As feições atuais do renunciante Ratzinger mostram a gravidade e a
tensão da luta. Em quase oito anos de pontificado, Bento XVI envelheceu como se
tivesse decorrido o dobro. Não conhecemos os motivos determinantes da renúncia,
mas admitamos que ele se sinta inadequado ao enfrentamento de uma situação tão
complexa e obsedante como a atual, inquietada por divergências internas e
surdos confrontos de bastidor. Não lhe faltam agora os elogios, assemelhados e
epitáfios, e, em meio aos encômios, exalta-se a excelência do teólogo. Sejamos
claros, não se trata de um Hans Küng, tampouco de um Carlo Maria Martini.
Se Martini tivesse sido o
eleito em 2005, é plausível supor que algo teria mudado no sentido da
contemporaneidade. Ratzinger limitou-se a confirmar o passado, o qual remonta à
época em que, oficializada a religião, consumou-se a traição à palavra de Jesus.
Arrisco-me a dizer, sem temer o Inferno, que o verdadeiro Judas é a própria
Igreja, poder igual aos outros, humanos e não divinos, muito mais duradouro e
fortalecido sempre e sempre pela carência experimentada pelo homem diante do
mistério indecifrável.
Na história, e até na
hagiografia, há inúmeros papas hipócritas, tirânicos e devassos. Há, também,
estadistas. João Paulo II foi um deles, em proveito de seu abrangente Estado,
sem atentar para a lição de igualdade e amor pregada por Cristo, e sem respeito
pela mais exaltante das virtudes teologais, a caridade. Voltado integralmente
às tarefas de senhor de um poder terreno. Se vieram à tona escândalos como a
dos padres pedófilos, useiro e vezeiro, foi porque não houve como continuar a
escondê-los. E nem se diga o quanto Wojtyla foi decisivo, pela mão de certo
monsenhor Marcinkus, na definição dos alcances do IOR, o Banco do Vaticano,
Instituto das Obras da Religião, a entender que obra da religião é também a
reciclagem de dinheiro mafioso.
Figura ímpar, entre os
pontífices recentes, João XXIII, o campônio Roncalli, um reformador encarado
como subversivo pelos cinco anos do seu pontificado. Impossível imaginar o
desempenho do papa Luciani, João Paulo I. Durou na cátedra de Pedro por um mês
e morreu durante a noite, depois de tomar uma chávena de chá. Sobre o seu
criado-mudo havia apontamentos a respeito das atividades do monsenhor
Marcinkus. Banqueiro de Deus, dizia-se então.
Mino Carta
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