quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Praça Siqueira Campos


Por Roberto Jamacaru


Após o término da segunda grande guerra mundial, em 1945, o período subseqüente, compreendido entre as décadas de cinquenta e de sessenta, foi caracterizado pelo volume muito grande de transformações na humanidade. Entre tantas descobertas citamos: a da pílula anticoncepcional, do raio Laser e do ácido desoxirribonucléico - o DNA. Houve também o surgimento dos conflitos dos blocos capitalistas e socialistas (a chamada Guerra Fria). De forma paralela registraram-se o primeiro transplante de coração, a conquista da lua e os fenômenos do feminismo e internet.
No Brasil, em particular, importantes fatos se sucederam: o surgimento da televisão, as criações dos movimentos musicais da Bossa Nova, Tropicália e Jovem Guarda, assim como a inauguração de Brasília e a imposição, em 1964, da Ditadura Militar.
Mas, se procurarmos identificar, nessas estações do tempo, qual foi a causa de maior impacto sobre a humanidade, podemos afirmar, sem medo do que dizem as pesquisas, ter sido a da mudança comportamental do homem em relação a si mesmo.
Se a guerra deixou em todos as marcas do holocausto e da repressão ao livre-arbítrio, a libertação desse personagem na história veio através criação da ONU, da quebra de tabus por parte de muitos ídolos, lembrando: James Dean, Marilyn Monroe, Elvis Presley, Leila Diniz, Brigitte Bardot, Chico Buarque, Beatles, incluindo-se aí o uso da contracultura disseminada pelo Festival de Woodstock.
No Crato, em particular, dado à sua peculiaridade cultural e instinto de libertação, este tão bem demonstrado nos idos de 1817, com os ideais republicanos de Bárbara de Alencar & Cia., todos esses efeitos se fizeram sentir e proliferar intensamente junto à sua comunidade, principalmente no seio da juventude.
Na década de cinquenta, por exemplo, ao som das melodias interpretadas por Nelson Gonçalves, Ângela Maria e Carlos Gonzaga (... Da música Diana), a moda feminina foi um dos destaques na quebra de paradigmas ao assumir novos e variados estilos.
Nela, citando alguns padrões, os penteados passaram a ser ao estilo coque ou rabo-de-cavalo, sendo este último realçado por uma faixa, antes da franja, que dava às mulheres um ar de menininha inocente.
Já o figurino, cuja característica maior era a cintura fina bem marcada, o conjunto restante se compunha de saias rodadas (algumas com anáguas e combinações), ou saias justas, ambas abaixo dos joelhos. Os corpetes davam formas volumosas e firmeza aos seios. O arremate final vinha nos sapatos altos e nos glamourosos lenços de seda no pescoço.
Quanto à irreverência masculina, os topetes ao estilo pega-rapaz, esculturados pela brilhantina, junto com as jaquetas de couro, definia a indumentária da rapaziada.
Na década seguinte, a de sessenta, no embalo do iê-iê-iê, foi a vez das mulheres assumirem a minissaia, com seus trinta centímetros acima dos joelhos e os homens curtirem seus cabelos longos arrematados pelas calças boca-de-sino e botinhas.
Em ambas as décadas, porém, o palco escolhido na cidade do Crato para o desfile dessas inovações foi, sem dúvida alguma, o das passarelas de mosaicos da Praça Siqueira Campos, logradouro este projetado com postes de ferro trabalhado, bancos de marmorito; palmeiras, hortênsias e fícus benjamim, cujo período de construção estendeu-se do ano de 1913 a 1917, em justa homenagem ao comerciante Manoel Siqueira Campos.
Tendo nos seus limites, e logradouros próximos, uma estrutura de residências, hotel, cinemas, café, sorveterias e lojas, citando: a casa dos Dois Leões, o Hotel Glória, os cines Cassino e Moderno, o Café Líder, as sorveterias Bantim e Glória, a Loja Azteca, entre outros, a Praça Siqueira Campos, no coração do Crato, era, além do ponto chique da moda, a coqueluche referenciada pelos brotos do lugar.
Quanto aos hábitos de seus freqüentadores, eles eram, além de puros, revestidos de alegrias e doces insinuâncias.
Obedecendo aos padrões da época, lá, a exemplos das tertúlias, tudo começava muito cedo, ou seja, britanicamente às 19h00m. Era quando os adolescentes começavam a chegar, em bandos, mascando chicletes de bola ou chupando bombons de caramelo, para o tradicional volteio no circuito da praça. Já o final desse encontro, mais britânico ainda, registrava-se às 21h00m. O toque de recolher era emitido pelo alto-falante potente da Amplificadora Cratense, sinal este reconhecido através do som do Hino do Crato ou, em outros anos, por meio da música “Boa noite, meu amor!”.
Se levarmos em consideração que era ali onde se registrava o início da maioria dos romances dessas gerações, a forma com a qual esse processo se desenrolava, era, no mínimo, mais fascinante ainda.
No caso das mulheres, que usavam em média um vestido novo para cada domingo, uma de suas maiores características era a de ficarem rodando, de braços dados com três ou quatro amigas, por todo esse tempo nas passarelas em torno do centro da praça.
Nesses incontáveis volteios, ao sentirem a flechada do cupido, elas lançavam seus piscares de olhos (os chamados flertes) em direção de seus pretendidos. Estes, por suas vezes, fumando os seus cigarros das marcas Continental, BB ou de filtro, Minister “king-zize” (na época, fumar dava status), ficavam pousando nas beiras desse mesmo espaço criando coragem para o famoso “encosto!”.
Com esses arroubos, todos ensejavam a possibilidade de virem a ter, no presente, um lindo romance e, no futuro, um casamento de Contos de Fadas. Quanto às cerimônias deste possível enlace, elas eram celebradas, quase sempre, na Igreja da Sé pelos Padres Rubens ou Onofre. Já os festejos aconteciam nos salões do Crato Tênis Clube aos sons das músicas Danúbio Azul, Simbonê e “Monlight Serenade”, tocadas por Hildegardo e seu Conjunto ou por Ases do Ritmo, detalhes estes que davam um romantismo especial ao evento... Tudo, porém, na base da virgindade, do véu, da grinalda e da tradicional foto em Telma Saraiva.
Voltando ao detalhe do piscar de olho... Quando isto acontecia, era preciso que essa mesma atitude se repetisse por, no mínimo, três vezes para só então o marmanjo ter a garantia plena de uma abordagem segura.
O temor em relação a isso se justificava, pois os maiores pavores que os homens tinham, na realidade eram quatro. O primeiro: o de levarem, além de uma rabissaca, um tremendo “fora!”. O segundo: o de serem chamados de enxeridos. O terceiro, quando o enxerimento era abusivo e malicioso, o de serem taxados de rabos-de-burros! O quarto: em caso de total indiferença a essa insinuância, a denominação era cruel, ou seja, o sujeito poderia ser classificado de “mariquinha!”... Para a categoria, nada mais terrível e humilhante do que esses rótulos.
Já as mulheres temiam a expressão “Só quer ser as pregas!”, que significava importância que não tinha, e a alcunha de “Sacarina” [tradução censurada... (Tradução liberada por liminar: c... doce!)].
Uma vez bem sucedida a paquera, duas coisas advindas dessa investida tinham que ser respeitadas entre as partes: a primeira era a de só pegar na mão após o primeiro encontro e, a segunda, era a da hora de beijar na boca pela primeira vez, coisa que, preferencialmente, só deveria acontecer no escurinho do cinema.
E foi assim, em pleno coração da Praça Siqueira Campos, durante as décadas de 50 e de 60, que essas duas gerações de jovens viveram as melhores fases de suas vidas, de maneira especial inebriadas por várias fragrâncias mágicas, entre elas a do sabonete Alma de Flores e a do perfume Lancaster.
E foi assim também, longe da violência, do despudor e do desrespeito dos dias de hoje que, rapazes e moças, movidos tão somente pelos embalos da pureza e da alegria, conseguiram, cheios de estruturas éticas, construírem as suas felicidades, tão bem repassadas para seus filhos e netos.
A Praça Siqueira Campos, considerada o símbolo “fashion” das gerações do bolero, do rock, do twist e do iê-iê-iê, já foi objeto de inúmeras reformas na sua estrutura, muitas das quais chegaram a desfigurar, quase que por completo, as suas reais características.
Hoje, desolada, mergulhada na solidão das noites de domingo, ela, sem seus rapazes e moças, tem sido vitima dos hábitos e avanços irreversíveis da modernidade, caracterizados pelos pontos de encontros nos shoppings, pelo amor ficar, pela frequência alucinada nas festas reives, pelas presenças em massa nos mega shows, pelas zoeiras nos barzinhos; pelo tagarelismo nos celulares, pelas volúpias secretas refugiadas nos motéis e, por fim, pelo amor virtual... Sem o cheiro de ferormônio, sem a sensação de calor e sem os arrepios voluptuosos causados pelos sussurros das vozes e toques das carícias.
Nela, nem de longe, se ouve mais os sons dos psius e dos fiu-fius. Não se ouve também os ecos dos risos fáceis e muito menos os murmúrios glamourosos de duas gerações de jovens que um dia, nos Anos Dourados e Rebeldes de suas vidas, a conheceram humana, artisticamente arborizada, esteticamente bela, iluminada, cândida, mágica, socialmente frequentada e feliz, muito feliz!

(postagem a pedido do autor)

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