Embora negue ,peremptoriamente,
consta que teria partido de Valdenor aquele projeto genial. Depois do big-bang,
fica difícil juntar os cacos do
quebra-cabeças e descobrir quem teria
assoprado o lume do estopim. Como sempre, as grandes idéias surgem, meio por
acaso, sopradas pelo bafejo de algum anjo de luz ou sussurradas no pé do ouvido
pela língua ofídica de algum dos decaídos . E o diabo é que a tragédia tinha
acontecido simultaneamente com dois amigos de infância e adolescência, mas que
agora, tangidos pelas vicissitudes do destino, estava cada um ( ado-ado-ado) no
seu quadrado, tendo de ganhar a vida e arranjar algum alpiste para alimentar os
bruguelos, cada um em planeta diferente.
Valdenor
, passados os sonhos dourados da
juventude, teve que antecipar o casamento por conta de um emprenhamento prematuro
da namorada. E eram tempos de “casa ou morre”. Na sinuca de bico, preferiu a
morte a crédito: casou, deixou de lado os projetos estudantis e passou a
trabalhar como vendedor numa concessionária de automóveis. Orlando fora seu
amigo inseparável nos tempos de escola , de bailes e de farras homéricas.
Firmou-se nos livros, terminou um curso de odontologia em Recife e vivia de
boticão em punho no Crato há mais de vinte anos. Seus caminhos
cruzavam-se, esporadicamente, na rua,
numa farmácia, no comércio. Não mais que isso.
Pois
bem, neste 2012 --- e pululam explicações catastróficas sobre esta coincidência
--- as aparentes paralelas,
descobriram-se semi-retas e voltaram às
intersecções. Meio do ano, no último final de semana da Expô/Crato, os dois ---
cada um por razões diversas --- tiveram
que viajar. Valdenor fora convocado para uma reunião de avaliação de desempenho
da sua Concessionária em São Paulo e Orlando
partia para um Congresso científico,
no Rio. Viajavam ambos meio a contragosto, tendo que abandonar os dias mais
virulentos das festividades de meio do ano. Mas que jeito ? Manda quem pode e
obedece quem tem juízo ! E não era ,
simplesmente, o desassossego de abandonar a cidade em tempos tão festivos.
Orlando era muito supersticioso e ficou
cabreiro quando um tio seu, o velho Júlio Maia, lhe alertou, no dia anterior,
que tinha tido um sonho muito ruim: vira no delírio onírico, com aqueles olhos
que a terra haveria de lanchar, uma
avalanche de troncos de madeira descendo ladeira abaixo e caindo em cima do
sobrinho. E Valdenor, embora não tenha contado a ninguém, andava também com uma
pulga detrás da orelha. Ele tinha uma vaca que chamava carinhosamente de
“Maiada” e que dava uns quinze litros de leite todo dia, pois depois que marcou
a viagem, ela botou para secar os peitos
e , de repente, não caiu mais um pingo. O vaqueiro do sítio o alertara que
aquilo não era sinal de bom augúrio.
Por
peripécias do acaso, iriam se encontrar no aeroporto. Estavam meio emburrados
com a necessidade de viajar em dias tão pouco propícios. Tinham chegado ali com
a ajuda das esposas que se despediram de cada um deles , após o check-in.
Toparam um com o outro já na sala de embarque, enquanto reviviam os bons
tempos, perguntavam por colegas da época e pelo destino das meninas mais
charmosas da turma. Tinham comprado, embora não soubessem, passagens no mesmo
avião. A coincidência chicotou ainda mais a curiosidade sobre os bons e antigos tempos. E conversa puxa conversa,
fofoca exuma fofoca, nem perceberam que a aeronave não chegara no tempo
previsto e no quadro já não havia previsão para o embarque. Passadas uns
sessenta minutos da hora prevista, finalmente, o
pessoal de terra avisou que o vôo 1899 para São Paulo, com escala no Rio, por
problemas técnicos estava suspenso. Sabiam que só haveria agora vôo no dia
seguinte e ficaram chateados com o contratempo.
É neste exato momento que as versões divergem.
Quem teria dado a idéia cabalística ? Reza a crença que Valdenor teria bolado o
plano. Eu, como simples relator dessa história é que não vou enfiar minha
colher neste consumê . O certo é que , independente de quem foi o Thomas
Edison, os dois concordaram. Oras, não havia outros passageiros conhecidos.
Deixariam as malas no Malex do Aeroporto, comprariam um chapéu para disfarçar e
partiriam direto dali para a Expô/Crato. Na hora prevista de chegada aos seus
destinos originais , cada um ligaria para a esposa informando que a viagem foi
ótima , que estava tudo bem e que iriam descansar um pouco para o início dos trabalhos mais tarde. Virariam a
noite, na maior farra desse mundo e , no outro dia cedinho, pegariam um taxi,
se despediriam das catraias que tinham arranjado e partiriam , finalmente, para
Rio e São Paulo para os eventos previstos, com a desculpa mais que justificável
de falha da Companhia Aérea.
Seguiram
à risca o plano. Sentiram-se voltando no tempo e gazeando a aula de Educação
Física para ir ao Cabaré. Chegando na Expô/Crato foram direto para aquele lugar
recôndito chamado inferninho. Primeiro porque ali é sempre mais reservado e
privativo e, depois, porque existiam informações mais que abalizadas dizendo
que lá , apesar do nome, se tratava do Nirvana. Tinha até as onze mil virgens,
só descobririam que elas já tinham perdido de há muito esse atributo. Encheram
a cara, dançaram o dia todo e à noite, ainda deram uma escapadinha e desceram
para o show de uma Banda de Forró de nome apetitoso: “Cheira meu tabaco e
desmaia”.
Ainda bêbados
e grogues, de madrugadinha , já de táxi previamente contratado, partiram para o
Aeroporto, com aquela cara de menino que acorda em dia de natal. Só não
esperavam pela surpresa. As duras esposas estavam lá os esperando, de bote
armado. Apanharam que só galinha pra largar o choco. Só depois souberam que
houvera uma mudança no horário do novo vôo e a Companhia tinha ligado para suas
casas avisando de mais esse contratempo. As jararacas pegaram o fio da meada,
descobriram rapidamente a tramóia e partiram para lá, prontas para flagrar os
recém-ressuscitados boêmios. O julgamento foi sumário, a peia comeu no centro,
o papelão revelou-se publicamente e a pena executada fora em praça pública.
Alguns
dias depois, ainda de caras inchadas e reclusos, em silêncio obsequioso,
Valdenor ligou clandestinamente para Orlando. Na defesa , um tinha colocado a
culpa no outro e, certamente, quando o tempo os absolvesse , ficaria um ranço
danado de cada uma das esposas com o amigo do marido. Mas que jeito ? Orlando,
o mais supersticioso, fatalisticamente disse ao colega que deviam ter prestado
mais atenção aos sinais premonitórios da catástrofe. Tudo estava escrito!
---
Veja só, Valdenor ! Tio Júlio MAIA disse
que eu não viajasse; sua vaca MAIAda
secou os peitos e a o diabo da banda da Exposição, você lembra? “Cheira o meu tabaco e desMAIA” . Pois todos
esses Maias tinham razão ! A calendário dos Maias estava certo, nós é que nos abestalhamos, o Mundo tinha
mesmo que se acabar neste 2012 !
J. Flávio Vieira
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