No curso de graduação de História na Urca, o livro que mais me marcou foi “Luzias e Saquaremas”, de Ilmar Rohloff de Mattos. O livro trata da disputa de poder no Brasil na época do segundo império. Em suma, o livro disseca um ditado que diz: nada mais parecido do que um saquarema do que um luzia no poder.
Luzia era o apelido do Partido Liberal e Saquarema, do partido Conservador - as duas únicas agremiações partidárias existentes naquele tempo.
Essas agremiações revezavam-se no poder devido ao regime parlamentarista prescrito na primeira Constituição brasileira, onde o poder executivo era exercido pelo partido que tivesse a maioria legislativa.
O livro é uma obra impecável, pois narra com detalhes todo o jogo de poder daquele período, não muito diferente do que acontece hoje.
Não quero, porém, falar da obra em si, mas do seu autor, Ilmar Rohloff de Matos, e da honra de ter sido seu aluno no curso de especialização em História do Brasil do Programa de Especialização de Professores de Ensino Superior – PREPES, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MG.
Era janeiro de 1994. Já tinha cursado dois módulos do curso, que acontecia durante quinze dias a cada início e meio do ano. Com grande expectativa e emoção, toda a turma recebeu o professor Ilmar para ministrar a disciplina de História do Brasil Imperial. Na imaginação, previa a figura de um homem dotado de corpanzil, com barba, óculos redondo, careca, de paletó e ar sisudo (Tal como o professor de o Anjo Azul). Enganei-me. Adentrou a sala, um homem franzino, de jeans e camisa de mangas curtas, com barba, mas sem pompa nenhuma. Tranquilo e sereno: Ilmar Rohllof de Mattos em carne e osso.
A disciplina que ele ministrou durou uma semana, por todas manhãs e tardes. Neste período, sua fala mansa entrava nos nossos ouvidos, mentes e almas como salmos bíblicos. O respeito da classe era comovente. As interferências eram poucas, porém bem colocadas. Ilmar respondia a todas as perguntas e não deixava dúvida sobre dúvida.
Assim, passou uma semana de aula, aula e mais aula. Chegamos, inclusive, a convidá-lo para uma ágape, que ele, educadamente, recusou. Disse que precisava preparar a aula do dia seguinte. Ilmar era um dos primeiros a chegar à sala de aula e o último a deixá-la. Falou, precisamente, trinta e nove horas e quarenta e cinco minutos, sem parar, sem titubear, sem enrolar. Faltando quinze minutos para concluir a carga horária, Ilmar calou. Estava, a classe toda, também calada, emocionada, repleta de seus ensinamentos e exemplos. Ilmar, então, pediu desculpa por ter que encerrar a aula mais cedo (exatos quinze minutos antes). Alegou cansaço. Na verdade, estava à beira de um colapso por pura e total exaustão.
Sem combinação nenhuma, toda a classe o aplaudiu de pé e profusamente, por infinitos minutos.
Carlos:
ResponderExcluirInteressante este artigo sobre os partidos políticos que se revezavam no poder, na época da Monarquia: o Conservador (seus integrantes eram conhecidos popularmente por “Saquaremas”) e o Liberal (cujos apoiadores foram apelidados pelo povo de “Luzias”).
Fui aluno da professora Otonite Cortez que adotava o livro de Ilmar Rohloff de Mattos e enfatizava: “Nada mais parecido com um Saquarema do que um Luzia quando chegava ao poder”.
Interessante que, mesmo hoje, os métodos adotados pelos atuais detentores do poder pouco diferem também dos utilizados pelo governo anterior. No “mensalão” muitos defendiam o atual governo alegando que “isso era feito por todos os que o antecederam”...
Mas, voltemos aos Luzias e Saquaremas. Naquela incipiente e promissora democracia parlamentarista do Brasil imperial conservadores e liberais se revezavam no poder com muita freqüência.
Com o advento do golpe militar que implantou a República a novidade foi o surgimento do “coronelismo” no Nordeste, motivado pela ausência do Imparcial Juiz que existia no trono (Dom Pedro II) a resolver constantemente as inevitáveis divergências entre os Saquaremas e Luzias. Havia uma autoridade moral no distante Rio de Janeiro que estava acima das questiúnculas paroquiais.
Na República, no Nordeste, após golpe republicano os chefes políticos (conhecidos como “coronéis” tiveram de ser armar para se defender dos adversários. O Rio de Janeiro era distante. As estradas precárias. O poder passou a ser exercido – através de rodízios, nem sempre legítimos – por oligarcas parciais que eram pais para seus correligionários e padrastos para os adversários.
Eis aí um tema pouco explorado: deve-se à República o surgimento do coronelismo no Nordeste brasileiro.
Armando, enriquecedoras suas informações sobre a política da época da monarquia. Sobre este período, há um episódio que envolveu o senador José Martiniano, filho de Bárbara de Alencar e pai do escritor José de Alencar, que ficou conhecido como Golpe da Maioridade. Este golpe visou modificar o artigo da Constituição de 1824 que determinava que o herdeiro do trono só poderia assumí-lo com, no mínimo, 18 anos. José Martiniano, que fazia parte do partido liberal, portanto um luzia, foi um dos principais orquetradores dessa manobra. Inclusive, foi na sua casa, localizado numa localidade chamada Engenho de Dentro (acho que é assim que se escreve), que os partidários da antecipação da maioridade de Dom Pedro II se reuniam. Dom Pedro II foi proclamado imperador aos 14 anos de idade, em 1840. O Golpe da Maioriade entecipou o fim do período regencial.
ResponderExcluirNão concordo, no entanto, que o advento da República instaurou o coronelismo no Nordeste. A historiografia sobre o assunto defende que o fenômeno do corelismo começou a se desenvolver a partir da segunda metade do século XIX, após a criação da Gurada Nacional que dava patente de coronel a chefes políticos das cidades, geralmente latifundiaristas. A Guarda Nacional foi criada no período regencial. No entanto, o principal motivo da coronelismo é a predominância do poder privado sobre o poder público, numa época em o Estado era por demais ausente nos grotões do país, notadamente no Nordeste. A concentração de terras e a exclusão social complementam a motivação do coronelismo e seus epifenômenos, como a capangagem, o cangaceirismo e o messianismo.
Mas, sem sombra de dúvida, foi com a República que o fenômeno se consolidou, notadamente a partir da eleição de Campos Sales para a presidência. Campos Sales instituiu a chamada política dos coronéis, onde foi firmado um pacto com os oligarcas dos estados para dar sustentação legislativa ao seu governo. No Ceará, essa política fortaleceu o comendador Acioli Pinto Nogueira, que ficou décadas no poder.
Abraços.
Carlos,
ResponderExcluirData vênia, respeitando a sua opinião, creio que o coronelismo foi uma experiência típica dos primeiros anos da república brasileira.
Em minha opinião – ressalto, em minha opinião – o período regencial (iniciado em 1831, com a abdicação de dom Pedro I, e encerrado 1840 com a coroação de dom Pedro II) já foi uma amostra do que seria o regime republicano que seria implantado por um golpe militar 49 anos depois.
Foi no período das Regências que tivermos revoltas e movimentos separatistas (como a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos, a Sabinada e a Balaiada) que ameaçaram desintegrar o território continental do Brasil consolidado desde o período colonial.
Essas revoltas quase chegaram a romper a ordem social e política herdada da colonização portuguesa. Mas com a ascensão de Pedro II as coisas entraram em calmaria. Havia um Juiz Imparcial acima das questiúnculas políticas.
Quanto à Guarda Nacional é verdade que ele foi criada durante as regências, por Diogo Feijó, fato que desorganizou o Exército ao implantar novos quadros militares no Brasil.
Mas, durante os 49 anos de reinado de Pedro II, os coronéis se contiveram nos seus domínios e as questões paroquiais eram solucionadas pela autoridade moral do Imperador.
José Murilo de Carvalho, em livro recente, também defende esta opinião. Segundo ele, o coronelismo fazia parte das relações do poder na “Primeira República”. Foi a oficialização de uma relação que ia desde o coronel do município até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. Exemplo: a ação de Floro Bartolomeu em sintonia com Pinheiro Machado, com ressonância em grande parte do interior nordestino, como no combate á Coluna Prestes.
Considere-se, em favor dos presidentes da Primeira República, que o Brasil era um país eminentemente rural. Com altíssimo índice de analfabetos. Toda a produção vinha do setor primário. Nossas exportações eram todas do setor primário. Isso ocorreu até o final dos anos 30, fim da Velha República, que coincidiu com o declínio dos coronéis. A partir daí teve início de forma tímida o processo de industrialização do país, que foi consolidado no governo democrático de Juscelino Kubitschek
Armando,
ResponderExcluirHá fundamentações fortes na relação entre República e Coronelismo, até mesmo porque a matéria-prima essencial deste fenômeno é o voto, o voto de cabrêsto, que caracterizava as famigeradas eleições a bico-de-pena, típicas da chamada República Velha (1898 a 1930). Outra questão, que corrobora essa sua opinião, é o fato de o clientelismo ser uma forte base de sustentação do poder coronelístico. O clientelismo de que falo são as obrigaçõs mútuas ente os chefes oligarcas e seus moradores, essencialmente formado por homens livres e pobres, que prestam serviços diversos ao coronel e recebem dele proteção política e jurídica. Essa mão-de-obra livre, porém submissa à ordem coronelística, foi predominante somente com a emancipação dos escravos, em 1888. Outro fato que reforça a sua tese é a própria Política dos Governadores (e não Política dos Coronéis, como escrevi no comentário acima).
Mas, baseado em alguns estudiosos do assunto, como o caririense Joaryvar Macedo, que escreveu o excelente livro Império do Bacamarte, nesta região mesmo, há exemplos de coronéis já na segunda metade do século XIX. Isso se explica, talvez, por que no Cariri cearense, devido sua economia peculiar (plantio de cana-de-açúcar para o fabrico de rapaduras e aguardente e criação de gado, em menor escala) não comportar a mão-de-obra escrava de forma dominante. Vigorou mais aquela mão-de-obra semi-livre, formada pelos moradores das fazendas que viviam do trabalho na lavoura, em troca de sustentação, ou envolvidas em outras formas de relação de produção, como a parceria. Uma parte menor desta mão-de-obra engrossava as milícias particulares dos latifundiaristas, dando corpo ao fenômeno conhecido por capangagem (aqui na região se usava mais termos como cabra ou jagunço para designar o membro da capangagem).