Eu também sou filho do Chico Buarque.
(João Nicodemos)
É isso mesmo minha gente: declaro publicamente que eu também sou filho do Chico Buarque. Ainda que ele nem saiba de mim e nem desta paternidade não intencional, posso dizer com certeza que eu também sou filho do grande Chico.
Quando ouvi “A Banda” pela primeira vez, na voz de uma prima mais velha nos bem passados anos 60, senti uma coisa estranha. Mas não tomei nota, nem percebi direito o que era aquela identificação. Mais tarde, na adolescência, com “Sabiá”, “Realejo”, “Quem te viu, quem te vê” senti a mesma sensação de pertença. Uma identificação que não podia explicar, nem precisava. Simplesmente me senti em casa. Suas melodias e seus versos se encaixavam em meu universo emocional e intelectual (em formação) com uma justeza única.
“Junto a minha rua havia um bosque, que um muro alto proibia...”; “...hoje a gente nem se fala, mas a festa continua...”; “Toda gente homenageia Januária na janela, até o mar faz maré cheia pra chegar mais perto dela...”; “O velho vai-se agora, vai-se embora, sem bagagem... não sabe pra que veio, foi passeio, foi passagem...” Com estes versos vi girar a Roda Viva e, como quem partiu ou morreu, eu também cultivei a mais linda roseira que há... vi a banda passar e sonhei com Januária na janela. Com açúcar e com afeto, mergulhei no universo feminino e conheci algumas sutilezas do amor, cantado e decantado em suas canções. Mulheres de Atenas me aguardaram, guerreiro,à beira do cais; e com a morena de Angola eu também dancei e cantei sobre a tumba dos generais. Cantei a esperança de um dia ver o “dia raiar sem pedir licença” debulhei o trigo para o milagre do pão e chorei com a Morte Severina por ele musicada. Quantas vezes deixei a medida do Bonfim que não valeu e guardei, e guardo até hoje os discos do Pixinguinha, sim... o resto é seu. Trocando em miúdos pode, guardar aquela esperança de tudo se ajeitar, nem vou lhe cobrar pelo seu estrago... meu peito tão dilacerado... ...como? se na desordem do armário embutido, meu paletó enlaça o teu vestido e o meu sapato ainda pisa no teu? Como? Se nos amamos feito dois pagãos, teus seios ainda estão nas minhas mãos... me explica, com que cara eu devo sair?
Revisitando minhas lembranças, examinando como sinto o mundo e minha formação, posso dizer que, devido a tão intensa identificação e influência que recebi, eu também sou filho de Chico Buarque. E se você se lembra de algumas das músicas que citei, você também é!
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