sexta-feira, 6 de março de 2009

Eu fiz pior



Ontem, em meio ao marasmo da programação da tv aberta, parei de zapear os canais com ajuda do controle remoto e me detive em um programa que apresentava um show de um senhor de barbas e cabelos grisalhos, ambos curtos, numa espécie de feira livre. Reconheci de imediato o lugar: Recife. Em seguida, identifiquei o cantor: Lula Cortes. Isso por conta, e tão somente, da sua voz cada vez mais rouca e do seu estilo de cantar meio que declamado; além, é claro, das letras cada vez mais instigantes e corrosivas de suas músicas.

Infelizmente, o programa estava terminando e só deu pra ouvir cerca de três músicas. Mas, a última delas, Eu Fiz Pior, creio, valeu por todas as não ouvidas.

Eis a letra:

"Eu andava insatisfeito
Sem resolver direito

Sem dar um rumo à minha vida

Sozinho, desconfiado

Com o povo acostumado

Com aquela mesma coisa antiga

"Assim posto de lado
Com o destino traçado
De nunca ser reconhecido
Enquanto eu me calava
O povo se danava
No zum do fim de um coletivo

"Eu fiz pior!
Gravei outro cd sem levar nem um tiro
Muito pior!
Parei de tomar droga e fui fazer retiro

"Meus parceiros, entre aspas
Meus cúmplices de nada
Cem críticos de arte que nem tinham emprego
Chegavam nos jornais
Com papo de manchete
Achando que uma enquete me faria medo

"Eu fiz pior!
Mandei pra redação minha fotografia
Muito pior!
Respondi com poema de pornografia.

"Má Companhia...

"Um policial armado
Achando que tem pique
Outro de paletó, achando que era chic
Os dois tão deslocados,
Olhando pro meu lado
Achando que festa de rock é pic nic

"Eu fiz pior!
Pulei do palco e me meti na vida
Muito pior!
Sujei de sangue minha melhor camisa

"Sozinho, ressabiado
Só tendo do meu lado
A turma efervecente dessa banda amiga
E um homem de negócio
Fingindo ser meu sócio
Soltando a cachorrada
Atrás da minha tripa

"Eu fiz pior!
Saltei como no circo em cada armadilha
Muito pior!
É só por isso que meu nome ainda brilha.

"Eu fiz pior!
Pulei do palco e me meti na vida
Muito pior!
É só por isso que meu nome ainda brilha.
Eu fiz pior!"

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É o velho Lula Cortes velho, mas ainda pro gasto e pro gosto.

P.S.: O programa em referência é o Som na Rural, da TV Brasil. Sobre ele, capturei o seguinte release:

"Nesta quinta-feira (05/03), a atração do Som na Rural é Lula Cortês, um homem que sempre dividiu seu tempo entre a pintura, a literatura e a música. Nos anos 1970, Lula foi o guru da turma do "udigrudi" pernambucano e um dos primeiros compositores a fundir ritmos regionais nordestinos com o rock and roll. Seu disco de estréia, Satwa, de 1973, feito em parceria com o cartunista Lailson, é considerado o primeiro LP independente gravado no Brasil. Não bastasse isso, Lula Côrtes também assinou com Zé Ramalho o psicodélico Paêbiru, de 1975, considerado, atualmente, o LP mais raro — e mais caro — do Brasil.

"Gravado no Pátio do Carmo, no centro de Recife, Lula Côrtes fez sua apresentação para o Som na Rural acompanhado pela banda Má Companhia e mostrou seis músicas de seu repertório. O programa começa com O Clone, sexta faixa do CD A Vida não é Sopa, lançado em 2006. O Clone é um rock-melodia, que fala sobre as pessoas que trabalham tocando e cantando na noite. Na seqüência, Lula Côrtes e a Má Companhia tocam Maracatu do Robocop. Depois é a vez de A Tirana, música gravada em 1995 no estúdio do guitarrista Robertinho do Recife, no Rio de Janeiro.

"Lula Côrtes ainda interpreta as canções Me Dê uma Chance (Camisa de Vênus) e Jacarepaguá Blues (Zé Ramalho). Em seguida, canta A Balada Cavernosa e, para encerrar, a espirituosa Eu Fiz Pior, um relato autobiográfico no qual ele declara em versos: "Eu fiz pior/ Gravei outro CD sem levar nenhum tiro/ Muito pior/ Parei de tomar droga e fui fazer retiro.../ ...Eu fiz pior/ Saltei como no circo cada armadilha/ Muito pior/ É só por isso que meu nome ainda brilha".

"Som na Rural apresenta, ainda, um trailer do longa-metragem que está sendo filmado sobre a gravação do LP Paêbirú e uma gravação com a Bluestamontes, banda indicada para o programa pelo próprio Lula Côrtes."


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