Lúcia Helena de Camargo - 5/5/2009 - 23h00
Se aprovada, a nova Lei Rouanet fará a cultura do País entrar em colapso. Essa é a opinião do ator Odilon Wagner, que à frente da Associação dos Produtores Teatrais Independentes (APTI) usa, aplica e estuda os mecanismos da lei. Existente há 18 anos, a Rouanet já injetou na cultura cerca de R$ 8 bilhões, sendo R$ 4,8 bilhões somente nos últimos sete anos. O Ministério da Cultura (MinC) apresentou para consulta pública, no último dia 23 de março, sua proposta de revisão na lei, que apresenta mudanças em diversos mecanismos, dos percentuais de abatimento dos investimentos no Imposto de Renda à maneira de distribuição da verba captada. Deu-se, então, início ao debate, com grande parte dos produtores culturais manifestando-se contrários à maioria dos pontos. A proposta fica disponível para consulta pública até esta hoje, dia 6, depois segue para apreciação do Congresso. “Já se começou errado. O governo não convidou quem faz cultura para ajudar na elaboração das novas regras. Quando fomos chamados, o texto já estava pronto”, diz Wagner, que paralelamente ao ativismo cultural mantém a carreira de ator de teatro e TV. E aparecerá em breve na novela Caminhos das Índias, da TV Globo, na pele do golpista Mike, comparsa de Yvone, personagem vivida no folhetim por Letícia Sabatella. Em entrevista exclusiva ao Diário do Comércio, ele analisa os diversos pontos da reforma sugerida pelo MinC, critica, elogia e indica caminhos para que a cultura não sofra.
Diário do Comércio – É preciso reformar a Lei Rouanet?
Odilon Wagner – Sim. Uma lei que existe há 18 anos certamente carece de ajustes. Mas esta reforma que está sendo proposta é totalmente inadequada, desnecessária e inoportuna. Ocorre no momento errado, traz insegurança institucional para a área cultural. Estamos em meio a uma crise. Naturalmente, os recursos da Lei Rouanet vão cair, porque as empresas lucrarão menos. O próprio ministério estima que este ano as verbas devam cair em torno de 40%. E eles ainda vêm com um projeto de reforma que vai retirar recursos e afastar o investidor em cultura? Não está direito.
O que se pode fazer?
É muito importante que se entenda a Lei Rouanet. O governo está divulgando informações inadequadas, incompletas. Eles se utilizam das exceções para demonizar os efeitos da lei. Citam três ou quatro casos de uso inadequado. Isso representa menos de 1% do total. Os outros 99% de uso legítimo não são citados.
O senhor poderia dar exemplo de uso inadequado?
O mais emblemático foi o caso do Cirque Du Soleil. Quando fez apresentações no Brasil pela primeira vez, há sete anos, recebeu verbas da Lei Rouanet. O patrocinador é o Bradesco e os ingressos são caríssimos. Não convém mesmo que a Rouanet beneficie esse tipo de espetáculo, mas o próprio ministério, que na época cedeu o dinheiro, agora usa o caso como exemplo de mau uso da lei.
Qual motivo levaria o MinC a agir assim?
O ministério tem uma visão estatizante: quer o controle do dinheiro em suas mãos. Hoje, o controle das verbas da Lei Rouanet no mecanismo mecenato está na mão do mercado. Uma empresa pode destinar até 4% de seu imposto de renda devido a um projeto cultural. Mas se continuarem a demonizar a lei, cercando-a de incertezas, haverá debandada. O ministro tem falado na imprensa que os negócios da lei Rouanet não são feitos à luz do dia. No entanto, não há um só condenado, não há acusação formal contra ninguém. Só que quando uma empresa grande ouve isso, afasta-se. E vai preferir pagar o imposto a ter seu nome envolvido nas polêmicas.
A intenção do governo, então, seria esvaziar o mecenato?
É. O governo quer tirar recursos do mecenato para colocar no Fundo Nacional da Cultura, que é o outro mecanismo de captação. A diferença é que, no caso do Fundo, quem destina a verba é o MinC. A caneta está na mão do ministro. Hoje, esse Fundo tem algo como R$ 300 milhões por ano. O mecenato tem R$ 1 bilhão. Fazendo uma analogia, seria um copão cheio e um copinho meio vazio. No meu entender, trata-se de uma questão essencialmente econômica e ideológica. É econômica porque o governo quer usar o copo cheio para encher o copinho vazio. E é ideológica porque, fazendo isso, toma para si a decisão do destino das verbas. Eles querem ter o controle, alegando que isso é necessário por se tratar de dinheiro público. Está errado! Tem que brigar com a Fazenda, com o Planejamento, para conseguir mais verbas. E não tirar de outro lugar da cultura, que já tem pouco. A grande questão desta história é que temos um ministério fraco de orçamento. A cultura não é vista como algo importante no País. Tanto que o orçamento da cultura é 0,6% da União. O ideal seria pelo menos 2%.
E como o senhor vê, na proposta do governo, o vale-cultura, que prevê ceder R$ 50 a quem trabalha para a compra de livros, CDs, DVDs e ingressos?
Excelente, maravilhosa. Apoiamos 100%. É uma grande idéia do ministro. Uma alegação do MinC para a reforma é que os recursos ficam concentrados no eixo Sul-Sudeste. Eles batem nessa tecla, mas a alegação é uma grande mentira. O ministério quer é pegar o dinheiro vindo do mercado, levar para o Fundo, para que o Fundo distribua para onde eles acharem mais adequado. Contudo, a gestão do Fundo Nacional de Cultura também concentra recursos no Sul e no Sudeste. Além disso, de acordo com os resultados encontrados pelo Itaú Cultural no maior estudo já feito no País sobre Lei Rouanet, a concentração de recursos no Sul e no Sudeste equivale a todos os outros índices de concentração no País. É um fenômeno geopolítico. Começa na densidade demográfica, ligada às empresas com maior capacidade de investimento, que também ficam aqui no Sul e Sudeste.
O Ministério sugere a criação de um conselho, que integraria produtores culturais às decisões. Isso não ajudaria a melhorar o sistema de destinação de verbas?
Não. O conselho foi inventado porque o governo diz que assim facilita a vida dos produtores. Em tese, em vez de cada um ser obrigado a ir aos departamentos de marketing das empresas, iria ao Fundo, formando comissões que decidiriam para quem dar o dinheiro, dividido, agora, em fundos setoriais. Mas o erro está na transferência do dinheiro do mecenato para o Fundo.
E a divisão em fundos setoriais? Funciona?
Setorizar é bom. Agora teremos os fundos das Artes (teatro, circo, dança, artes visuais e música), do Livro e Leitura, da Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural e da Memória e Patrimônio Cultural Brasileiro. É uma boa idéia. A outra questão que envolve a Rouanet é o excesso de burocracia. Com certeza. O pequeno produtor é excluído pela burocracia. No Sul e Sudeste, 14% dos projetos morrem na base. No Nordeste, esse índice sobe para 25%. Isso ocorre porque grande parte do dinheiro é negada em razão de projetos que não atendem às normas burocráticas impostas pelo próprio governo. Às vezes, técnicos totalmente despreparados cortam orçamentos com base em proposições absurdas. Por exemplo: mandamos certa vez uma proposta para a montagem de uma peça, mas a verba foi negada porque não havia a assinatura do autor, que era ninguém menos do que Guimarães Rosa (1908-1967).
A lei passaria a vigorar em 2010, ano de eleições. Que efeito o senhor estima que teria, politicamente?
No meu ver o Ministério da Cultura está jogando uma bomba na mão do presidente Lula, do próximo candidato do governo ou da oposição. Se uma lei dessas passa, vai colocar a classe cultural contra o governo. E o próximo governante terá que lidar com a situação. Será que a Dilma Rousseff, se eleita, quer esse pepino para resolver?
Qual seria a melhor forma de agir neste momento?
Nossa proposta é, em vez de tirar os parcos recursos que hoje temos no mecenato, vamos buscar recursos para o Fundo. O Fundo tem de criar políticas públicas para o resto do País, por meio de editais, corrigindo assim a desigualdade nos locais onde o mercado sozinho não se regula. Outra ideia é criar a loteria da cultura, entre outras medidas. Nós, produtores culturais, estamos dispostos a nos reunir com o governo e ajudar. O que não pode continuar a acontecer é essa exploração ideológica que não condiz com a democracia que o Brasil vem praticando nos últimos anos. O governo às vezes tem excelentes intenções, mas busca as soluções de forma errada.
Fonte: http://www.dcomercio.com.br/
No início da consulta pública postei aqui e no blog do Crato sugerindo que se abrisse o debate para esta lei. Inclusive tive o cuidado de ir ao Site do MinC e retirar uma cópia da lei em consulta e das regras da consulta e enviei para o Dihelson, que dirige o blog do Crato. A idéia seria de uma aprofundamento regional nesta questão. Nos dois blogs se concentram muitas pessoas da área cultural da região e aprofundar-se neste tipo de debate chega a ser um dever. Pelo que vi, ninguém pegou o pião na unha e hoje a consulta se encerra. Seria muito bom que pelo menos alguém pudesse abrir este debate.
ResponderExcluirPor exemplo chamar de Mecenato um recurso da renúncia fiscal, isso é apenas a gestão privada de um recurso que já é do governo. Mecenato seria as empresas empregar seu próprio dinheiro. Neste caso ela usa o dinheiro público segundo seus próprios critérios. E de fato o MinC passa a ter uma certa razão em termos da concentração geopolítica. Entendamos muito mais como cocentração geoeconômica, pois a segunda parcela maior da população brasileira se encontra no Nordeste. Políticas públicas existem para isso mesmo, resolver as assimetrias do mercado imperfeito.
Sobre a análise de Odilon Wagner é patente que eivada de conteúdo ideológico, a fé no mercado, o Estado como instrumento de negócio, a sociedade como presa da oferta e não como autora da demanda.
Por outro lado seria muito bom a análise ideológica do MinC pois apenas dizer que o é não nos convence. É claro que em política tem de haver um poder de análise, de ação e avaliação. Tem de haver mecanismos de contrabalanço tanto do poder constituído, quanto dos poderes econômicos. Esse é um aspecto a se verificar se os conselhos darão conta de tais mecanimos. E assim por diante.
Também estranhei chamar-se Mecenato à Lei Rouanet. Tanto quanto entendo (posso estar errado), no Mecenato, regido pela Lei Sarney, o estado não intervém ativamente como intermediário no projeto cultural mas apenas deve ser comunicado da sua existência para que sejam concedidos os benefícios fiscais.
ResponderExcluirNo caso do Mecenato, o estado opera como observador e só intervém no caso de serem identificadas irregularidades no processo. Pela positiva, a “política de não intervenção” estabelecida pela Lei Sarney pode desburocratizar, liberalizar e acelerar o processo. Pela negativa, o investimento na cultura pela Lei Sarney é ditado única e exclusivamente pelo mercado, o que – na prática – significa que pequenos projetos e projetos em regiões mais pobres tendem a ser menos interessantes, pelo menos para as empresas cujo interesse em projetos culturais depende de uma maior visibilidade e retorno para sí mesmas.
No caso da Lei Rouanet, que já ouvi chamar "Pseudo-Mecenato", existe uma política de intervenção do estado, uma vez que os projetos têm de ser aprovados de ante-mão e, depois disto, o produtor cultural ainda tem que encontrar patrocinadores. Isto significa mais burocracia, regulação e lentidão em todo o processo. Tanto a Lei Sarney como a Lei Rouanet geram ainda outros problemas. Em cima da burocracia, na prática o investimento na cultura continua sendo ditado pelo mercado, uma vez que sem patrocinadores os projetos aprovados pelo MINC morrem. Para conseguir patrocínio, e independentemente do valor (financeiro e cultural) do projeto, há que conseguir chegar aos investidores privados e a verdade é que nos dias de hoje existe um enorme fosso enorme entre artistas e quem assina os cheques de patrocínio. É aí que entram as agências de marketing cultural e, claro, também esses boatos de pagamentos feitos por debaixo do pano a diretores para conseguir o desejado patrocínio com uma empresa...
Ou seja, via Lei Rouanet existem dois obstáculos para os artistas: 1º aprovação do estado, 2º encontrar patrocinadores interessados e isto sem contar com um possível terceiro: as agências de “marketing cultural”, atraentes pelas suas redes de contatos de patrocinadores, carteiras de clientes e experiência na produção de projetos num sistema burocratizado, serem geridas mais de acordo com os interesses de mercado do que os interesses da cultura, e demonstrarem pouco interesse em projetos de menor dimensão e em regiões mais pobres... E ainda outro problema, o encarecimento (para não dizer superfaturamento) de projetos via agências que, buscando lucro fácil, reduzem a eficiência no investimento de fundos públicos...
Então, para corrigir alguns dos problemas acima descritos, vejo com bons olhos a possibilidade de haver um melhor equilíbrio entre fundos disponibilizados diretamente pelo estado e Lei Rouanet já que, em termos de burocracia, não vejo tanta diferença entre um e outro e considerando que na Lei Rouanet ainda são as regras de mercado que ditam o que acontece. É claro que muitos produtores culturais vão reclamar, pois afinal isto vai mexer em muito bolso... Ainda assim, pergunto-me se não deveriam dar-se por contentes. De modo geral, os fundos para projetos ambientais só são disponibilizados a entidades sem fins lucrativos... Já a cultura é uma outra história...
Mas enfim, não sou "expert" neste assunto... Talvez outros mais informados possam dar uma contribuição mais valiosa.