Subindo a rua San Antonio
no centro de Santiago, após transitar pela Alameda, passando pela Universidade
Católica e pelo Cerro Santa Lúcia, chega-se ao Teatro Municipal. Como tem no
Rio, São Paulo e que em Buenos Aires chamou-se Colón. Naquele dia anunciava em
cartazes, fixados na fachada do Teatro, uma apresentação do pianista chinês
Lang Lang. Hoje um dos mais destacados pianistas do mundo. Lotação esgotada.
Os teatros de ópera têm
um fator essencial na chamada modernidade. Aquela fase da história humana que
compreende as ideias do iluminismo, as revoluções burguesas, a revolução
industrial, a centralidade urbana em detrimento da terra e a consolidação do
capitalismo após sua fase de acumulação chamada mercantilismo.
Um parêntese: muita
gente diferencia o mercantilismo do capitalismo, mas há uma certa tendência a
adotar a visão de que o mercantilismo foi a fase de acumulação de capitais
(especialmente com a escravidão, a mineração e a produção de monoculturas). Na
verdade o capitalismo é o grande capital que é, em outras palavras, a acumulação
monocrática de capitais em torno de pequenas classes ou grupamentos familiares.
A idéia de um
capitalismo democrático pulverizado na renda de famílias de classe média ou de
operários é um engano, nestes termos, uma vez que o jogo jogado dos capitais
acontece nas grandes instituições financeiras sob a manipulação de poucos. Basta
observar a grande quebra das bolsas no anos 30 e dos bancos de investimento em
2008 para entender que o jogo jogado no capitalismo é um jogo de minorias
manipulando a estabilidade e o futuro de milhões de famílias.
Mas retornemos às ruas
de Santiago do Chile, exatamente a Calle San António, em frente ao Teatro
Municipal. Segundo algumas fontes o mais antigo prédio teatral da América do
Sul seria a Casa de Ópera de Vila Rica. Sua data de começo funcional seria
1770. Se bem que a entrada no teatro como uma prática cultural aconteceu desde
o início da conquista e durante todo o período de colonização, sempre pela mão
dos Jesuítas que utilizaram a prática como meio de catequização dos povos
nativos.
De qualquer modo no
Brasil no final do século XVIII foram criadas casas de ópera além de Vila Rica,
em Diamantina, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador. Em síntese a
ópera é um segmento essencial da formação da nacionalidade, especialmente na
fase do romantismo. Quando as ex-colônias começaram seus movimentos
independentistas, era preciso formar uma mentalidade em sua elite. Uma
mentalidade própria não subalterna à corte européia.
Por isso em toda a
América do Sul foram criadas nas grandes cidades teatros espetaculares preferencialmente
para a apresentação de ópera. O teatro municipal de Santiago onde se assistiu
ao mito da nacionalidade alemã pelas mãos de Richard Wagner com sua ópera
Parsifal, a preferida do Fuhrer, foi fundado em 1857 e foi inaugurado com uma
ópera de Verdi intitulada Ernani. O Teatro Colón de Buenos Aires é de 1908 e é
considerado um dos melhores teatros do mundo. O Teatro Municipal do Rio de
Janeiro foi construído em 1909 no calor das obras de remodelação do centro do
Rio. O teatro municipal de São Paulo foi construído entre 1903 e 1911 e não foi
à toa que ali aconteceu a Semana de Arte Moderna de 1922.
Enfim: ao longo da
performance de Parsifal no Teatro Municipal ficou claro que o grandes teatros
de Ópera em Milão, Paris, Berlim, Viena e assim por diante eram a expressão da
nacionalidade típica da consolidação da burguesia embora como sempre com os
salamaleques das monarquias.
Por isso na América
Latina os teatros de ópera foram tão importantes, não para o povo em geral, mas
para a formação das elites nacionais que começaram a beber água nas fontes do
romantismo e seus mitos fundadores das nações. Claro que se inclua por aí os
poemas de Gonçalves Dias e os romances de José de Alencar.
Por último um exemplo
emblemático: o fabuloso prédio do Teatro Amazonas. Construído na época e no
estilo da Belle Epoque (os anos dourados da burguesia européia) em razão dos
fabulosos capitais oriundos da borracha. Um teatro para espanto do mundo
erguido no meio da floresta amazônica. Foi proposto pela primeira vez em 1881,
aprovado um financiamento pela Assembléia Legislativa em 1882, o projeto
arquitetônico foi de um escritório de Lisboa e a construção feita sob
orientação de um arquiteto italiano. A obra durou quinze anos quando,
finalmente, em 1897, foi inaugurado com a ópera italiana La Gioconda de
Ponchielli.
As performances no
Teatro Amazonas eram feitas por companhias europeias que vinham até o centro da
floresta e depois retornavam com o ouro no bolso. Salvo alguma revisão está
neste périplo a origem do meu amor sendo gerado por duas gerações deste um
maestro italiano em busca de sobrevivência. E assim se formam o mito que busca dar
sentido ao nada de nossas origens.
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