Preocupa-me, por outro lado, a transformação gradual do amor num mero bem de consumo. O namoro e o casamento cobriram-se de um forte tom utilitarista.Não muito diferente do que se criticava nas gerações passadas: casamentos escolhidos pelos pais , sem nenhum vínculo amoroso entre o casal. Mudamos? Hoje, procedem-se, novamente, a todos os preparativos da viagem, calculando os mínimos detalhes. Muitas vezes se utiliza mais a contabilidade que o coração. São tantos os critérios a serem preenchidos pelos pretendentes que a cidades se vão inundando de legiões de solitários: com seus rituais, seus temores e suas idiossincrasias.Todos querem segurança e estabilidade, numa viagem onde a beleza e eternidade estão escondidas justamente no instável e no fugaz.As agências de casamentos oferecem parceiros com os ingredientes de uma receita de bolo e escolhem-se companheiros como se cata presentes para um chá de cozinha. Nem se percebe que o encontro de duas pessoas é sempre a fusão de dois abismos perfeitamente insondáveis.
Semana passada li uma notícia que mais que nunca condensa os tempos atuais. Abriram, no Japão -- pasmem vocês-- uma agência para desfazer casamentos. Funciona de maneira muito simples. Um dos parceiros quer finalizar o relacionamento de modo rápido? Contrata a agência e esta manda um funcionário(a) seduzir o marido ou a esposa. Filma-se e documenta-se toda a tramóia e, aí, entrega-se o dossiê ao interessado que,em rito sumário, procede à separação. Segundo a agência , conseguem índices favoráveis em até 90% das contratações.A competência dissolutiva dos funcionários da empresa é testada a todo momento, se não conseguirem desencadear os escândalos necessários acabam demitidos rapidamente. Ou seja , amigos, já temos, no mercado, fábricas de construir e destruir relacionamentos. O amor e o desamor estão estampados na prateleira à espera de qualquer cliente. O dinheiro, como já previra Nélson Rodrigues, compra tudo, até mesmo amor sincero.
Neste ponto, o mundo ficou mais chato. Desapareceram o mistério, a surpresa, a arte do encontro e do desencontro. A sexualidade engoliu a sensualidade. O olhar, o beijo, a palavra, o toque tornaram-se obsoletos. As pessoas , embora mais livres e menos preconceituosas, vão se tornando mais individualistas. A tolerância , artigo de premente necessidade neste mundo de guerras e conflitos, deveria fluir naturalmente do relacionamento cotidiano entre os indivíduos. Mas os homens estão ocupados demais preenchendo fichas e planilhas e não conseguem perceber os outros passageiros que, na mesma nave, empreendem a fantástica viagem que chamamos vida.
J. Flávio Vieira
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