sábado, 8 de junho de 2013

A Ópera e o Mito da Nacionalidade na América do Sul - José do Vale Pinheiro Feitosa

Subindo a rua San Antonio no centro de Santiago, após transitar pela Alameda, passando pela Universidade Católica e pelo Cerro Santa Lúcia, chega-se ao Teatro Municipal. Como tem no Rio, São Paulo e que em Buenos Aires chamou-se Colón. Naquele dia anunciava em cartazes, fixados na fachada do Teatro, uma apresentação do pianista chinês Lang Lang. Hoje um dos mais destacados pianistas do mundo. Lotação esgotada.

Os teatros de ópera têm um fator essencial na chamada modernidade. Aquela fase da história humana que compreende as ideias do iluminismo, as revoluções burguesas, a revolução industrial, a centralidade urbana em detrimento da terra e a consolidação do capitalismo após sua fase de acumulação chamada mercantilismo.

Um parêntese: muita gente diferencia o mercantilismo do capitalismo, mas há uma certa tendência a adotar a visão de que o mercantilismo foi a fase de acumulação de capitais (especialmente com a escravidão, a mineração e a produção de monoculturas). Na verdade o capitalismo é o grande capital que é, em outras palavras, a acumulação monocrática de capitais em torno de pequenas classes ou grupamentos familiares.

A idéia de um capitalismo democrático pulverizado na renda de famílias de classe média ou de operários é um engano, nestes termos, uma vez que o jogo jogado dos capitais acontece nas grandes instituições financeiras sob a manipulação de poucos. Basta observar a grande quebra das bolsas no anos 30 e dos bancos de investimento em 2008 para entender que o jogo jogado no capitalismo é um jogo de minorias manipulando a estabilidade e o futuro de milhões de famílias.

Mas retornemos às ruas de Santiago do Chile, exatamente a Calle San António, em frente ao Teatro Municipal. Segundo algumas fontes o mais antigo prédio teatral da América do Sul seria a Casa de Ópera de Vila Rica. Sua data de começo funcional seria 1770. Se bem que a entrada no teatro como uma prática cultural aconteceu desde o início da conquista e durante todo o período de colonização, sempre pela mão dos Jesuítas que utilizaram a prática como meio de catequização dos povos nativos.

De qualquer modo no Brasil no final do século XVIII foram criadas casas de ópera além de Vila Rica, em Diamantina, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador. Em síntese a ópera é um segmento essencial da formação da nacionalidade, especialmente na fase do romantismo. Quando as ex-colônias começaram seus movimentos independentistas, era preciso formar uma mentalidade em sua elite. Uma mentalidade própria não subalterna à corte européia.

Por isso em toda a América do Sul foram criadas nas grandes cidades teatros espetaculares preferencialmente para a apresentação de ópera. O teatro municipal de Santiago onde se assistiu ao mito da nacionalidade alemã pelas mãos de Richard Wagner com sua ópera Parsifal, a preferida do Fuhrer, foi fundado em 1857 e foi inaugurado com uma ópera de Verdi intitulada Ernani. O Teatro Colón de Buenos Aires é de 1908 e é considerado um dos melhores teatros do mundo. O Teatro Municipal do Rio de Janeiro foi construído em 1909 no calor das obras de remodelação do centro do Rio. O teatro municipal de São Paulo foi construído entre 1903 e 1911 e não foi à toa que ali aconteceu a Semana de Arte Moderna de 1922.

Enfim: ao longo da performance de Parsifal no Teatro Municipal ficou claro que o grandes teatros de Ópera em Milão, Paris, Berlim, Viena e assim por diante eram a expressão da nacionalidade típica da consolidação da burguesia embora como sempre com os salamaleques das monarquias.

Por isso na América Latina os teatros de ópera foram tão importantes, não para o povo em geral, mas para a formação das elites nacionais que começaram a beber água nas fontes do romantismo e seus mitos fundadores das nações. Claro que se inclua por aí os poemas de Gonçalves Dias e os romances de José de Alencar.

Por último um exemplo emblemático: o fabuloso prédio do Teatro Amazonas. Construído na época e no estilo da Belle Epoque (os anos dourados da burguesia européia) em razão dos fabulosos capitais oriundos da borracha. Um teatro para espanto do mundo erguido no meio da floresta amazônica. Foi proposto pela primeira vez em 1881, aprovado um financiamento pela Assembléia Legislativa em 1882, o projeto arquitetônico foi de um escritório de Lisboa e a construção feita sob orientação de um arquiteto italiano. A obra durou quinze anos quando, finalmente, em 1897, foi inaugurado com a ópera italiana La Gioconda de Ponchielli.


As performances no Teatro Amazonas eram feitas por companhias europeias que vinham até o centro da floresta e depois retornavam com o ouro no bolso. Salvo alguma revisão está neste périplo a origem do meu amor sendo gerado por duas gerações deste um maestro italiano em busca de sobrevivência. E assim se formam o mito que busca dar sentido ao nada de nossas origens.  

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