Zuca Sampaio, um caririense de escol
Armando Lopes Rafael (*)
José de Sá Barreto Sampaio – mais conhecido por Zuca Sampaio – nasceu em Barbalha, no dia 7 de agosto de 1861. Filho de Sebastião Manuel de Sampaio e Francisca de Sá Barreto Sampaio, um casal genuinamente católico. Sua mãe, antes de falecer, pediu que fosse enterrada na calçada da igreja-matriz de Santo Antônio. Ainda hoje se vê, no adro do vetusto templo, uma lápide mortuária onde consta: “Francisca de Sá Barreto Sampaio pediu ser sepultada aqui, para sobre suas cinzas passar o Santíssimo Sacramento e para ficar perto de sua querida imagem de Nossa Senhora das Dores”.
Sobre Zuca Sampaio, o Padre Azarias Sobreira publicou um opúsculo: “José de Sá Barreto Sampaio - um sertanejo de escol”. Dessa obra retiramos algumas informações.
Zuca foi comerciante honestíssimo e bem sucedido, de proceder sempre retilíneo, atuando na firma Sampaio e Irmãos, de 1892 até 1914. Neste último ano, as tropas da Sedição de Juazeiro invadiram Barbalha e roubaram o estoque dessa loja de tecidos, a maior do Cariri. Restou ainda o clima de insegurança, obrigando Zuca Sampaio, esposa e filhos a se refugiarem – durante algum tempo – numa fazenda do sertão pernambucano, localizada a mais de 100 km de Barbalha. Isso não o impediu de, todos os meses, na primeira sexta-feira, fazer longos percursos a cavalo para comungar, costume que o acompanhava, desde a infância. Naquela fazenda, se refez dos prejuízos sofridos, enquanto aguardava a hora de retornar a sua cidade natal e recomeçar suas atividades comerciais, bruscamente interrompidas.
Na juventude, Zuca Sampaio alimentou, durante anos, o desejo de ser padre. Desejou ser um sacerdote nos moldes do Padre Ibiapina e só desistiu desse intento, após longas conversas com o então vigário de Barbalha, Padre João Francisco da Costa Nogueira, virtuoso modelador da família católica barbalhense. Este o aconselhou a constituir uma família. Só aos 33 anos, veio a contrair matrimônio com Maria Costa Sampaio – Mãe Yayá – procedendo do casal nove filhos: Dr. Leão Sampaio, Dr.Pio Sampaio, Antônio Costa Sampaio, general Manoel Expedito Sampaio, professora Maria Alacoque Sampaio, José Costa Sampaio, Paulo Sampaio e mais dois falecidos, na tenra infância.
Zuca trabalhava, o dia inteiro, no seu estabelecimento comercial, com ligeiro intervalo para o almoço. Próximo ao pôr-do-sol, passava na sua residência para o jantar. Em seguida, pegava o candeeiro, livros e anotações e ia ensinar as primeiras letras no “Gabinete de Leitura”, instituição por ele fundada, destinada à alfabetização de pessoas carentes de Barbalha. Ali, ensinava os princípios morais, a doutrina cristã e o amor à pátria. Foi o leigo católico de maior projeção daquela cidade, tendo, ainda, presidido, por longos anos, à Conferência de São Vicente de Paulo, da qual foi um dos fundadores, em 1889 – amparando a pobreza daquela comunidade – além de ser um dos líderes da construção da bela Igreja do Rosário ( ver foto acima, à direita) .
Ao lado disso, priorizava uma sólida formação moral e intelectual aos seus filhos, os quais vieram a se destacar – depois de passarem por boas escolas e academias, em capitais de Estados brasileiros – como a fina flor da elite barbalhense.
Padre Azarias é enfático ao afirmar: “Sua franqueza ia ao extremo.Interessando-se pela sorte de todos, condoendo-se de todos os infortunados, jamais o intimidava a ira dos maus ou o melindre dos poderosos, se se tornava necessária uma palavra franca, em defesa da inocência, da fé ou da moral”.
(*) historiador
ESCLARECIMENTO
ResponderExcluirA expressão “aristocracia” foi usada na manchete à guisa de elite.
Pois, de maneira informal, é corriqueira a expressão “aristocracia rural do Cariri” para designar pessoas ou famílias – originalmente de pequenos meios – que à custa de trabalhos e sacrifícios conseguiram amealhar algum patrimônio e contribuíram para a elevação social do Vale do Cariri. Formavam, essas famílias, uma “petite nobless” que amparavam os humildes (principalmente viúvas e órfãos) praticavam as obras cristãs e de caridade, eram justos e serviam de exemplos para a comunidade.
Sei que ambas as expressões – aristocracia, elite – nestes tempos (em que o igualitarismo é pregado como se fosse um dogma (*) são palavras antipáticas, embora a maioria desconheça o seu real significado.
Elite – ao contrário do que difundem os defensores da luta de classes – não é a classe das pessoas privilegiadas. Fazer parte da elite – numa sociedade orgânica e cristã, como a que tivemos outrora no Cariri – antes de ser um privilégio, impunha deveres como: conduta religiosa e moral irrepreensível; amparar os mais fracos, a pobreza, as viúvas e os órfãos; agir com correção nos negócios, trabalhar pela comunidade e dar bom exemplo à população, dentre outros.
Foi isto que Zuca Sampaio sempre fez na sua profícua existência.
(*) dogma, segundo o Dicionário de Aurélio: Ponto fundamental e indiscutível de qualquer doutrina ou sistema.
Grande Armando: há neste teu comentário um certo tom normativo. Doutrinário mesmo. Acontece que além do dogma, há uma crítica ao anacronismo que foi se acentuando ao longo dos séculos XIX e XX por consequência da urbanização progressiva, da industrialização e da emergência do capitalismo. É um erro ideológico imaginar-se que a crítica à luta de classes seja a afirmativa de uma coisa que não exista. As classes sociais existem (deste modo não teria sentido falar-se em elite)e formam a base da história destes dois séculos, especialmente à partir das três grandes revoluções: Inglesa, Americana e Francesa. Se é possível aceitar as virtudes dos deveres impostos à elite, igualmente é necessário aceitar os vícios dos desmandos e dos crimes para coibir a emergência destas classes sociais. Veja que você mesmo situa a questão ao falar da sedição do Juazeiro. Sedição que não pode se restringir à aparência histórica mais imediata, do Padre Cícero e de Floro Bartolomeu, sem ter por forte referência os chamados "jagunços" que não são outros que não esta massa emergente. Sugiro a você, que tem um prestígio especial no Crato e tem, além do mais, uma mente aberta, que não se feche no modelo "sociedade orgânica e cristã" pois nós descendentes dos inhamuns, sabemos todas as faces da realidade.
ResponderExcluirParece que tivemos no Cariri uma "verdadeira aproximação da sociedade celeste ideal"...
ResponderExcluirSr. (ou Sra.) Anônimo:
ResponderExcluirÉ verdade. Até a professora da Urca, Sra. Zuleide Queiroz (que é marxista) na sua tese de doutorado (que versou sobre a história da educação do Cariri) escreveu a certa altura:
"Registra-se, em 1890 uma instituição escolar chamada “Gabinete de
Leitura”. Essa escola era reservada aos meninos pobres. Ligada a uma associação que mantinha seus
professores, a escola era noturna e, na época, registrou cerca de cem alunos. Na realidade, o Gabinete
de Leitura foi fundado em 14 de maio de 1889, na forma de biblioteca. Assim, ao mesmo tempo
mantinha a escola noturna para os meninos pobres".
E tudo foi iniciativa de Zuca Sampaio.
Meu caro Armando:
ResponderExcluirAbraço-o
Parabéns pelo oportuno e brilhante “Zuca Sampaio, um caririense de escol”.
Mandeo-o para ser lido na Rádio Educadora do Cariri. Vale a pena. É até imperioso faze-lo.
Zuca Sampaio construiu a Igreja do Rosário com Totonho Filgueiras. Fundou, também, a Liga Barbalhense contra o Analfabetismo, em 1917. Alfabetizou meio mundo, quando se antecipou em um século a Paulo Freire: alfabetizava dando ao alfabetizado uma nítida consciência religiosa.
Por 50 anos rezava o terço diariamente – hoje Terço dos Homens – na Igreja do Rosário que o aguardava, repleta de fiéis, ao sair da Casa Sampaio, antes de entrar em casa para o jantar e de onde saia invariavelmente, lampião de querosene na mão, para ensinar no Gabinete de Leitura até às 21:00 horas.
Era intangível quanto à ética e fé. Era um Bispo-leigo.
Tudo o que dele se disser, ainda é pouco para o que ele foi.
Era ele quem fornecia os dados de Barbalha ao Barão de Studart.
Parabéns, velho amigo.
Napoleão Tavares Neves
Barbalha - Ceará