domingo, 4 de abril de 2010

A patuleia comanda o espetáculo



O que se observa atualmente dentro das salas de exibição cinematográfica é um, por assim dizer, ato de selvageria, que determina os gestos predatórios, os comportamentos esdrúxulos e incompatíveis com o homem civilizado. O filme pouco importa para aqueles que o assistem nos complexos (Multiplex, Cinemark, Aeroclube...), constituindo-se num mero pretexto - ou, mesmo, conseqüência - do ato de ir ao shopping ou, se quiser, shoppear. Vai-se aos centros de compras da cidade para passear, consumir, praticar o lazer, após a destruição das praças e dos jardins e do comércio tradicional que se fazia nas ruas e avenidas de um centro deteriorado pela inércia, falta de vontade política, descaso pela memória. O ir ao cinema, então, se transformou numa das etapas desse processo de shoppear. Após a perambulação pelo shopping, o desfile costumeiro, o encontro com amigos, surge o cinema como uma espécie de saídeira do passeio. A maioria do público, adolescente, que faz parte dessa chamada, muito propriamente, geração fim-de-mundo, não se programa para ver determinado filme com antecedência. Os multiplexados consumidores do lixo cultural ficam atraídos pelos cartazes, inclinando-se pela fita que, por acaso, sugira ação e aventura, sexo e violência e tenha, no seu elenco, um ator ou atriz da moda.

Após a tomada do circuito exibidor pelas multinacionais estrangeiras, com a entrada em cena da UIP que, com os complexos Multiplex e Aeroclube, conseguiu fechar os cinemas de rua, restando, apenas, pequenos oásis fora desse esquema - a Circuito Sala de Arte, o Espaço Glauber Rocha, e a Walter da Silveira, pode-se observar desde 1998 - data da inauguração do Multiplex - uma mudança nos hábitos, nas maneiras, no comportamento diante do espetáculo cinematográfico. Estimulados pelo modelo americano, os jovens associam o cinema à pipoca e as empresas procuram lhes dar a consciência de que é preciso comer para ver. Assim, a comilança tornou-se uma regra, com as companhias estabelecendo em suas salas de espera verdadeiros centros de fast food. O comer para ver virou um reflexo condicionado a ponto de os jovens não admitirem assistir a um filme sem a complementação das bacias de pipocas e refrigerantes gigantescos, além de hambúrgueres variados. E, para pasmo geral, como não bastassem tal festim de colesterol, vendem-se, agora, dentro das salas, os estimulantes guloseimosos que tanto desesperam os cinéfilos que gostam, em paz e sossego, de ver um filme.


Acrescente-se a isso, as conversas laterais, o atendimento solícito de celulares em plena audiência fílmica, os risos fora de hora, que geram a total ausência de integração entre a emissão da obra cinematográfica e a sua recepção. Para o amante do bom cinema, ir aos complexos de salas tornou-se um inferno.

Registra-se, com isso, dois fenômenos: o da incivilidade e o da falta de educação. Mas o interessante a observar é que no passado havia um certo respeito, um comportamento diferente mesmo nos chamados cinemas populares, os poeiras. Se, atualmente, nota-se uma apatia e desinteresse diante do filme, o que se observava antes era uma interação, ainda que barulhenta em salas de segunda, entre o público e o espetáculo cinematográfico. Gritava-se e batia-se nas cadeiras (de pau) quando a cavalaria chegava a tempo de salvar os personagens de um ataque de índios, torcia-se pelo herói, aplaudia-se um beijo romântico etc.


Qual a causa dessa selvageria, dessa decadência, dessa brutalidade? Entre outros fatores, um poderoso: a influência devastadora da teledramaturgia que condicionou o receptor a uma passividade absoluta. Considerando que um filme tem uma duração limitada, todo e qualquer plano lhe é importante. O que não ocorre na televisão com as novelas, pois, aqui, o enchimento tradicional de linguiça se faz no sentido de possibilitar a quem as assista uma desatenção já prevista. Assim, quem assiste a três capítulos de uma novela pode deixar de ver quatro ou cinco e quando retorna encontra a história perfeitamente inteligível. A história é sempre repetida em vários ângulos a fim de dar ao receptor uma possibilidade de encontrá-la sempre compreensível. Resultado: a deformação provocada pela teledramaturgia televisiva - no modo de recebê-la, no modo de assisti-la fez com que a nova geração pratique a mesma atitude descompromissada quando diante de uma obra cinematográfica.

Pensa-se numa choldra de débeis mentais, numa escumalha de aloprados imberbes, alucinados diante da tela luminosa da sala de projeção. Uma patuleia desvairada que se agita no escuro à procura de um modo de ser mais peculiar às tribos ágrafas. Ir aos complexos, hoje, principalmente nas sessões vespertinas de fim de semana, é um convite ao desespero, salvo se a pessoa também faz parte dessa patuleia, dessa choldra, dessa escumalha.

2 comentários:

  1. André fui assistir um filme na Sala de Arte do MAM nesta semana e atrás de mim dois rapazes ficaram apertando latas de refrigerantes vazias o tempo todo. E olha que era em uma Sala de Arte onde se presume que os espectadores sejam mais civilizados. Olhei com cara feia para trás e momentaneamente os rapazes paravam de espremer as latas mas logo voltava a barulheira. É cada vez mais difícil conseguir que as pessoas se concentrem em alguma coisa. Nós que damos aulas para jovens bem sabemos disso. Estou tentando me adaptar pu pelo menos tolerar certos abusos. É difícil. Antes nos restava a possibilidade de reclamar com o bispo mas agora parece que eles estão muito ocupados com coisas mais importantes.

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  2. Concordo com você. Gosto de assistir a um filme com atenção e qualquer barulho me incomoda. Como se ensina na faculdade, entre a emissão e a recepção, no processo da comunicação, não deve haver ruídos. Pipocas, amassar de latas, celulares tocando, pés batendo nas poltronas, risotas fora de hora, entre outras 'bravatas' típicas de débeis mentais, são, na minha opinião, 'ruídos' indesejáveis.

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