sexta-feira, 16 de setembro de 2011

insígnia

Os meus dedos são os meus melhores amigos.
Eram lisos e límpidos e nunca se orgulharam.
Agora ásperos, velhos e tristes e tudo bem.

Não largam das minhas mãos.
Acompanham minhas unhas
no outono e no inverno
sem questionarem
o tempo.

Seguram com altivez
e com a mesma loucura

a asinha da xícara
e o cadarço do tênis.

Os meus dedos são os meus únicos amigos.
Conhecem meu pensamento antes da unha roída.
Já viraram tantas chaves e doeram-lhes as juntas.

Nunca se gabaram
das suas falanges.

Da plasticidade dos ossinhos.
Dos seus ângulos e diretrizes.

Os meus dedos não me puseram contra a parede
à espera de um anel de aço cirúrgico ou de ouro.

Passaram muito tempo colados
uns aos outros sem ironia
e sem fracasso.

Os meus dedos não duelaram.
Não se sangraram à toa,

salvo sob momentos
de tensão em que
nem eu mesmo
compreendia
seus vãos
e a água
da chuva
escapando.

Também foram eles no outro dia
que me ensinaram a fazer concha
com as duas mãos e me levaram
à boca a mesma água da chuva.

Os meus dedos são os meus senhores.
Apontaram na cara de muitos canalhas a desonra.
Outras vezes apontaram para o céu o sol se pondo.

Os meus dedos são o pai que não tive.
Desde cedo é como se eles soubessem.

E cresceram comigo
e nunca me pediram luvas.

Os meus dedos nunca tremeram,
exceto aquele tempo de frenesi 
em que meu coração derretido
veio até eles.

E eles supondo minha dor
tocaram em vez de blues
um samba.

Um samba de roda,
banquete e festejos.

Um comentário:

  1. Simplesmente você arrasou nesta.
    Sem maiores comentários, meus dedos recusam-se a obedecer-me. Ha! Esse dedos!
    Íris Pereira

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