sexta-feira, 13 de maio de 2011

Amor na prateleira

Eita geraçãozinha sofrida esta dos anos 60! Não foi brincadeira não, meus amigos! Maio de 68, o movimento Hippye , Woodstock, enfrentamento da ditadura militar. Vá lá que conseguimos usufruir de alguns frutos semeados: a liberdade ainda que tardia depois de Figueiredo e uma rebarbazinha de liberdade depois da pílula. A maior parte da colheita, no entanto, caiu no paiol dos nossos filhos e netos. Assim se faz a vida: plantamos a semente no nosso quintal e a melancia brota no do vizinho. Cá me ponho a matutar com meu zíper, por que diabos não alcançamos as delícias do “fica”; o namoro no motel e não na praça; o final de semana no hotel com a paquera; o desbancamento definitivo da virgindade; a noite que acaba ao amanhecer e não às 21 horas; a iniciação com a namorada e não com a rameira.Claro que, por outro lado, não tínhamos alguns acidentes de percurso como a AIDS, mas , definitivamente, entre prós e contras, perdemos de goleada. Percebo que conversar com os amigos no Orkut, não é a mesma coisa que tê-los junto, numa mesa de bar. Entendo também que, em busca do fruto proibido, os namoros antigos carregavam consigo uma carga de sensualidade incrível: a do desejo impossível de ser saciado. Há grandes possibilidades de que o doce de leite não provado venha a tornar-se eternamente delicioso, mas não substituí, a meu ver, o prazer único de degustá-lo, mesmo com o risco de , com o passar dos dias, transformar-se num doce qualquer , comum e trivial, mesmo tendo saído das mãos de Isabel Virgínia.

Preocupa-me, por outro lado, a transformação gradual do amor num mero bem de consumo. O namoro e o casamento cobriram-se de um forte tom utilitarista.Não muito diferente do que se criticava nas gerações passadas: casamentos escolhidos pelos pais , sem nenhum vínculo amoroso entre o casal. Mudamos? Hoje, procedem-se, novamente, a todos os preparativos da viagem, calculando os mínimos detalhes. Muitas vezes se utiliza mais a contabilidade que o coração. São tantos os critérios a serem preenchidos pelos pretendentes que a cidades se vão inundando de legiões de solitários: com seus rituais, seus temores e suas idiossincrasias.Todos querem segurança e estabilidade, numa viagem onde a beleza e eternidade estão escondidas justamente no instável e no fugaz.As agências de casamentos oferecem parceiros com os ingredientes de uma receita de bolo e escolhem-se companheiros como se cata presentes para um chá de cozinha. Nem se percebe que o encontro de duas pessoas é sempre a fusão de dois abismos perfeitamente insondáveis.

Semana passada li uma notícia que mais que nunca condensa os tempos atuais. Abriram, no Japão -- pasmem vocês-- uma agência para desfazer casamentos. Funciona de maneira muito simples. Um dos parceiros quer finalizar o relacionamento de modo rápido? Contrata a agência e esta manda um funcionário(a) seduzir o marido ou a esposa. Filma-se e documenta-se toda a tramóia e, aí, entrega-se o dossiê ao interessado que,em rito sumário, procede à separação. Segundo a agência , conseguem índices favoráveis em até 90% das contratações.A competência dissolutiva dos funcionários da empresa é testada a todo momento, se não conseguirem desencadear os escândalos necessários acabam demitidos rapidamente. Ou seja , amigos, já temos, no mercado, fábricas de construir e destruir relacionamentos. O amor e o desamor estão estampados na prateleira à espera de qualquer cliente. O dinheiro, como já previra Nélson Rodrigues, compra tudo, até mesmo amor sincero.

Neste ponto, o mundo ficou mais chato. Desapareceram o mistério, a surpresa, a arte do encontro e do desencontro. A sexualidade engoliu a sensualidade. O olhar, o beijo, a palavra, o toque tornaram-se obsoletos. As pessoas , embora mais livres e menos preconceituosas, vão se tornando mais individualistas. A tolerância , artigo de premente necessidade neste mundo de guerras e conflitos, deveria fluir naturalmente do relacionamento cotidiano entre os indivíduos. Mas os homens estão ocupados demais preenchendo fichas e planilhas e não conseguem perceber os outros passageiros que, na mesma nave, empreendem a fantástica viagem que chamamos vida.

J. Flávio Vieira

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