segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ói eu aqui de novo!


O vai e vem ao Cariricult além de refletir o fluxo da minha vida atual é, na essência, um sempre vem. Ao encontro da minha gente. Dos jovens que suportam nos ler afinal temos tanto de nossa geração. E aos andados no tempo que de vez em quando prometem nunca mais me levar em consideração, riscando-me do mapa de suas palavras. E sei que alguns e-mails trocados até comemoram as bordoadas.  

Mas o que seria do debate sem emoção e o justo estranhamento? Não seria e aproveito para confessar uma ignorância histórica. Quando os blogs e a redes sociais começaram a expor as ideias e as pessoas saltaram em grosseria, um palavrório destemperado que imaginava fosse apenas uma deseducação às regras do debate. Estava enganado.

Revendo histórias do jornalismo da República Velha, do nosso conterrâneo Antonio Salles e de figuras como o Barão de Itararé pode-se se ter a noticia de quanto os debates eram ácidos e até mesmo destemperados como são os de agora. Se alguém teve ou tiver a oportunidade de ler sobre o Correio de Manhã e Edmundo Bittencourt vai entender que hoje somos até tímidos e educados. Talvez digamos mais bobagens pelo que nos falta em certa cultura humanística.

Mas de qualquer modo o entusiasmo com suas ideias não é ruim, ao contrário é muito bom e temos que achar muito mais o modo de visa-las dos que as pessoas que as apresentam. Isso até vem a respeito de que quatro meses adiante a Síria continua se matando. As Coreias brincam de guerra, mas o substrato disso tudo é uma das Coreias com arma atômica concluindo-se que aquela região já está com este armamento e o Japão lembrando Hiroshima, até que as duas Coreias sejam apenas uma, não interessa o regime, mas a geopolítica da Ásia. Hoje o centro do futuro da economia.

E os “democratas” da Venezuela saíram na pancadaria com os chavistas. Os “democratas” que promovem golpes. Os “democratas” que são a esperança de muita gente das plagas brasileiras. Mas a esperança tem data marcada: outubro do próximo ano. No Ceará o quadro é muito interessante, os irmãos Gomes parecem apostar num poste, o Eunício faz prefeituras e multiplica placas de melhor senador pelas estradas do Ceará. O papel do PT no Ceará ainda está aberto, depende muito do Eduardo Campos numa candidatura a Presidente.

No país a Dilma faz campanha eleitoral a olhos vistos. Basta um exemplo: o futebol na companhia dos operários da obra do Maracanã (houve mesmo? Terminei não conferindo o fato). Aqui no Rio os arranjos estão de venta e popa e com muitas contradições, mas parece mesmo que a liga PMDB e PT é o principal e único projeto da reeleição da Dilma.

Por isso a Presidenta rifou o Brizola Neto na disputa da presidência do PDT com o Lupi. Com uma mão tirou o PDT do arranjo do Eduardo Campos e com a outra garantiu a unidade de sua campanha. O jornal O Globo com mais frequência leio manchetes e os telejornais do sistema estão num limite de conveniência por uma razão simples: eles dependem das políticas monetárias do governo e sua oposição é qualificada no sentido de forçar “certas soluções”.

Enfim é um prazer enorme está aqui com esta gente com quem tanto me identifico até nas profundas divergências.  

sábado, 27 de abril de 2013

"Jugo" - José Nilton Mariano Saraiva


A “obediência canina” é um dos pré-requisitos básicos àqueles que têm a desventura de trabalhar sob o "jugo" do global narrador Galvão Bueno, já há décadas o chefe supremo da equipe esportiva da TV Globo. Nem que isso represente navegar contra a maré. É de todos conhecido, por exemplo, a “geladeira” (isolamento) em que foi posto o crítico de arbitragem Arnaldo Cesar Coelho, por ter tido a ousadia de discordar de uma opinião do “chefe”, durante uma transmissão ao vivo.
Pois bem, durante a narração do último jogo Brasil X Chile, o Galvão Bueno passou toda a transmissão tecendo loas à facilidade, à funcionalidade, à eficiência e, enfim, à competência com que os responsáveis pela reforma do estádio Mineirão agiram, no tocante à mobilidade urbana (fluidez do trânsito) no entorno daquela praça de esportes, assim como com relação ao acesso às dependências do estádio. Para tanto, valeu-se do depoimento dos subalternos, que confirmaram e reafirmaram com todas as letras, pontos e acentos tudo o que o chefe houvera dito (chegar ao Mineirão e adentrá-lo nunca foi tão fácil).
Mas...
Dia seguinte, no principal telejornal da emissora global (Jornal Nacional), as imagens e depoimentos dos torcedores mineiros que “tentavam” chegar ao estádio nos deram a real dimensão da coisa: transito literalmente parado, muita confusão, revolta, insatisfação e grita generalizada por parte dos torcedores. Em suma, caos absoluto.
Como, ao mostrar e comprovar a “zorra” reinante na ocasião, a Globo publicamente desmentiu tudo o que o Galvão Bueno e subordinados afirmaram na transmissão ao vivo, no dia anterior, a pergunta que fica é: será que, tal qual a maioria dos torcedores, a cúpula da emissora global já “abusou” da arrogância e prepotência do próprio ??? Estaria reconhecendo a “saturação” do material ??? Ou que o “prazo de validade” da mercadoria oferecida aos seus telespectadores já passou ??? Será ???
Afinal, não custa lembrar, dias atrás a belíssima, simpática e competente Fátima Bernardes foi afastada do mesmo Jornal Nacional, carro-chefe da emissora, sob o argumento da necessidade de “oxigenação” do caro e valorizado horário nobre da TV Globo (embora a substituta, a também competente e belíssima Patrícia Poeta, se nos apresente como um verdadeiro “colírio para os olhos”).
O que você, aí do outro lado da telinha, acha ???

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Pronuncie... se puder - José Nilton Mariano Saraiva

Weidenfeller, Łukasz Piszczek (Grosskreutz), Neven Subotić,
Mats Hummels, Marcel Schmelzer, Sven Bender,  İlkay Gündoğan (Schieber), Jakub Błaszczykowski (Kehl), Mario Götze, Marco Reus, Robert Lewandowski (Jurgen Klopp/Treinador).
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Até pela grafia dos nomes dos seus integrantes, não há como deixar de reconhecer tratar-se de um “genuíno” e autentico time de futebol alemão (o respeitável Borussia Dortmund). Mesmo porque, ao contrário dos grandes times mundiais da atualidade, repletos de “alienígenas”, aqui há a prevalência dos matutos “filhos da terra” (com uma ou outra honrosa exceção), daí a extrema dificuldade ou “enrolação” da língua para todos nós que não estamos acostumados com tal tipo de pronúncia. No mais, não é de hoje que o futebol alemão se destaca pela marcação implacável (em razão de um preparo físico excelente), pela insistência com que seus jogadores “caçam” os adversários em qualquer parte do gramado (já que parecem “voar” em campo), pela verticalidade e objetividade das suas ações (na perseguição do gol), pelo outrora inimaginável e envolvente toque de bola (eram conhecidos por "cintura dura"), e, principalmente pela absoluta ausência de firulas ou frescuras (tão comuns no nosso futebol). Em sendo assim, independentemente dos resultados dos dois jogos da próxima semana (que determinarão os finalistas da Copa dos Campeões da Europa), contra os fortíssimos (e não descartáveis) timaços-poliglotas-espanhóis do Barcelona e Real Madrid, o futebol alemão, através do Bayern de Munique e Borússia Dortmund, prova ser, literalmente, a “bola da vez”. Fato é que, queiram ou não determinados  "gênios" (analistas) do futebol brasileiro,  Alemanha e Espanha estão “sobrando” em termos de futebol moderno, eficiente e gostoso de ser ver

O ocaso, o tempo e o acaso



Tudo depende do tempo e do acaso”
Eclesiastes

                                               Há exatos dez anos, silenciava a pena de um dos mais prolíficos e brilhantes escritores cearenses: O Padre Antonio Vieira. Nascido na pequenina Lagoa dos Órfãos, em Várzea Alegre, Vieira dizia-se filho sentimental e intelectual da Cidade de Frei Carlos. Deixou quase trinta livros publicados, dentre eles “O Jumento, Nosso Irmão” , reconhecido internacionalmente, publicado numa versão inglesa e tido como  a mais impressionante e completa obra já escrita sobre o  nosso querido Jerico. Sua produção fluía de uma extraordinária erudição que avançava pelos campos da Literatura, da Sociologia, da Filosofia, do Direito, da Antropologia, da História, da Gramática, da Política, da Religião. Vieira era um poliglota, um orador inspiradíssimo e dono de um estilo único e inconfundível. Mesclava, com rara destreza, a poesia e o humor e fez-se um  incansável engenho de produção literária. Como professor (de incontáveis línguas e matérias) tinha o poder quase único de hipnotizar platéias e transferir a portentosa sabedoria acumulada por tantos e tantos anos, com uma leveza e didática difíceis de se encontrar nos atuais mercados educacionais.
                                               Mais que um escritor, o Padre Vieira era um Artista. Estava profundamente antenado com o seu tempo. Conseguia ver bem além dos filtros religiosos e morais que a sociedade nos vai impingindo, pouco a pouco, na busca de empalhar-nos com verdades prontas e receitas pré-fabricadas. Franzino, feio e aparentemente frágil, Vieira carregava uma força de um guerreiro espartano. Eleito deputado federal em plena Ditadura Militar, insurgiu-se, bravamente, contra o golpe de 64, contra a Censura e a Tortura. Seus pronunciamentos no Congresso possuíam uma contundência inimaginável num regime de exceção. Por isso mesmo, terminou cassado nas primeiras lufadas do AI-5. Numa época , amigos, em que tantos e tantos se acumpliciaram com a ditadura e outros tantos fizeram-se de Judas e entregaram estudantes, sindicalistas e políticos  tidos como subversivos aos leões famintos da arena pátria; Vieira, como artista,  teve a clarividência de reconhecer quem eram os mocinhos e os bandidos e, corajosamente, alistou-se com os que pugnavam pelo bom combate. Não foi menos corajoso ao insurgir-se contra algumas leis pétreas da igreja de que fazia parte. Postou-se contra o celibato clerical, contra o medievalismo crônico de algumas teses imutáveis, contra o preconceito de gênero nas suas hostes, contra a hierarquia mais burocrática e menos pastoral. Hoje, quando as mudanças nas estruturas arcaicas  parecem mais que imperiosas, o tempo demonstrou , claramente, que o Padre Vieira trilhava, mais uma vez, o caminho da luz.
                                               O legado de um escritor insre-se nas páginas que escreveu. A herança de um artista, no entanto, ultrapassa as fronteiras da sua obra. Em que contribuímos, com nossa Arte,  para transformar esse mundo num lugar mais bonito, mais justo, mais feliz, mais alegre ? Acredito que Vieira buscou, desesperadamente, legar um planeta mais igualitário , mais franco e mais risonho para a posteridade. Reclamava de ter sido tolhido como ser humano, na impossibilidade de gerar descendência, mas deixou quase trinta filhos, na forma de  livros.  Espalhados pelo Brasil, necessitam de reedições para que cheguem às novas gerações e continuem o seu poder transformador.
                                               Passados dez anos, chega o tempo em que um artista tão importante precisa sair do purgatório da nossa história. O Cariri e o Ceará precisam saudar essa dívida para com um dos seus mais expressivos artistas. Tudo nessa vida, como diz o Eclesiastes, depende do tempo e do acaso, mas bem que podíamos dar um empurrãozinho a estas duas forças motrizes da humanidade. 

J. Flávio Vieira

quinta-feira, 25 de abril de 2013





CONFESSO QUE VIVO!

foto de Evandro Peixoto: apresentação artística ,no cine tatro-sesc no dia 23 de abril de 2013, em comemoração aos 60 anos de vida  de Luiz Carlos Salatiel que sempre escolheu a arte como forma de se espressar no mundo.

      Pense que sorte a minha: nascer numa manhã chuvosa de 23 de abril de 1953, dia dedicado ao Santo guerreiro, São Jorge - OGUN – de parto normal, em casa, assistido por sinhá Joaninha!- filho homem esperado e festejado por todos da família e desde que me percebo como gente,  sou mimado. O fui por minha mãe - querida mãe Emília, a Mariosa do meu pai Carlos, o Carlindo dela - e por todos os meus onze irmãos e especialmente por minhas oito irmãs.
     
     Agora – mais sex (agenário) que nunca! – me sinto belo, atraente, tão irresistível como quando ainda criança desfilava pelas ruas do Araripe nos braços negros da minha babá Adalva! Minha mãe sempre me falava dessa minha beleza em criança e eu nunca deixei que ela se perdesse porque a guardo dentro de mim: a beleza e a jovialidade que devem se eternizar tal como em Dorian Gray, de Oscar Wilde!
     
     Geneticamente, do meu pai herdei as minhas mãos pequenas , o gosto pelo canto dramático(de Vicente Celestino e Gardel)e a prodigalidade. De minha mãe herdei os pés (joanetes), um sentimento de jovialidade internalizado e gosto pela arte (especialmente o teatro) porque foi sob a direção dela é que vi com os meus olhinhos de  03 anos os ensaios do meu primeiro espetáculo: O meu chapeu tem três bicos! Os ensaios eram no hoje Salão da Memória do Casarão do Araripe.

    Subi ao palco pela primeira vez aos sete para representar um dos porquinhos numa cena do lobo mau que queria derrubar a casa de palha dos três irmãos – no Grupo Escolar Pe. Cícero, em Juazeiro do Norte – daí pra frente , vieram os espetáculos de teatro e música no Grupo Desafio, crooner da banda The Hunthers que animava tertúlias no cariri, Festivais da Canção, shows, incursões no cinema, e nesse ambiente artístico é que cultivei sólidas amizades que até hoje perduram.

    A vida para mim sempre foi e será um grande espetáculo onde sou o protagonista! Um espetáculo com textos que vão se construindo ao longo dos anos que vivo, com cenas românticas, dilemas, poesia, tragédia, alegria e choro, mas que pretende um final feliz.

    Um pequeno detalhe sobre minha mãe (de novo!) e sua sabedoria. Já aos oitenta anos, me disse:
 – Luiz eu só me percebo (ou me sinto) velha quando me olho no espelho!
Então, um bom conselho: quebrai todos os espelhos!

    Mas sei que somos feitos de nossas escolhas! E como fui privilegiado! Foram tantas as opções que me apareceram pela frente que até –quando erro- me aparecem outras oportunidades para ... errar de novo!  Mas, afinal de contas, quem é que detém todas as componentes para planejar a vida de um jeito tal que dê tudo certo? Que coisa mais chata seria ela sem a imprevisibilidade e a impermanência!  

    Hoje, aos 60 anos sei também que começa o primeiro estágio para me tornar um dos X-Man – um homem invisível! Aos sessenta começamos a nos tornar “invisíveis” porque nada que dissermos vai ser considerado a não ser que gere uma prova contra nós mesmos!

    Socorro, minha Irma-mãe, como psicóloga, não perde uma chance de dizer da minha capacidade enorme de me reinventar e tenho me convencido disso e percebido que esta é a forma de como pássaro -ícaro que sou, novas penas preciso para alçar voos infinitos na busca da luz do sol. Quando percebo que “me falta espaço/ aos passos  que dou /me faço pássaro/ e em pleno vôo/ vôo mais alto que o homem que sou” .

   Hoje, as minhas assas estão mais e sempre brilhosas e vigorosas pelos cuidados da minha querida e amada Carminha! De vez enquanto ela arranca uma peninha das minhas asas, mas tenho sempre comigo um tubinho de super-bond para colá-las de volta.

   Eu agradeço a todos – familiares e amigos -que estiveram neste especial momento de comemoração do meu aniversário. Marchemos juntos para os 70 anos!
Um abraço carinhoso e fraterno no coração de todos.

Luiz Carlos Salatiel 

 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Parabéns , Salatiel !

"um dia 
a gente ia ser homero
a obra nada menos que a ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernado pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como flores"

p. leminsky


Parabéns aos muitos Luiz Carlos Salatiel ( poeta, compositor, cantor, músico, dramaturgo, produtor, cineasta... ) , tantos artistas num só corpo. Toda uma vida dedicada intensa e exclusivamente à Arte . Luiz é o São Jorge Guerreiro da Cultura Caririense. Ele faz parte daquela estirpe de pessoas ( os que lutam a vida inteira) que Brecht definiu como imprescindíveis. Poeta da província , atrás de tantas máscaras  donde pelas frestas brotam flores...

domingo, 21 de abril de 2013

"Joaquimzão", o rebelde - José Nilton Mariano Saraiva



Como é do conhecimento até do pipoqueiro da esquina, o “Joaquimzão” Barbosa, atual presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), continua impossível e impassível. Primeiro, quando resolveu importar da Alemanha uma teoria do ramo do Direito que nunca dantes na história desse país houvera sido usada (o tal do “domínio do fato”) com a clara intenção de usá-la para condenar vapt-vupt os integrantes do processo vulgarmente conhecido por “mensalão”. Isso porque, contrariando o que se acha expresso em nossa Constituição Federal, tal teoria abre brechas para que se condene um réu pela simples presunção de que seja culpado, mesmo que não haja nenhuma prova para sustentar a acusação.

Igualmente, dada à celeridade com a qual o julgamento foi conduzido, comprovado restou que havia, sim, por parte do Presidente do STF, a intenção deliberada de influir no resultado das eleições que se realizariam dentro de poucos meses, de forma a que os candidatos aliados com o Governo fossem penalizados, conforme declaração do próprio Procurador Geral da República (aqui, o efeito não foi o esperado). 

Pois não é que agora o presidente do STF resolve bater de frente com os presidentes-representantes das associações vinculadas à advocacia e à magistratura, ao insinuar que eles agiram de forma “sorrateira”, na “surdina” e após “conversas de pé de ouvido”, ao induzirem os membros do Congresso Nacional a aprovar a criação de quatro (04) novos Tribunais Regionais Federais (no seu entendimento absolutamente desnecessários, porquanto objetivando apenas criar novos empregos).

Alfim, sem choro nem vela e para lacrar de vez o caixão, Joaquimzão foi incisivo e contundente ao declarar que “esses tribunais vão ser criados em resorts, em alguma grande praia”. 

A vingar tal assertiva, não é preciso se ser nenhum expert para concluir que nas entrelinhas de tal sentença se esconde aquilo que todo mortal comum pensa, mas não tem coragem de expressar: lamentavelmente, o nosso Poder Judiciário longe se acha de ser o guardião da moralidade e dos bons costumes, como deveria. 

E agora, apelar pra quem ???

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Fel




                                               A notícia não podia ser menos alvissareira. Uma semana antes da encenação da Paixão de Cristo, em Matozinho, caiu aquele petardo :  Caligário Cobongó  estava de cama. Uma dengue o pegara de mal jeito , estava  quebrado como arroz de terceira. Não  achava canto, rebolando dia e noite , parecia quebra-queixo em boca de banguelo.
                                               ---Devo ter caído de um avião ou fui atropelado  por uma Scania ! Isso não pode ter sido obra de um mosquito só não, meu amigo !  Vieram de ruma , como maracanã atacando roça de milho !  Avisem na igreja, esse ano eu passo !
                                               A confusão estava instalada. A Paixão era uma das festas mais populares de Matozinho. Encenada sempre na semana santa, contava com a presença marcante de Caligário, há mais de dez anos. Ele trabalhava como magarefe, era bombado, alto, vistoso  e cultivava uma barbona fechada e longa, além de cabelos fartos que lhe caiam aos ombros. Cobongó fazia o Cristo , seu tipão tornara-se inconfundível. O ator, diziam as más línguas, nem descia do palco. Apesar de um trabalho de um dia só ao ano, levava os outros trezentos e sessenta e quatro , todo pábulo , importante e não falava sem impostar a voz. Difícil para a  produção da peça imaginar um Cristo outro que não se tratasse do nosso magarefe.
                                               A  Associação do Sítio Pau-Dentro  , promotora do evento, através do seu presidente Raimundo Catingueira ( “Rai”, para os íntimos), chamou uma reunião de emergência. E agora ? Logo o papel principal, se fosse ao menos um Zé de Arimatéia, um Pilatos, um São José ! Mas logo Cristo ! Como arranjar um substituto, um suplente à altura ? Várias possibilidades foram apontadas, mas batiam sempre , no tipo físico do Mestre. Pedro Grande  atuava direitinho, mas era tamborete de samba. Mané Magro, um carpinteiro, extremamente responsável, já encenara vários personagens, mas ultimamente andava gordo demais, parecido com um landrace. Júlio Cananéia , o vigia da praça, taludo e forte, levava jeito para a coisa, mas era perneta. Alguém, então, lembrou Jojó Fubuia, o maior pinguço da Vila. Jojó era um varapau, tinha uma barba grande, mas descuidada, desasnado,  só havia uma contra-indicação : bebia como uma esponja. Rai, por fim, entre todas as hipóteses apresentadas, chegou à conclusão que a melhor opção, apesar dos pesares, era mesmo Fubuia. Mas, claro, algumas providências urgentes necessitavam ser feitas.
                                               Procuraram o pinguço, na manhã seguinte, cedinho. Ainda carregava o bafo de cana do dia anterior. Rai , líder da comitiva do Pau-Dentro, explicou-lhe a questão. Cobongó estava doente e precisavam dum ator substituto, um estepe de Cristo. Jojó se interessou. Todo mundo persegue os seus vinte minutos de fama !
                                               --- A gente leva a maior fé em você Jojó. Sabemos da sua capacidade ! agora, só tem um problema. Você não vai poder beber até o dia da Paixão! Um Cristo bêbado seria o fim ! Se topar, tá contratado!
                                               Jojó concordou, até porque tinha certeza que seria impossível vigiá-lo até lá. Haveria sempre a possibilidade de uma escapadinha. A Associação, no entanto, enquanto Jojó pegava na castanha,  já tinha engolido o caju. Rai falou com o Delegado Honorino Catanduva e pediu a ajuda nesta empreita. Naquela manhã mesmo Honorino deu voz de prisão a Jojó e o trancafiou.
                                               --- Só sai do xilindró direto pra Paixão de Cristo, seu Jojó ! Esse é o único jeito de você não encher a cara e cometer uma blasfêmia em plena Semana Santa. Joviu ?
                                               Jojó  não teve escolha. Tinha prometido ! Mas cinco dias sem melar o bico, é demais ! No terceiro ,  já subia pelas paredes. Estava trêmulo e vendo bicho em tudo quanto era canto. Dormia com o jacaré do lado.  No dia da Paixão, um sábado de aleluia, falava palavras estranhas , talvez em aramaico. O figurino e a maquiagem foram preparados na própria cela. Rai prometeu , então,  a Jojó que, se tudo saísse a contento, ao terminar a encenação o presentearia com dois litros do seu sobrenome : Fubuia.
                                               O cortejo saiu na rua. Rai , para controlar mais nosso Salvador, vestiu-se de centurião e andava ali pertinho dele, o chicoteando. As ruas de Matozinho estavam repletas. Os rostos piedosos e contritos acompanhavam o sofrimento do Filho do Pai.  Jojó manteve-se até tranqüilo. Os olhos mais esbugalhados do que sempre e as mãos trêmulas derrubaram a cruz por muito mais vezes do que se previra no roteiro e no Evangelho. Tentou ainda comer a toalha que Zé de Arimatéia trouxe para enxugar seu rosto. Quis dar um pesqueiro em Pilatos na hora que Barrabás acabou libertado. Na Ceia Larga bebeu o copo de vinho e tirou gosto com o pão inteirinho.  Quando Judas veio beijá-lo à frente dos soldados, sapecou-lhe um beijo na boca, desses de dar enfarte em Feliciano.
                                               O Gólgota foi preparado nas proximidades do Açude do Sabugo, na subida da Serra da Jurumenha. O Cristo lá chegou jogando impropérios para tudo quanto é lado. Foi pregado na cruz a contragosto. Rai, então, teve uma idéia salvadora. Fincada a cruz, com o Filho do Pai se contorcendo mais do que se devia esperar, Rai molhou o chumaço com cachaça ao invés de fel e levou-o  aos lábios do Cristo. Os olhos do redentor, de repente,  brilharam e ele sorveu o fel com tanta força que quase engolia o chumaço. O  centurião imaginou  que assim o acalmaria até o final da crucificação. Passados alguns minutos, com o Filho do Pai ainda lambendo os beiços e em busca de mais fel, ele gritou desesperadamente a frase sagrada ( um pouco adaptada, claro):
                                               --- Rai ! Rai ! Por que me abandonastes ?
                                               E, demonstrando toda vocação para o sacrifício,  berrou a todos pulmões :
                                               --- Mais fel ! Mais fel ! Eu quero mais fel !

J. Flávio Vieira