domingo, 30 de dezembro de 2012

Sobre descargas - José do Vale Pinheiro Feitosa


Estou repetindo o que li: quando Henry Kissinger visitou a China, perguntou ao chefe de Estado o que achava da Revolução Francesa e aquele respondeu que fazia muito pouco tempo que havia ocorrido para se fazer uma avaliação mais correta. A China é uma organização de governo milenar e o tempo de sua cultura mais largo e aprofundando em termos de história humana.

Durante as escaramuças iniciais da Revolução Francesa no que seria o Parlamento, ou Terceiro Estado, em suas reuniões quem se sentava à esquerda se unia em torno de mudanças no Governo, no Estado e na Sociedade e quem se sentava à direita, membros do clero e da nobreza, se uniam em conservação dos mesmos. Daí surgida a dicotomia esquerda e direita, progressistas e conservadores.

No início dos anos noventa, embalados com a queda da União Soviética e com a possibilidade de uma política mundial unipolar centrada nos EUA, a direita, ou conservadores, ou neoliberais, teve base para expandir o discurso do fim da história. Cessada toda a assimetria ideológica, agora seria uma estrada traçada pelas forças vivas do mercado. Historicamente isso significa a vigência de uma lei e de uma ordem única bem ao gosto daqueles que se reuniam à direita.

Mesmo com a crise do modelo neoliberal, que em economia significa essencialmente financeirização e desregulamentação, os conservadores continuam com horror à possibilidade de que exista quem pense de outro modo. Quem, aliás, pense porque vive a necessidade de viver e viver é um misto de bem-estar espiritual e suprimento de suas necessidades materiais essenciais (o que seja isso uma vez que muda tanto).

Os efeitos da Revolução Francesa, como disse o líder Chinês, continuam, historicamente duzentos ou trezentos anos é muito pouco para a história. Direita e Esquerda estão na pauta do debate não apenas em palavras. Não é possível apertar a descarga da divergência e jogar tudo na rede sanitária. Refugiar-se num tempo inexistente é a existência no vácuo, logo preenchido pelo mais recôndito que lhe existe na alma.

Quando não se pensa igual a mim isso revela o quanto de diferença há na visão de mundo. Mas precisamos qualificar onde permanecem as diferenças e, no meu entender, só existe um elo comum: a Constituição Federal. Assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. E onde se encontram as diferenças ao chocar os ovos da serpente?

Na solução que funda todo aquele exercício constitucional. “Na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias...” E tomemos por base um fio de fronteira entre ser e não ser: constituímos um “Estado de Direito Democrático” fundamentado na “soberania, na cidadania, na dignidade humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.” E, claro, “todo poder emana do povo, que o exerce por meio do seus representantes eleitos direta ou indiretamente nos termos desta Constituição.”

Com todo este “conservadorismo” a me tomar o penúltimo dia do ano me reporto à chocadeira dos ovos da serpente. Mesmo sabendo que nos extremos a gema do ovo gerará a serpente do braço vingador, que envenenará todo o exercício constitucional pretendido. 

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