domingo, 8 de novembro de 2009

O Caminho para a Servidão, 60 anos depois

Por André Azevedo Alves

Comemora-se em 2004 o sexagésimo aniversário da publicação original de “The Road to Serfdom”, obra traduzida para português em 1977 por iniciativa de Orlando Vitorino (“O Caminho para a Servidão”, Lisboa, Teoremas), numa edição que, lamentavelmente, não se encontra actualmente em circulação. “O Caminho para a Servidão” constitui o manifesto político e intelectual de F. A. Hayek, um dos mais importantes pensadores do século XX.Com uma vasta obra anterior no âmbito da teoria económica, caracterizada pelo combate incessante que, juntamente com Ludwig von Mises, moveu às doutrinas de Keynes, “O Caminho para a Servidão”, marca a transição de Hayek para a área da filosofia política. De facto, nesta obra, adequadamente dedicada aos «socialistas de todos os partidos», Hayek introduz de forma acutilante muitos dos temas que viria a desenvolver na notável produção intelectual a que deu origem nas décadas seguintes, e onde se destacam a “Constituição da Liberdade” e a trilogia “Direito, Legislação e Liberdade”.Contra o ambiente intelectual então prevalecente, e dando provas de uma extraordinária coragem, Hayek defendeu em “O Caminho para a Servidão” que os totalitarismos de esquerda e de direita têm uma origem intelectual comum, cuja principal característica é a rejeição da tradição liberal do Ocidente. Para Hayek, comunismo e nacional-socialismo são dois produtos de uma mesma atitude intelectual, que gradualmente levou ao abandono dos ideais liberais e da própria tradição assente no respeito pela esfera de autonomia individual que está na base da civilização ocidental. Numa altura em que muito poucos estavam dispostos a reconhecê-lo, Hayek afirmou explicitamente que a ascensão do fascismo e do nazismo, longe de serem reacções à difusão das ideias socialistas eram o seu corolário inevitável.Nesta obra, Hayek não se limita, no entanto, a demonstrar o carácter anti-liberal que é matriz essencial de todos os totalitarismos, por maiores que aparentem ser as diferenças entre eles. A principal mensagem de Hayek, cuja actualidade se mantém inalterada, consiste em alertar-nos para o facto de que as democracias liberais enfrentam uma ameaça interna que é, em certo sentido, mais perigosa do que as ameaças externas colocadas pelo totalitarismo. Essa ameaça consiste na gradual expansão do intervencionismo estatal, motivado pela aceitação das teorias colectivistas e pela invocação de ideais aparentemente nobres, como a noção de «Justiça Social».Partindo da observação de Hume de que a liberdade raramente é perdida toda de uma só vez, Hayek avisa-nos que as sucessivas concessões a um maior intervencionismo estatal que se foram gradualmente introduzindo nas democracias liberais, resultado da sedução exercida por utopias colectivistas, acabarão por reduzir os cidadãos a uma condição de absoluta servidão. O mais importante contributo de Hayek nesta obra é provavelmente a demonstração de que, à medida que são levantadas (sempre por motivos aparentemente nobres) as barreiras à acção do Estado e que as noções liberais de governo limitado e igualdade perante a lei são progressivamente abandonadas, caminhamos inexoravelmente para o totalitarismo e para a negação dos direitos e liberdades individuais.Ao longo dos vários capítulos de “O Caminho para a Servidão”, Hayek desenvolve as questões centrais que aqui muito sucintamente apresentamos, abordando um vasto conjunto de temas que vão desde a caracterização do totalitarismo sob vários aspectos até às razões que podem explicar a defesa do colectivismo por parte de muitos intelectuais, sem esquecer a relação entre segurança e liberdade e o funcionamento dos processos políticos.Não se pense no entanto que Hayek é um irredutível pessimista relativamente às perspectivas de evolução das democracias liberais. Na base do sério e profundo aviso que nos faz em “O Caminho para a Servidão” está precisamente a crença de que esse caminho pode ser invertido pelo poder das ideias. Para que essa inversão seja possível, é no entanto urgente recuperar e aprofundar de forma consistente a tradição liberal, promovendo e defendendo os ideais do governo limitado, dos direitos individuais e da igualdade perante a lei.

André Azevedo Alves

Fonte: http://www.causaliberal.net

2 comentários:

  1. O desafio é saber o limite entre uma sociedade e um individualismo radical. Do contrário, que diferença seria esse "radicalismo" contra um de extrema esquerda ou de direita? Hayek e outros pensaram nisso? Ou não houve espaço pra tanto?

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  2. A sucessão do liberalismo enquanto ideologia transformadora é o socialismo. Ao afirmar uma origem comum do nazismo e do comunismo, os ideólogos do neoliberalismo agem de má-fé, ultrapassam o campo da opinião e do juízo de valor e partem para a agressão. Os mesmos que se ofendem com qualquer crítica e que tem a mão pesada ao criticar.

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