Há poucos anos, junto
com um colega médico que é um premiado fotógrafo, fiz um texto para um livreto
intitulado Rita – a face humana da tuberculose. O livro foi publicado pela
Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro com apoio de duas ONGs:
o Fórum ONG-TB-RJ e o GAEXPA. Até bem pouco tempo o texto estava no site destas
ONGs.
Ali, se narrou de forma
resumida a vida e o problema com a tuberculose de Rita de Cássia Vieira Smith. Ao
examinar o sobrenome Smith descobrimos que ela era casada com um americano,
infectado pela HIV e que vivia no Brasil, num casamento que lhe dava o direito
ao tratamento que ele não conseguia ter acesso nos EUA.
O tratamento, bem
conduzido por equipe treinada e com medicação gratuita dada pelo Estado Brasileiro
é uma condição sem a qual aumenta a incidência da Síndrome de Imunodeficiência
que tem altos índices de letalidade em pouco tempo. E este tratamento é a
realização de uma política que tornou a saúde o direito do cidadão e um dever
do Estado.
Lembro este caso uma
vez que acabo de ler uma postagem oriunda da Reuters e assinada por Kate
Kelland que de modo resumido diz o seguinte: as políticas de austeridade fiscal
nos EUA e na Europa provocaram aumento de suicídios, depressão e de doenças
infecciosas e dificultaram o acesso a médicos e medicamentos.
A análise destes dados
e suas conclusões foram feitas pelo economista de Oxford, David Stuckler e pelo
epidemiologista de Stanford, Sanjay Basu. Durante a recessão nos EUA mais de
cinco milhões perderam acesso aos instrumentos tecnológicos de saúde. As
infecções e mortes consequentes da infecção pelo HIV aumentaram e até a malária
recrudesceu na Grécia. Segundo os pesquisadores o que mais encontraram com as
políticas de austeridade foi escassez de medicamentos essenciais, epidemia de
abuso do álcool, suicídios e depressão.
O importante desse
estudo é que ele nega exatamente o que parece nos levar a concluir ao ler o
texto até aqui: tudo não é consequência da recessão. Mas tenhamos calma que a
explicação dele é contundente: “No final o que vimos é que a piora da saúde não
é uma consequência inevitável das recessões econômicas. É uma escolha política.”
Está explicado que o
problema é político. Que a sua reversão é uma luta política por outras
escolhas. Entre as quais ampliarem a democracia e reduzir a influência das
elites endinheiradas, que não pagam impostos, concentram riquezas e o poder de
decisão econômica mais do que milhões de pessoas. E esta luta passa por uma bem conduzida
crítica ao neoliberalismo e ao grande sorvedouro de vidas humanas que a ideologia
promoveu por suas opções políticas.
A contemporização com
estas opções políticas mesmo que para “quando o carnaval chegar” é a adoção
consciente da frieza cruel diante da desgraça de milhões. Ou 26% de
desempregados não é um problema para se está num mundo orgânico cujo sangue é o
dinheiro?
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