quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Pontes e Baronesas


Eis-me aqui em Recife há quase quinze dias. É como se estivesse de volta à minha casa. Os caririenses carregam consigo essa duplicidade: meio cearenses, meio pernambucanos. O escritor Ronaldo Brito percebe perfeitamente essa dualidade quando define : “Cariri, Capital Recife!” . A Veneza Brasileira faz parte do meu bau de doces sentimentos, mas devo reconhecer que nem sempre foi assim. Simplesmente porque a cidade, retalhada por rios e remendada por pontes, não se entrega facilmente aos primeiros assédios. Amante banqueira e retraída, Recife exige todo um ritual de iniciação. A princípio seus ares parecem irrespiráveis, suas chuvas imprevisíveis, seu povo autista. Só aos poucos desabrocha a cidade que iluminou a poesia de Bandeira, João Cabral, Joaquim Cardoso e Carlos Penna Filho.
Recife carrega consigo um ar senhorial facilmente percebível nos seus casarões, nas suas pontes e também no seu povo. A cidade nos olha, por cima dos seus quase cinco séculos de história, galharda e pomposamente. Talvez seja esse clima colonial que a princípio entorpece os arrivistas , como se fossem espectadores que chegassem já em avançada hora do show. Aí o descompasso parece um visível incômodo. Como retroceder na história ? Como fazer parte do script , se já tantos capítulos foram escritos ? Aos poucos, no entanto, acabamos por perceber que o Recife tem um lugarzinho guardado para cada um que aqui bota os pés. No Recife, o encantamento se faz em módicas prestações mensais, aos poucos a cidade nos entra pelas veias e, um dia, quando jamais pensaríamos nessa possibilidade, compreendemos que já não é mais possível viver sem ele. O Recife nos arrebata mansamente do mesmo jeitinho que a maré carrega as baronesas rio abaixo.
Como isso é possível ? Recife compreende que sua história não é apenas um mero detalhe para ser guardado nos livros de escola. O recifense sabe que a história da cidade é uma coisa viva, palpável e que precisa ser degustada por todas as gerações com o mesmo ímpeto e apetite. A Cultura Pernambucana não é uma peça de Museu, uma ‘ararinha azul’ a ser catalogada pelo IBAMA. Ela vive no povo pernambucano, no seu quotidiano e mais : com o dinamismo próprio de que é feito as coisas vivas. Como não se apaixonar por uma terra que aparentemente séria e ensimesmada, mal chega o Carnaval, traveste-se , anarquicamente, e explode em alegria de viver: nos passos do frevo, na irreverência das troças, na música quase mântrica dos caboclos–de-lança, nos caboclinhos, nos cocos, nos afoxés, no afro Maracatu de baque virado, nos AlA Ursa? E mais, com todas as classes unidas, sem distinção de qualquer espécie e, conseqüentemente, quase sem violência?
É folclórico o bairrismo dos pernambucanos. Mas em termos de Carnaval, de alegria de viver, Pernambuco, com toda certeza, fala do Brasil para todo mundo!


J. Flávio Vieira

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