As longas ruas de
Santiago assim as são pelo comprido vale que se estica entre os Andes e a
Cordilheira do Mar. E por todas as alongadas ruas os cães vivem soltos,
especialmente no centro formigueiro de gente. Ainda não em matilhas, mas em
grupos ou solitários.
A sociedade protetora
dos animais manifesta sua vontade política de não retirá-los das ruas, os donos
de bancas e camelôs os alimentam e assim cães que viram latas, mas vira-latas
não são pelos padrões das pobres ruas brasileiras, ocupam um território. Atravessam
as longas e movimentadas avenidas da capital ao ritmo das pessoas, pelos
sinais, sem compreenderem as cores, mas seguindo a procissão humana em
obediência ao verde sinalizado.
Do corpo congelado dos
latifúndios conservados e dos feitores da mineração do cobre surgiu uma elite
ígnea e por isso mesmo acobertou-lhe uma grossa camada oxidada. Dessa ferrugem
em camadas como uma massa folheada, vieram os bastardos do latifúndio e das
susseranias, as sobras lanhadas dos feitores rurais, as escolas de fazer guerra
aos apelos das novas camadas populares em busca de participação nas riquezas.
Estos perros se
convirtieron em matilha. Assaltaram o poder popular, bombardearam a sede do
poder democraticamente eleito. Aprisionaram, torturaram e mataram os cantores,
os artistas, os líderes, os estudantes, os operários, los obreros como Manoel
de Amanda.
Levaram a todos para o
Estadio Nacional e ali começaram a seleção de assassinatos, de soltar os cães
agressivos, os chutes na barriga das mulheres grávidas. Um oficial louco de
ódio trucidou o compositor e cantor Victor Jara. O canil fora alimentado na
medida, nem muito e nem pouco, mas com a ameça da escassez pelo governo
imperial dos Estados Unidos da América em Saque. A matilha dos cães do Chile
orquestradas pela chibata de comando de Augusto José Ramón Pinochet Ugarte.
Os franceses têm muitos
créditos com a civilização ocidental. Mas um débito tremendo com os direitos
humanos, com a dignidade e a paz dos povos em razão do seu pervertido espírito
colonial. Não muito diferente dos outros países colonialistas da Europa, mas
esmerados em técnicas de fazer sofrer os oprimidos. A sua prolongada guerra
colonial na Argélia gerou o pior dos soldados, aquele pervertido em torturas e
destruição da humanidade e das pessoas. Era, Augusto Pinochet, filho de um
militar de origem francesa.
Los perros atacaram La
Chascona, a residência do poeta Pablo Neruda e de Matilde, que fica ao pé do
Cerro San Cristóbal no bairro popular de Bela Vista. Cercaram o bairro com
armas e veículos de guerras. Os soldados tomaram as ruas, entraram na casa do
poeta, saquearam os livros e os queimaram em las calles próximas. A nuvem negra
do sacro espírito das fogueiras inquisitoriais. O ódio ao poeta. Aos
comunistas. Ao povo que havia eleito Salvador Allende.
O golpe de los perros
aconteceu no dia 11 de novembro de 1973 e no dia 23, doze dias passados, morreu
Neruda. Membros das embaixadas, especialmente da embaixada da Suécia se
deslocaram em solidariedade a Matilde que cercada por los perros, velava o
corpo do poeta. La Chascona estava cercada por baionetas caladas. E Matilde
resolveu que iria levar o corpo de Neruda pelas ruas até ao cemitério sobre
enorme risco pela saliva de ódios da direita chilena que cercava o poeta.
No dia marcado Matilde
não ficou só. O embaixador da Suécia, Harald Edlestam que salvou muitos
exilados brasileiros e que é tema de um recente filme sueco, entrou no meio do
cortejo em franco desafio às balas dos golpistas. E vieram outros membros de
outras embaixadas e los perros não tinham como atacar este pessoal, mas
acompanharam o féretro com passadas de fel espelhado pelas ruas de Santiago.
Para surpresa da história, anônimos foram surgindo não se sabe de onde e
silenciosamente engrossaram o cortejo que honrava o poeta maior do Chile.
Um desafio ao ódio. À
morte. Ao assassinato e à tortura. O poeta não saiu vencedor da morte física,
mas a humanidade dos chilenos foi salva neste gesto. Incluso los perros no
pueden esquercer de ella.
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