terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Ataques aos Fundos da Saúde - José do Vale Pinheiro Feitosa


A manhã do Rio de Janeiro começou silenciosa. O Carioca dorme em razão do atravessar das horas da noite passada em volta da Ceia de Natal. O dia 25 de dezembro é um dos mais universais feriados do mundo Ocidental, assim como o primeiro de janeiro: quase tudo fecha e as ruas ficam desertas.

E foi nessa paz extraída do silêncio que a guerra se fez na minha consciência. Há no Brasil um discurso malandro e interesseiro, envolvendo eficiência dos recursos e meios públicos, que a título de inovação administrativa, promove iniquidade e serve para verdadeiros assaltos aos Fundos de Saúde. Promove-se a privatização da gestão do Sistema Único de Saúde sob o disfarce da coisa pública, através de Organizações Sociais e outras formas disfarçadas de promover desigualdades.

Em 1999, primeiro ano do Governo Garotinho, a Secretaria Estadual de Saúde começou um programa de valorização do funcionalismo público, convocando os aprovados num concurso, que o ex-Governador Marcelo Alencar estava deixando caducar, e diante das despesas com pessoal, dobrou a gratificação dos servidores da saúde. Em 2012, no mês passado, encontrei um médico de renome, aposentado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, com o salário mensal de R$ 1.640,37. Menos de três salários mínimos. Era o mesmo salário decretado por Garotinho há treze anos.

Acontece que a mesma fonte pagadora, o Estado do Rio de Janeiro, paga a um médico contratado por via privada em média mais de R$ 5 mil por vinte horas de trabalho, além dos encargos sociais por ser contrato CLT e da taxa de administração que é um grande negócio para os amigos do poder. Como o Governador Sérgio Cabral e o Secretário Sérgio Cortes podem justifica uma desigualdade dessas? Será que não caberia uma lei de Anistia para os funcionários estatutários do Rio de Janeiro em face das “torturas” promovidas pela ditadura da privatização? Quem sabe Sobral Pinto não precisasse voltar do além e pedir a lei de proteção aos animais para os torturados funcionários públicos da saúde no Rio de Janeiro?

E como o principal partido aliado de Sérgio Cabral e Sérgio Cortes, o maior partido trabalhista do Brasil, o PT, pode aceitar uma situação dessas? Ela existe, é real e age a cada minuto em pessoas que estão vivendo esta iniquidade: um profissional concursado experiente tratado como lixo da história e um jovem profissional, contratado na prática do “mercado” de seleção e controle profissional no mínimo questionável.

No Governo Federal, em quase todos os Estados e nos Municípios, o Sistema Único de Saúde se torna cada vez mais em um comprador de produto. Há uma prática promovida pelo PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT, entre outros partidos, de extinção do funcionalismo público da saúde e uma entrega, não ingênua, aos organizadores da farsa das Organizações Sociais. O Ministério da Saúde é um vazio de quadros próprios: não se faz concurso, quase todos os técnicos têm contratos precários ou através das mais variadas práticas de disfarce da realidade para não convocar concurso.

Há efetivamente uma trama em nome da eficiência. Não se pode nem culpar a guerra contra os Marajás do Collor, pois a saúde nunca foi terra desta gente, a não ser de forma incidental. Mas a verdade é que a primeira coisa foi sufocar os quadros da saúde, não os renovando por concurso público, rebaixando seus salários, denegrindo sua imagem como corrupto para, depois, começarem a contratação pelas vias transversas. O passo seguinte foi entregar as compras públicas a setores privados e agora a menina dos olhos de Ministro e Secretários é nem ter serviço próprio. Estão cientes de comprar serviços terceirizados sem que existam quadros e práticas eficientes para regula-los e controla-los.

Estamos, literalmente, retornando às práticas dos anos 70 que começaram a destruição do INAMPS e que hoje atacam a Saúde Suplementar. Uma prática que consiste em existir um grande fundo de financiamento (público, privado ou coletivo) sendo atacado por inúmeros agentes predadores de recursos, por venda de mercadorias tecnológicas cujo objetivo é o lucro e o fetiche da mercadoria. É a festa das grandes Corporações Multinacionais e a vilania dos profissionais de saúde. 

Nessa altura não acredito em ingenuidade de nenhuma autoridade da saúde, mas sei da perseguição criminosa aos funcionários públicos, especialmente em seus salários e, portanto, em sua dignidade. O que chama a atenção é a baixa resistência a essa narrativa dramática por parte do Ministério Público, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho, Sindicatos e Conselhos de Classe. Em relação às entidades de classe até entendo a contradição, quem ganha três ou quatro vezes mais não pretende discutir a miséria do outro.

Existe uma farsa intencionada a pairar sobre esta realidade: chama-se responsabilidade fiscal. A proporção máxima que a folha de pagamento do funcionalismo pode ter em relação às despesas públicas. Se as despesas subiram tanto com as contrações privadas, como justificar que isso não seja despesa de pessoal? Talvez naquele momento a prudência legislativa, ao limitar os gastos com pessoal, tenha sido uma iniciativa para abrir esta porta da corrupção da equidade constitucional no SUS.  

A sociedade está sendo enganada com televisões de telas planas nas esperas dos hospitais e com seguranças vestidos de paletó azul marinho nas portas dos elevadores. A conta é alta, em iniquidade, em gastos públicos e na formação de uma mercantilização danosa, pois sem limites e assaltante do patrimônio público. Basta tomar conhecimento do recente caso de Duque de Caxias envolvendo as tais Organizações Sociais.   

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