quinta-feira, 13 de junho de 2013

Os Lagos Andinos e sua Travessia - parte 1 - José do Vale Pinheiro Feitosa

O turismo é um enredo da fantasia. Viaja-se em terras nunca dantes navegadas em nossos sonhos. Visitam-se paisagens, ruas e povos que continuam a ser estas categorias mas, como num ritual mágico, se elevam em significados. Os significados mágicos que já na encontramos nos nossos espaços sedentários.

Estrato da navegação, das grandes estradas, da conquista do ar, qual seja os meios que aceleraram o corpo humano a romper léguas de distâncias, a viagem se tornou ao mesmo tempo o grande adeus e a grande recepção. Por isso a viagem se tornou a mais relevante expressão da mudança. Da transformação. Quem sabe até da revolução.

E foi aí que num mundo mercantil a viagem se tornou objeto de venda. Até mesmo as chamadas viagens ao coração da natureza, ao âmago da fé religiosa, ao encontro da família e dos amigos, ao gosto da aventura e do conhecer o desconhecido, se tornaram oportunidade de negócio.

E desse modo aldeias de pescadores como Jeriquaquara se tornaram objeto do desejo de milhares de viajantes vindos do hemisfério norte, da outra banda do mundo e, claro, do sul do hemisfério sul. Tomando como referência paulistanos no amplo espaço a se deslocar com seus corpos independentes dos brutais engarrafamentos.

O remoto, o inacessível, o mítico e o sagrado foram desnudados, desmistificados num processo de "remistificação" lucrativa que move o negócio e viajam as pessoas. Tem de tudo para todos os estilos. Desde aqueles deslumbrados pelo consumo e pela afetação de expor-se no consumo fugaz do luxo, até aqueles tímidos das moedas contadas, numa despesa que parece um bolso furado e um aporte que parece as marquises daqueles sem teto.

E pelas gargantas que dão passagem às montanhas. Acima das nuvens furadas pelos picos nevados dos Andes. O romper do manto de névoa e abrir-se sobre uma paisagem ondulada na encosta das grandes e escarpadas elevações. Paisagem sobre a qual um tapete lindamente verde associa o viajante com a única paisagem referente: as pastagens alpinas da Suíça, Alemanha e Áustria.

Os lagos com nomes de raízes nativas. Assim como o fabuloso Llanquihue em cujas margens os migrantes alemães do século XIX deixaram ali uma cultura, uma economia e uma elite rica que regra a vida de todos. O mais impressionante do Llanquihue é sua paisagem de campos, montanhas e o fabuloso Vulcão Osorno com seu topo nevado. O vulcão se posta no horizonte das margens do lago assim como o Monte Fuji dá alma à paisagem e à fotografia japonesa.

Em Frutillar uma cidade da colônia Alemã a mais reveladora geografia social da sociedade desigual: a parte alta onde vivem os operários e a pequena classe média e a parte baixa, à beira do lago onde vivem não muito mais do que três mil pessoas, em ruas de cinema, jardins alpinos, casas alemãs, lojas e restaurantes e bares para turistas.

Na pequena cidade um dos melhores teatros que se vê até mesmo em grandes cidades. Todo construído com revestimento externo de tábuas de madeira em diversas cores. O teatro tem biblioteca, loja de vendas, salas para cursos, salas para apresentações mais restritas e o grande salão. Nele acontece um festival de música no verão sul americano comparável à qualidade do melhor do hemisfério norte.

A jóia do turismo dos lagos é sua travessia entre Puerto Varas e San Carlos de Bariloche na Argentina (conhecida pelos brasileiros apenas como Bariloche. Nos meses frios, especialmente julho tem tanto brasileiro que se brinca como se fosse o nome da cidade Brasiloche). O percurso chileno começa em ônibus, à margem do Lago Llanquihue, entra no Parque Vicente Perez Rosales (de preservação), visitam-se corredeiras de um rio e a seguir vai a Petrohue num porto do lago Todos os Santos (com as águas num belíssimo verde esmeralda) e o atravessa por quase duas horas.


No outro lado do lago, numa estreita faixa de terra plana embaixo das alturas dos Andes, fica Peulla e seu hotel para criar fantasia em turista. Mas uma fantasia de frio, de lago, de picos nevados e se houver uma lua cheia, de montanhas prateadas a cercar o território do visitante. A luz elétrica gera-se numa turbina de quedas d´água e só existem estradas estreitas a ligar as poucas casas. Não moram muito mais do que cem pessoas. Os funcionários do hotel trabalham num regime de embarcado em plataforma de petróleo: muitos dias no local e alguns em suas casas distantes. 

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