Deixe-me ser santo,
um sujeito bacana.
Renovo minha alma
no deserto da colina.
Não preciso cavar com as próprias unhas
um poço profundo para que brote da fonte
água pura e benta.
Deixe-me ser santo
asinhas meio caídas
arrastando-se pelo pântano.
A Verdade arde,
o fogo transparente.
Começo hoje a plantar um novo jardim
na varanda de jarros tristes.
Não espalho sementes.
Espero a boa vontade dos pássaros -
Os férteis bicos de longas jornadas.
Deixe-me ser santo,
a testa larga e os olhos míopes.
A saudade do outro suporta-se -
mas a ausência da estranha cumplicidade
conquistada com os objetos domésticos
amedronta e enlouquece.
Quanta falta me rasga o peito
das paredes silenciosas,
dos cantos lúgubres das salas,
quartos, atrás da geladeira.
Onde diabos se meteu
minha pequena lagartixa.
Morreu de fome,
de tristeza.
Saudade de gente passa -
mas criar laços
com a tímida surdez
dos copos, taças, pratos
de outra casa
é infernal.
Deixe-me ser santo,
admirar o dedo quase decepado
debaixo de uma tampa de cisterna.
Alguém há de beber do meu sangue.
As lágrimas já perderam o sal
e o rumo do mar.
Domingos Barroso de volta ao Cariricult com seus desejos de transcendência manipulando os elementos da imanência. Só que em Domingos esta imanência já é um tanto corrompido pois não contém todo o conteúdo do ser, algo de sua substância se esvai e até desaparece como a lagartixa de tantos versos.
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