Eis que não é fácil dizer fácil. Claro que em se tratando de um adjetivo, o substantivo ou a situação qualificada já nos oferece um norte. Mas só para o conceito de fácil encontraremos seis ou oito acepções. O que não se dizer da palavra humilde?
Humilde é uma das palavras em que os falares mais se distanciaram da sua verdadeira raiz. Pois quase todas as suas acepções são negativas: manifesta sentimentos de fraqueza ou modéstia; ou que reflete deferência ou submissão; inferior na hierarquia ou na escala; de pouca importância ou brilho ou realce; apagado, despretensioso, simples; aquele que pertence às classes inferiores, pobre, plebeu. Poucas virtudes nas acepções da palavra como a de reconhecer as próprias limitações. Sem contar que por semelhança à pobreza, a humildade se associe aos monges que abandonaram os enfeites da riqueza, à semelhança dos franciscanos (e o dos quais o cardinalício se vingou através da ordem montando as igrejas mais pujantes em riqueza, ouro e brilho).
Mas para minha surpresa a etimologia da palavra revela o quanto os valores da opulência deturparam o humilde. Melhor dizendo os valores da civilização greco-latina. Ao estabelecer estes valores as simbologias que melhor os representou foram os conceitos centrais de tais civilizações elevados aos céus e tornados divinos. Aí começou a tragédia do homem e da terra. Ambos reduzidos ao baixo, ao rés em oposição ao elevado. O elevado virtualmente danoso ao contorno planetário deste ser que se imagina racional, libertário e detentor de seu destino. Acompanhem-me.
Em primeiro lugar não vá à origem da palavra humilde, pois nela encontrarás o conceito verdadeiro já em decomposição pela oposição ao elevado. Neste patamar apenas encontrarás o baixo, pequena elevação, pouca estatura, abatimento, sentimentos modestos. Não sendo aí, vá à raiz do antepositivo hum- e nele encontrarás a mais bela filosofia: humus.
O lugar de realização de nossa existência. Pois humus é o termo com o mesmo significado de tellus e terra. Humus é aquele que permanece na terra. Que dela não se eleva. E desta realidade de raiz, do chão que embasa tudo o mais, da verdade sólida em que os alimentos nascem, de onde os pássaros voam e as águas se sedimentam. Humus o princípio, o sustentáculo de teu porte bípede, a força que a todos nós atrai. Humus, a filosofia da base de todos os conceitos.
Mas tem mais. Existe uma cognação entre humus e homo. Pois o homem é o habitante de humus e aos deuses se opõem assim como aos outros seres. Por isso desde antes, agora e para depois, a humildade é a mais legítima natureza entre os homens e seu horizonte terrestre. A verdade primeira em que tudo se torna apropriado ao que é. Não existe a fé como ferramenta utilitarista, a humildade para angariar simpatia, a pregação como louvor às alturas em detrimento do chão.
Eis que naqueles tempos idos, metade de um passo foi sobre a hum(ildade) do homem. Mais não podia, pois de um lado tribal se encontrava a unicidade da elevação originária da mesopotâmia e do outro o logos das cidades gregas.
Humilde é uma das palavras em que os falares mais se distanciaram da sua verdadeira raiz. Pois quase todas as suas acepções são negativas: manifesta sentimentos de fraqueza ou modéstia; ou que reflete deferência ou submissão; inferior na hierarquia ou na escala; de pouca importância ou brilho ou realce; apagado, despretensioso, simples; aquele que pertence às classes inferiores, pobre, plebeu. Poucas virtudes nas acepções da palavra como a de reconhecer as próprias limitações. Sem contar que por semelhança à pobreza, a humildade se associe aos monges que abandonaram os enfeites da riqueza, à semelhança dos franciscanos (e o dos quais o cardinalício se vingou através da ordem montando as igrejas mais pujantes em riqueza, ouro e brilho).
Mas para minha surpresa a etimologia da palavra revela o quanto os valores da opulência deturparam o humilde. Melhor dizendo os valores da civilização greco-latina. Ao estabelecer estes valores as simbologias que melhor os representou foram os conceitos centrais de tais civilizações elevados aos céus e tornados divinos. Aí começou a tragédia do homem e da terra. Ambos reduzidos ao baixo, ao rés em oposição ao elevado. O elevado virtualmente danoso ao contorno planetário deste ser que se imagina racional, libertário e detentor de seu destino. Acompanhem-me.
Em primeiro lugar não vá à origem da palavra humilde, pois nela encontrarás o conceito verdadeiro já em decomposição pela oposição ao elevado. Neste patamar apenas encontrarás o baixo, pequena elevação, pouca estatura, abatimento, sentimentos modestos. Não sendo aí, vá à raiz do antepositivo hum- e nele encontrarás a mais bela filosofia: humus.
O lugar de realização de nossa existência. Pois humus é o termo com o mesmo significado de tellus e terra. Humus é aquele que permanece na terra. Que dela não se eleva. E desta realidade de raiz, do chão que embasa tudo o mais, da verdade sólida em que os alimentos nascem, de onde os pássaros voam e as águas se sedimentam. Humus o princípio, o sustentáculo de teu porte bípede, a força que a todos nós atrai. Humus, a filosofia da base de todos os conceitos.
Mas tem mais. Existe uma cognação entre humus e homo. Pois o homem é o habitante de humus e aos deuses se opõem assim como aos outros seres. Por isso desde antes, agora e para depois, a humildade é a mais legítima natureza entre os homens e seu horizonte terrestre. A verdade primeira em que tudo se torna apropriado ao que é. Não existe a fé como ferramenta utilitarista, a humildade para angariar simpatia, a pregação como louvor às alturas em detrimento do chão.
Eis que naqueles tempos idos, metade de um passo foi sobre a hum(ildade) do homem. Mais não podia, pois de um lado tribal se encontrava a unicidade da elevação originária da mesopotâmia e do outro o logos das cidades gregas.
Doutor ,
ResponderExcluirTomei garapa de açúcar para espalhar o sangue.
Li a bula. Sem contra-indicações, mas com efeitos colaterais.
Pretendo administrar o ensinamento , numa solução de chá mate. Usar e abusar, com uns pingos de limão.
O mundo das letras é muito louco.
Meu filho dizia-me , ainda há pouco :
" Não existe um vigia para cada louco.Os loucos não se unem. Cada um , vive no seu próprio mundo."
Sai do texto do Melgaço para o teu... Depois dei de cara com Domingos e Lupeu...
Danado é que me acho , um mínimo , em cada espaço...
Se provocam-me surtos , mesmo assim , absorvo todos os conteúdos !
Depois da pausa , fico escorrengando em letras , tentando fragmentá-las , transformá-las em pontos de compreensão e aprendizagem...agora só me resta digerir tudo ... E, antes de dormir , ler um poema de Neruda.
Entre vocês encontro meus ecos, e estabeleço elos.
Vocês não são narcisos , nos espelhos. Aprecio delírios , e espelho-me , em vocês !
Aqui todos os rítmos existem...
- É só dançar , e aproveitar o baile... o Bar ou café literário.
Obrigada , por todos os parágrafos que já recebi de você , e de todos.
Diz a lenda que existe um Planeta Humus e que muitos de seus habitantes vieram e ficaram na Terra. Pouco se sabe deles, mas é saber comum que os Humitas são muito autoritários.
ResponderExcluirE agora leio e saboreio seu texto e entendo tudo que os Humitas vieram aprender na Terra - humildade.
Humildade
ResponderExcluirJornal da Terceira Idade - agosto de 2011
Roberto Schoueri Junior
diretor do hospital REGER de São José dos Campos, no interior de São Paulo. roberto@hospitalreger.com.br
Logo cedo, ao cumprimentar meu paciente na UTI, ele me respondeu: “Doutor, não queira envelhecer. E tão humilhante!”
Deu-me então a deixa para conversarmos um pouco sobre a experiência de ser cuidado, de perder a pose, de receber ao invés de dar. Ora, se dar aos outros é um movimento bom, caritativo, tem que ser bom para ambos os lados, portanto receber também é bom; é o outro lado da mesma ação boa.
A raiz da palavra humilhante é a mesma da palavra humildade; será que tornar-se mais humilde, menos onipotente nos diminui tanto assim? Será que ao nos aproximarmos da morte, pelo menos aí, não é a hora de sermos humildes, como na lição do lava pés?
Ele pensou, refletiu, mas não sei se convenceu muito. Aprendemos apenas a viver, a sermos potentes, a impotência deve sempre ser extirpada, como um tumor que nos mata. O instinto da vida nos obriga a sermos cegos diante da realidade da morte.
Durante a vida, falta em nosso aparelho psíquico este chip, esta possibilidade de pensar e sentir a morte. Esse paciente tinha uma insuficiência respiratória crônica. Ex-tabagista, oxigênio domiciliar, múltiplas internações na UTI. O cuidado paliativo aí se impunha. Ele estava ciente do fim, da perda gradativa da vitalidade. A experiência de morrer, porém, está envolta em uma dor necessária, afinal como se desenraizar da vida sem dor, sem chorar a perda?
Na experiência de nascer, à dor do canal do parto se segue a ânsia de viver ou, para a mãe, de dar à luz. Já no “canal de partirmos” o Consolo é menor. Não são os ligamentos que se afrouxam para a passagem do concepto — são as ligações amorosas que têm que ser afrouxadas nos momentos de despedida, um desprendimento mútuo.
Morrer é uma experiência solitária, corajosa.
A depressão que envolve o final da vida é atenuada pelos antidepressivos que, ao atenuar as emoções permitem que o sofrimento seja mais aceitável, mais administrável, sem a perda da dignidade, com a manutenção da integridade psíquica.
Assim também a analgesia competente, as intervenções cirúrgicas cuidadosas, econômicas, o cuidado proporcional à situação vivida. Neste momento, exige-se do médico competência e delicadeza, Sedare dolorem opus divinum est — e esta tem sido nossa crença, nossa missão.
Porém, como nascer sem dor física?
Como descaracterizar o parto natural, a necessidade de o concepto, ( termo genérico aplicado ao produto da concepção (excluídos os anexos embrionários ou fetais), em qualquer fase da gravidez e no pós parto imediato) ao passar pelo canal do parto, expulsar o líquido dos pulmões?
Como morrer sem dor psíquica?
Ao perceber-se morrendo, ao despedir-se da vida, dos amores, das alegrias, como não chorar?
A depressão crônica, as perdas mal resolvidas (adeus mundo cruel!), são contingências da vida, todos temos sucessos e insucessos; cabe a cada um de nós vivermos com a clara noção de nossa fragilidade, como se a morte fosse nos encontrar a cada dia.
Nessa situação, somos o parteiro, o que ajuda a parir o concepto, ou o que ajuda no momento de partir o moribundo.
Um pouco de empatia, um pouco de experiência, outro tanto de paciência, humildade, compartilhamento, incerteza, tudo junto pode tornar esta experiência um pouco menos dolorosa, diminuir a dor, mesmo que não seja possível aboli-la, aliviar o sofrimento, não anestesiá-lo, permitindo ao nosso paciente idoso saber que está morrendo, assim como permitimo-lhe chorar ao nascer
Jornal da 3a Idade ISSN 1809-2527
A experiência da morte vista com serenidade
ResponderExcluirJornal da Terceira Idade - agosto de 2011
Roberto Schoueri Junior
diretor do hospital REGER de São José dos Campos, no interior de São Paulo. roberto@hospitalreger.com.br
Logo cedo, ao cumprimentar meu paciente na UTI, ele me respondeu: “Doutor, não queira envelhecer. E tão humilhante!”
Deu-me então a deixa para conversarmos um pouco sobre a experiência de ser cuidado, de perder a pose, de receber ao invés de dar. Ora, se dar aos outros é um movimento bom, caritativo, tem que ser bom para ambos os lados, portanto receber também é bom; é o outro lado da mesma ação boa.
A raiz da palavra humilhante é a mesma da palavra humildade; será que tornar-se mais humilde, menos onipotente nos diminui tanto assim? Será que ao nos aproximarmos da morte, pelo menos aí, não é a hora de sermos humildes, como na lição do lava pés?
Ele pensou, refletiu, mas não sei se convenceu muito. Aprendemos apenas a viver, a sermos potentes, a impotência deve sempre ser extirpada, como um tumor que nos mata. O instinto da vida nos obriga a sermos cegos diante da realidade da morte.
Durante a vida, falta em nosso aparelho psíquico este chip, esta possibilidade de pensar e sentir a morte. Esse paciente tinha uma insuficiência respiratória crônica. Ex-tabagista, oxigênio domiciliar, múltiplas internações na UTI. O cuidado paliativo aí se impunha. Ele estava ciente do fim, da perda gradativa da vitalidade. A experiência de morrer, porém, está envolta em uma dor necessária, afinal como se desenraizar da vida sem dor, sem chorar a perda?
Na experiência de nascer, à dor do canal do parto se segue a ânsia de viver ou, para a mãe, de dar à luz. Já no “canal de partirmos” o Consolo é menor. Não são os ligamentos que se afrouxam para a passagem do concepto — são as ligações amorosas que têm que ser afrouxadas nos momentos de despedida, um desprendimento mútuo.
Morrer é uma experiência solitária, corajosa.
A depressão que envolve o final da vida é atenuada pelos antidepressivos que, ao atenuar as emoções permitem que o sofrimento seja mais aceitável, mais administrável, sem a perda da dignidade, com a manutenção da integridade psíquica.
Assim também a analgesia competente, as intervenções cirúrgicas cuidadosas, econômicas, o cuidado proporcional à situação vivida. Neste momento, exige-se do médico competência e delicadeza, Sedare dolorem opus divinum est — e esta tem sido nossa crença, nossa missão.
Porém, como nascer sem dor física?
Como descaracterizar o parto natural, a necessidade de o concepto, ( termo genérico aplicado ao produto da concepção (excluídos os anexos embrionários ou fetais), em qualquer fase da gravidez e no pós parto imediato) ao passar pelo canal do parto, expulsar o líquido dos pulmões?
Como morrer sem dor psíquica?
Ao perceber-se morrendo, ao despedir-se da vida, dos amores, das alegrias, como não chorar?
A depressão crônica, as perdas mal resolvidas (adeus mundo cruel!), são contingências da vida, todos temos sucessos e insucessos; cabe a cada um de nós vivermos com a clara noção de nossa fragilidade, como se a morte fosse nos encontrar a cada dia.
Nessa situação, somos o parteiro, o que ajuda a parir o concepto, ou o que ajuda no momento de partir o moribundo.
Um pouco de empatia, um pouco de experiência, outro tanto de paciência, humildade, compartilhamento, incerteza, tudo junto pode tornar esta experiência um pouco menos dolorosa, diminuir a dor, mesmo que não seja possível aboli-la, aliviar o sofrimento, não anestesiá-lo, permitindo ao nosso paciente idoso saber que está morrendo, assim como permitimo-lhe chorar ao nascer
Jornal da 3a Idade ISSN 1809-2527