quarta-feira, 27 de maio de 2009

SOBRE HOMENS E RATOS DE GAVETA

Esta postagem é uma homenagem ao Maurício Tavares pela feita anteriormente com texto de Luiz Felipe Pondé.

Uma ação possível num blog é avançar nas diversas postagens feitas. Por isso tentarei um pequeno avanço sobre texto de Luiz Felipe Pondé com o título “Sobre ratos e homens” que tem por base um ensaio do filósofo inglês Michael Oakeshott. E tomo a tarefa pela importância que tem o texto de Pondé em termos de visão da política e da sociedade. Onde se encontra o “lócus” do texto?

Primeiro uma idéia sobre “lócus” em pensamento. O pensamento não pode se resumir a uma determinada localização, ele vem do indivíduo (de certa forma é negado no texto) histórico que é, portanto, uma interação coletiva do presente e do passado recente. Por isso mesmo é que o conservadorismo de Michael Oakeshott não se deita inteiro sobre Pondé, já que este nos brinda com termos de sua época aqui no Brasil Uma época histórica que vive simultaneamente o fim do patrimonialismo familiar, político e econômico, junto com a emergência social de grandes massas da população. O texto centra-se numa feroz crítica ao que Pondé chama de homem massa. Uma característica deste pensamento brasileiro é certo horror ao povinho ignorante que toma as areias de sua praia.

Por isso são típicas deste pensamento frases do tipo “Agora venceram pelo voto e marcam a democracia de hoje”. Quem venceu pelo voto são os “idiotas” e estes são: “aqueles que têm sua vida medida pelas estratégias de sucesso e pelo amor opressivo do medíocre (aquilo que é massificado?)”. E eles são, em termos de política, a “maioria absoluta”. Só para chegar ao paroxismo deste reacionarismo estruturado no momento histórico é a frase: “Aí a própria elite intelectual (talvez com face de rato) virou proletária, em busca de carreiras, somando seus pontos, escrevendo artigos para não serem lidos, somando suas mesquinharias, anulando a inteligência em nome do acúmulo”.

Não vamos ao cerne da própria dificuldade conceitual do texto. Vamos a outro aspecto, aquele que mostra a necessidade deste pensamento de reagir à emergência de novas classes sociais. Pondé usa a palavra “proletário” num contexto completamente distinto do próprio conceito, na verdade quis criticar a pobreza intelectual das universidades, mas como tem horror a proletário troca uma coisa pela outra. Aqui o termo proletário se despe de sua natureza substantiva e passa a adjetivar. Isso quer dizer que toma uma parte pelo todo. É estranho o modo como Pondé aponta a seta para as massas emergentes como se essa pudesse ter estratégia de sucesso no mundo capitalista assimétrico.

Não vou a tanto, mas a necessidade de “disciplinar” a pequena burguesia e o horror aos proletários foi uma marca substancial do fascismo. Vejam que Pondé não enxerga nada da história dos séculos XIX e XX, as grandes lutas trabalhistas, as grandes lutas políticas. Mas não podia, pois ele é um típico Nihilista do século XXI. Um Nihilismo de mesa, regada a alguma substância e a prazeres fugazes do sabor protegido por uma vidraça com ar condicionado. Mesmo quando parece sustentar-se sobre Oakeshott isso é de passagem, o velho conservador inglês era um típico recém convertido ao liberalismo político. Como todos os conservadores da primeira metade do século XX na Inglaterra (principalmente o líder Churchill) que lutaram contra a emergência social e as conquistas políticas dos trabalhadores, mas depois tiveram que lutar contra o nazismo no coração da Europa e sofrer as bombas sobre Londres.

Não li o ensaido de Oakeshott citado por Pondé, mas li este texto com cuidado. Para mim, até prova em contrário, Pondé apenas usa o conservador por identidade filosófica, mas a verdadeira face dele se encontra no niilismo russo do século XIX, nem no niilismo filosófico de Nietzsche. Vejamos esta frase: “A verdade é que o homem massa sempre fala em nome da liberdade, da autonomia, mas ele as detesta, porque teme o inferno que é a alma”. Ao negar toda a evolução da individualidade desde o Renascimento e todas as formas políticas com esta se organizou e se libertou de uma era, fica clara a sua filiação doutrinaria política e filosófica ao partido russo do século XIX, com uma “crítica pessimista, individualista e naturalista da organização social.

Retornemos ao texto de Pondé e vejamos sobre a camada da dura crítica dos ratos e idiotas, que ali se encontra o célebre aniquilamento do passado e do presente em termos de valores sociais, culturais e políticos realizados, pois há no texto a busca de alores por se realizar, ainda em realização. É no futuro irrealizado, como dizia Bakunin, “a negação do que existe...em benefício do futuro que ainda não existe”. E o que não existe para Pondé na essência é uma espiritualidade radical em autonomia e liberdade, uma alma além deste corpo que respira, tem sede e fome. E, claro, forma excrementos.

3 comentários:

  1. Zé do Vale
    Achei bem interessante sua crítica ao texto de Luiz Felipe Pondé. Sei que ele é um conservador, elitista etc. Mas às vezes gosto de pensar , ou ouvir alguém pensando, o oposto do que normalmente penso. Dúvidas.Quanto à noção de homem de massa ela me interessa mais, não que a noção política não me interesse,no seu aspecto cultural (e sei que esses aspectos aparentemente são indissociáveis, embora Eco no já citado "Apocalípticos..." desconstrua isso, de certa forma)e na aversão que tenho ao comportamento de rebanho estimulado pela televisão. E pela indústria da felicidade. Com a ressalva que não acredito que a televisão é produto de poucos para a massa.Ela reflete um estado de coisas. Mas quando tentamos enxergar a complexidade do mundo certas "certezas" da política partidária se desmancham no ar. Como tudo que é "sólido".

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  2. Maurício: fico animado com o seu comentário, não que nos mova (falo de nós) mero elogio, mas quando vem é muito estimulante. Você inverte este vetor poucos-massa e isso é realmente uma nova forma de pensar. Eu lembro que nos idos dos anos 70 eu trabalhava numa Favela, literalmente no intestino dela e havia a idéia geral que ali estava um povo explorado e sem qualquer reação ao estado de exploração. Acontece que a favela era uma solução para o modelo de transporte coletivo, para a geografia do emprego no Rio, ou seja, era a proximidade lar-trabalho. Neste sentido a existência da favela era, também, uma iniciativa da própria população. O outro viés era a população sempre como vítima, isso redundava que nada seria possível e deste modo fomos descobrindo pequenas vitórias populares, uma série de avanços sociais empurrado pela ação da favela. Enfim, nada efetivamente significava o vetor explorador-explorado. Mas aqui vai a arapuca: você não poderia nos estimular com um texto de análise deste estado de coisas?

    abraços

    José do Vale

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  3. Zé do Vale
    Tentar esclarecer o atual estado das coisas é uma tarefa tão difícil
    quanto resolver o velho dilema :"Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais". Tenho apenas algumas intuições que percebo também no texto de muita gente que escreve por aí. Às vezes de forma mais elaborada, às vezes não. Apesar de ter feito meu doutorado no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP não sou um fã de carteirinha das idéias de Charles Sanders Pierce (o padroeiro do lugar)mas gosto muito quando ele usa o termo "abdução" em vez de intuição. Nossos insights são produzidos por tudo que absorvemos e que , de alguma forma, ainda não tínhamos racionalizado. abraço.

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