro, razão pela qual minhas primas o chamavam "Goleiro". Juazeiro da Bahia era então o ponto mais avançado da civilização, um ponto final de uma navegação a estilo Mississipi. Mercadoria de variedade, cervejas que nunca vira, refrigerantes também. Só a chegada do Vapor valia por algo como um circo eventualmente no Crato. E eram vapores de nomes almirantados e presidenciais. E tinha mais. O meu pai tinha um conjunto de primos, todos comerciantes, de sobrenome Libório, com comércio variado: curtumes, loja de couros, automóveis, aparelhos domésticos, camisarias. E fazer parte deste mundo era muito mais que minha infância rural jamais imaginaria.
Agora alguns sentimentos. A rua da Apolo. A Apolo era o clube social principal de Juazeiro, nele me acabei em paixões tão intensas que jamais imaginei terem fim. Como a Dayse e minha primeira namoradinha: a Cida. Cida nunca soube quão trágico foi nosso namoro: eu tinha 16 anos e foi em Juazeiro, após um final de semana num sitio no Salitre que recebi a notícia da morte da minha mãe. Mas o Salitre é o território de mais belo contraste que já vi até hoje: vai do mais árido sertão ao mais irrigado perímetro de uvas e frutas. O Salitre, dizem, estaria na raiva baiana com a transposição do São Francisco, pois lá se estimaria grande recurso financeiro para um projeto de irrigação. Na desembocadura do rio Salitre foi cometido um dos maiores crimes da colonização pecuária quando forças da famosa Casa da Torre dizimou mais de quinhentas pessoas, entre mulheres e crianças, de tribos indígenas. Mas eu queria era falar da rua da Apolo.
Nem dois quarteirões e já estávamos na rua da Apolo. Passávamos na sorveteria que ficava numa esquina para uma pequena praça, depois vinha o cinema. O cinema a dois passos de casa, sem limites e na companhia de uma mor de meninos e meninas. A rua era o coração de Juazeiro, lojas finas, comércio intenso, pessoas transitando nas duas mãos, carros atrás um do outro. No final da rua, uma outra praça e ficava a Camisaria de José Pergentino. Era da família e até hoje não sei de algo mais organizado que uma camisaria. A perfeição com que as peças eram sacadas dos sacos de plásticos, examinadas e depois preciosamente dobradas como anteriormente, com mãos espalmadas feito um ferro de engomar. Na pracinha ficava uma baiana vendendo os melhores acarajés e abarás que até hoje já comi. Logo depois da praça estávamos praticamente à vista para o cais do Rio, com vistas para a famosa ponte e a cidade de Petrolina.
A ponte é de fato uma promessa de engenharia: veículos automotores, trem e a parte elevadiça para a altura dos vapores. Além do mais tem a ilha do fogo, onde o rio é mais bonito, as duas cidades são bandas distintas e nossos corações adolescentes, entre uma foto e outra, tentava se fundir ao outro. Em Juazeiro tomei meus primeiros porres em companhia dos adultos boêmios da família. Andei de bicicleta por todos os cantos, desde a faculdade de Agronomia até a outra banda. Desde o caís do rio até a Piranga. E esperem, não avaliem pela atual Juazeiro, Piranga era quase um bairro separado da cidade. Lembro muito bem de ouvir os jogos do Bahia, numa época em que ele se destacara ali pelos anos 60. Ouvindo as rádios de Salvador e a propaganda do Guaraná Fratelli Vita, mas claro ouvindo os discos de Waldir Calmon. De fato só posso dizer que sou de Juazeiro e Petrolina também.
Viajei com meu pai. Como é bom viajar com o pai. Ele parece amansar, talvez a insegurança da ausência do lar os deixe mais dócil com as bobagens de criança. Ficamos mais audíveis e participamos de maior diálogo. Não é apenas faça, por que não fez, agora podemos até falar de suas experiências, do tempo que morou em Juazeiro, Remanso e Bonfim. Saímos do Crato até Juazeiro do Norte e lá pegamos um ônibus para Salgueiro. A viagem começou às 13 horas e terminou aí entre 18 para 19 horas. Dormimos numa pensão, em redes, com quartos acomodando vários hóspedes, de meia parede, com tosses, roncos e pigarros. Pela manhã um café com cuscuz e carne assada de bode. Depois para o posto fiscal a busca de um caminhão que nos transportasse. Eu tinha nove anos de idade e viajamos sobre uma carga coberta por lona por todo o dia, parando em pensões de beira de estrada para almoçar. Lembro muito dos cabritos na borda do corte da estrada. O sertão plano e a estrada reta.
Finalmente o grande evento. Meu pai já me preparara para a emoção. A primeira vez que surgiram, de forma inicialmente fugidia atrás dos morros, as torres da Catedral de Petrolina. Parecida com a figura da Catedral de Colônia, isto pela imagem do sabonete. Então a ponte, o imenso Rio São Francisco. Estamos hospedados na casa de um irmão simbólico do meu pai, Raimundo Libório, que tinha uma loja de couros na cidade de Juazeiro da Bahia. Imaginem o quanto Juazeiro me era fenomenal.
Primeiro, considerem que morava num sítio, sem luz elétrica, água encanada, longe da estrada e imerso de sons rurais. Então estou hospedado na praça da frente da Catedral de Juazeiro da Bahia, do outro lado da praça ficava a casa do João Gilberto e o pai dele sempre na janela com um gorro, razão pela qual minhas primas o chamavam "Goleiro". Juazeiro da Bahia era então o ponto mais avançado da civilização, um ponto final de uma navegação a estilo Mississipi. Mercadoria de variedade, cervejas que nunca vira, refrigerantes também. Só a chegada do Vapor valia por algo como um circo eventualmente no Crato. E eram vapores de nomes almirantados e presidenciais. E tinha mais. O meu pai tinha um conjunto de primos, todos comerciantes, de sobrenome Libório, com comércio variado: curtumes, loja de couros, automóveis, aparelhos domésticos, camisarias. E fazer parte deste mundo era muito mais que minha infância rural jamais imaginaria.
Agora alguns sentimentos. A rua da Apolo. A Apolo era o clube social principal de Juazeiro, nele me acabei em paixões tão intensas que jamais imaginei terem fim. Como a Dayse e minha primeira namoradinha: a Cida. Cida nunca soube quão trágico foi nosso namoro: eu tinha 16 anos e foi em Juazeiro, após um final de semana num sitio no Salitre que recebi a notícia da morte da minha mãe. Mas o Salitre é o território de mais belo contraste que já vi até hoje: vai do mais árido sertão ao mais irrigado perímetro de uvas e frutas. O Salitre, dizem, estaria na raiva baiana com a transposição do São Francisco, pois lá se estimaria grande recurso financeiro para um projeto de irrigação. Na desembocadura do rio Salitre foi cometido um dos maiores crimes da colonização pecuária quando forças da famosa Casa da Torre dizimou mais de quinhentas pessoas, entre mulheres e crianças, de tribos indígenas. Mas eu queria era falar da rua da Apolo.
Nem dois quarteirões e já estávamos na rua da Apolo. Passávamos na sorveteria que ficava numa esquina para uma pequena praça, depois vinha o cinema. O cinema a dois passos de casa, sem limites e na companhia de uma mor de meninos e meninas. A rua era o coração de Juazeiro, lojas finas, comércio intenso, pessoas transitando nas duas mãos, carros atrás um do outro. No final da rua, uma outra praça e ficava a Camisaria de José Pergentino. Era da família e até hoje não sei de algo mais organizado que uma camisaria. A perfeição com que as peças eram sacadas dos sacos de plásticos, examinadas e depois preciosamente dobradas como anteriormente, com mãos espalmadas feito um ferro de engomar. Na pracinha ficava uma baiana vendendo os melhores acarajés e abarás que até hoje já comi. Logo depois da praça estávamos praticamente à vista para o cais do Rio, com vistas para a famosa ponte e a cidade de Petrolina.
A ponte é de fato uma promessa de engenharia: veículos automotores, trem e a parte elevadiça para a altura dos vapores. Além do mais tem a ilha do fogo, onde o rio é mais bonito, as duas cidades são bandas distintas e nossos corações adolescentes, entre uma foto e outra, tentava se fundir ao outro. Em Juazeiro tomei meus primeiros porres em companhia dos adultos boêmios da família. Andei de bicicleta por todos os cantos, desde a faculdade de Agronomia até a outra banda. Desde o caís do rio até a Piranga. E esperem, não avaliem pela atual Juazeiro, Piranga era quase um bairro separado da cidade. Lembro muito bem de ouvir os jogos do Bahia, numa época em que ele se destacara ali pelos anos 60. Ouvindo as rádios de Salvador e a propaganda do Guaraná Fratelli Vita, mas claro ouvindo os discos de Waldir Calmon. De fato só posso dizer que sou de Juazeiro e Petrolina também.
Narrativa musical ... banda cabaçal. Acordou lembranças ...Algumas alegres , outras tocantes !
ResponderExcluirNobre escritor, vou dormir ao som de Waldir Calmon !
Conheci Petrolina em 1964. Excursão a Salvador , sétima série de ginásio. Dormimos por lá. Dia seguinte , depois do almoço , pegamos o trem noturno para Salvador.
ResponderExcluirPassamos uma semana entre igrejas , mosteiros , museus , praias , etc,etc. Gastei minha grana com souvenirs no Mercado Modelo. E daí , peguei o trem de volta , sem um centavo na bolsa. Uma noite e um dia de viagem de trem... Nem água mineral. Quando à noitinha chegamos em Petrolina para jantar e dormir , eu estava quase desfalecida de fome. O jantar ficou pronto. Quando sentei-me à mesa , o menu era arroz branco com fígado ao molho. Eu nunca suportara fígado. Sentia náseas só de pensar. Pois então... sentei, comi , e repeti , pelo menos três vezes. Foi o prato mais delicioso que provei , em toda a minha vida. Inesquecível , o sabor da fome. Bem que dizia meu pai... A comida mais gostosa é aquela que a gente come com fome.
Pois é , passei fome , literalmente , uma vez na minha vida... e quem matou minha fome foi Petrolina !
Anos depois , morando em Salvador , transitei a ponte Petrolina/Juazeiro , mil vezes ... Era como se entrasse num país , e saisse num outro ...
"Quando um rio separa , uma ponte une"!
Zé do Vale tem o poder de desengavetar nossas viagens pela vida ...
* náuseas.
ResponderExcluirJosé do Vale só estive em Juazeiro quando tinha 15 anos e vim para Salvador com Teodorico (filho de seu Teodorico da farmácia). Quando li seu texto (e os comentários de Socorro Moreira) pensei na coincidência de ter ser chamado hoje para fazer a avaliação do Curso de Comunicação da Uneb de Juazeiro agora no começo de dezembro. 37 anos depois vou rever uma cidade que ao mesmo tempo era tão perto e tão longe de Crato. Suas memórias vão me ajudar a rever a cidade.
ResponderExcluirEsse é o dom do poeta: fazer com que as suas memórias sejam as nossas. Grande escritor, você me fez passear não só pela estrada, povoados e cidades, mas também pela sua própria infância.
ResponderExcluirabraços